Cheguei em casa no silêncio da manhã, os pés doendo da dança, a cabeça latejando e o estômago embrulhado. Para minha sorte — ou azar — a casa estava quieta. A avó e a mãe ainda dormiam, alheias ao caos da minha noite.
Deixei a bolsa na entrada, respirei fundo e encostei a testa na porta por um segundo. Que alívio que ninguém tivesse visto o que aconteceu. Que alívio… e que vergonha.Subi para o quarto, joguei a roupa na cadeira e respirei fundo.
— Isso não existe. Não aconteceu. Foi só um acidente — murmurei para mim mesma, quase como uma prece. Não podia me entregar a isso. Não podia misturar desejo e caos com a minha vida planejada. Trabalho, foco, futuro. Nada de enredos perigosos.Mas a lembrança dele queimava por baixo da pele, irritando-me. O gosto dele, a forma como me segurou, como se já me conhecesse… Eu precisava me convencer de que aquilo era apenas raiva, álcool e impulso,
Era o que eu sempre fazia: apagar. Não dava para ser como minha mãe, que se entregava a paixões impossíveis, que perdia noites e dias por homens que a abandonavam depois. Eu tinha prometido a mim mesma que seria diferente. Trabalho, foco, futuro. Nada de enredos perigosos.
Mas a lembrança dele queimava por baixo da pele, e isso me irritava ainda mais. O gosto dele na minha boca, o jeito como me pegou como se já me conhecesse… Como apagar isso?
Sacudi a cabeça, tentando expulsar a sensação. Não era amor, não era nada. Era só raiva, álcool e carência. Eu precisava acreditar nisso — porque qualquer outra coisa seria o começo de uma ruína que eu me recusei a repetir.
Sete horas em ponto. O despertador tocou como um lembrete cruel.. Eu levantei com dificuldade, a cabeça latejando como se um tambor estivesse batendo dentro do meu crânio
No banho, tentei limpar o cheiro de álcool, a memória daquilo que aconteceu, e me preparei para encarar o mundo. Ao chegar na empresa, o familiar zumbido do escritório me atingiu. Pilhas de papel, computadores piscando, vozes. E ali, sorridente como sempre, estava Marina. Minha melhor amiga e colega de trabalho.
— Helena! — ela chamou, vindo em minha direção com a energia de sempre. — Você tá bem? Dormiu mal? Você tá pálida!
Sorri, tentando parecer mais desperta do que realmente estava. — Só uma noite pesada, sabe como é… — respondi, encolhendo os ombros. — Nada de grave.
Marina me olhou de cima a baixo, levantando uma sobrancelha, claramente desconfiada, mas resolveu não insistir.
— Bom, então se prepara… — Marina baixou a voz, puxando-me pelo braço enquanto caminhávamos em direção à sala de reuniões. — Hoje tem uma reunião importante com todo mundo da administração. E olha, os rumores estão fervendo…
Ela fez uma pausa dramática, olhando para mim como se fosse revelar um segredo de vida ou morte. — A empresa foi vendida, Helena. E… tem um novo CEO chegando. Misterioso, ninguém sabe direito quem é, nem os detalhes. Dizem que é alguém do tipo implacável, daqueles que todo mundo sente na pele logo de cara.
Meu coração deu um pulo involuntário, embora eu tentasse parecer calma. Novidades corporativas me afetavam menos que a ressaca, mas a curiosidade ainda queimava.
— Novo CEO? — murmurei, tentando disfarçar o nervosismo. — E ninguém sabe quem é?
— Ninguém — confirmou Marina, franzindo a testa. — Só ouvimos boatos que é um homem muito rico e babaca.
Chegamos à sala de reuniões. O burburinho entre os funcionários era palpável, cada um comentando algo que tinha ouvido.
O antigo CEO entrou na sala com um sorriso cansado, mas orgulhoso, cumprimentando os funcionários um a um.
— Bom dia a todos — começou, a voz firme, mas carregada de emoção. — Hoje é um dia especial. Depois de anos construindo e guiando esta empresa, chegou a hora de passar o bastão.
Ele olhou ao redor, os olhos encontrando cada rosto conhecido.
—— Meu filho, Arthur, assumirá como CEO. Ele comprou de volta parte da empresa. É capaz, determinado e sabe o que quer. Confio que todos o receberão com o mesmo respeito e dedicação que sempre me ofereceram. Estou certo de que continuará levando a empresa a novos patamares.
Alguns funcionários trocaram olhares curiosos; o nome ainda soava misterioso para todos.
— E Helena — continuou, com um sorriso gentil voltado para mim — você acompanhará meu filho de perto, ajudando-o como sua assistente. Sei que fará um excelente trabalho.
A sala murmurou surpreso, e eu apenas balancei a cabeça, tentando disfarçar a mistura de ansiedade e curiosidade.
— Vamos dar as boas-vindas ao futuro — concluiu ele, assentindo para Arthur que esperava discretamente à porta, antes de se despedir e deixar a sala, com passos firmes, enquanto todos se preparavam para conhecer o novo CEO.
O burburinho cessou quando a porta se abriu lentamente.
E lá estava ele. Alto, imponente, olhos claros que pareciam atravessar a sala, cada passo calculado, postura perfeita. O mesmo homem que eu não podia esquecer, que queimou minha memória na noite passada, estava ali, à frente de todos, com uma autoridade natural que fazia o ar tremer.
Meu coração disparou. A ressaca, o cansaço e a lembrança impossível da noite passada se misturavam, queimando por dentro.
Arthur Vasconcelos. Meu novo chefe. Meu inesperado destino.
E ele me olhou… como se também lembrasse.
Silêncio absoluto. Inferno ou paraíso? Eu ainda não sabia.