Helena
O silêncio pesou entre nós, denso, quase sufocante. Meu coração batia tão forte que eu tinha certeza de que ele podia ouvir.
— Eu acho que o senhor está enganado — falei, firme, tentando controlar o tremor na voz. — Nunca nos vimos antes.
Arthur arqueou uma sobrancelha, descrente.
— Enganado? — repetiu, baixo, quase desafiador. — Curioso… tenho uma memória excelente. E dificilmente esqueceria alguém tão… marcante. — Seus olhos percorreram cada detalhe do meu rosto, testando minha coragem.
Minhas pernas quase fraquejaram, mas mantive o queixo erguido. — Lamento decepcioná-lo. Deve estar me confundindo com outra.
Ele inclinou a cabeça. Um silêncio carregado se instalou, até que ele recuou um passo e se virou em direção à própria sala.
Arthur não saiu de imediato. Continuou parado diante de mim, como se tivesse todo o tempo do mundo. Aquele meio sorriso não se desmanchava, e eu percebi que ele estava se divertindo com a minha tentativa de negar o óbvio.
— Nunca esqueço um rosto — repetiu, dessa vez mais claro, quase num tom de constatação. — Ainda mais alguém que lembra algo que eu pensei ter perdido… algo que me fez tentar de novo, mesmo sem querer.
Meu estômago revirou. Ele não falava apenas da noite; falava de uma lembrança antiga, de um desejo que eu não podia ignorar. Apertei a bolsa contra o ombro, tentando criar distância, mas sentindo que não adiantava negar.
— O senhor deve estar confundindo as coisas. — Forcei um sorriso educado, profissional. — Eu estava em casa ontem à noite.
Arthur riu, baixo, quase um sopro. — Se estava em casa… então quem foi que eu tirei da pista de dança, que se agarrou em mim como se o mundo fosse acabar?
Meu rosto queimou, mas mantive o queixo erguido. — Se isso aconteceu, não era comigo. — O tom firme soava melhor do que eu esperava, embora minhas mãos tremessem.
Ele inclinou a cabeça, estudando cada detalhe da minha expressão. — Você mente mal, Helena. Isso pode ser um problema… ou pode ser divertido.
— Eu não estou mentindo. — A voz saiu mais rápida do que deveria, denunciando o nervosismo.
Arthur
O que aconteceu na noite passada não saía da minha cabeça. Helena. O corpo dela, a raiva misturada com desejo, a forma como reagiu ao meu toque… era impossível esquecer. Mas não era só lembrança; era algo mais profundo, quase obsessivo. Ela tinha quebrado regras, desafiado o que eu achava controlável, e agora estava ali, a poucos metros, fingindo que nada tinha acontecido.
Olhei ao redor da sala antes de me aproximar, medindo cada passo. Minha mão pairou sobre a borda do balcão, como se pudesse segurá-la, e então decidi testar os limites dela. Não iria apenas observá-la; precisava ver se ela reconhecia a intensidade da noite anterior.
Sorri de lado, quase provocativo, e puxei o brinco que tinha caído no chão da pista de dança da noite passada — meu troféu silencioso. Segurei-o entre os dedos. — Enganada? Reconhece isso? — A pequena joia reluziu sob a luz, e vi a cor subir ao rosto dela.
— Isso… — começou, a boca seca — eu… não posso, não deveria… — Hesitou, tentando esconder o tremor nas mãos. — Não foi nada, senhor. Precisamos esquecer que aconteceu. Foi só uma noite!
— Ah, é seu sim — insisti, dando um passo mais perto, o ar pesado entre nós. — Não se lembra de como caiu no meu colo? Não se lembra do calor, da raiva, da entrega… Helena, não é só a memória. É você.
Ela recuou, mas com hesitação, os dedos tentando esconder a mão que tremia. Cada reação dela acendia algo em mim — não era só desejo; era lembrança, era uma chance de reparar algo que eu achava perdido. Eu não estava ali para ameaçar, mas para mostrar que não esquecia, que aquela noite tinha deixado marcas reais — marcas que só ela podia apagar.
— Eu… não aconteceu nada — murmurou, os olhos desviando. Mas não havia convencimento. Eu podia sentir a verdade escondida na negação dela.
Aproximei-me mais, apenas o suficiente para que o cheiro dela me invadisse, sem tocar. Cada passo medido, cada olhar calculado. — Então, Helena, me diga: você realmente vai ignorar o que aconteceu? Ou vai deixar que eu prove que não esqueço nada?
Ela engoliu seco, o corpo tenso, e naquele instante percebi: ela estava lutando para manter o controle. Mas assim como eu, ela não poderia negar o que sentíamos, nem a chama que acendi em nós na noite passada.
E ali, no silêncio pesado da sala, algo ficou claro. Aquela obsessão não seria passageira. Eu não esqueceria Helena. E ela, de algum modo, também não.
— Senhor Arthur… — a voz dela saiu firme, mas trêmula no fundo. — Eu não posso. Não posso admitir nada, nem deixar que essa história exista fora daquela noite.
— Não pode? — questionei, arqueando a sobrancelha, provocando-a.
Ela ergueu o queixo, o olhar endurecido. — Eu lutei muito para chegar até aqui. Entrei na Vasconcelos Tech, quando ainda era estagiária, e passei anos me matando de trabalhar para ser levada a sério. Eu quero crescer, quero liderar projetos, abrir espaço para criar algo que seja meu dentro dessa empresa… um dia, até abrir a minha própria companhia.
A cada palavra, a convicção queimava nos olhos dela, mais forte que o nervosismo.
— Eu tenho a minha mãe, minha avó. Elas dependem de mim. E não posso — ela respirou fundo, a voz firme de novo — não posso ser conhecida como a mulher que deu para o chefe. Não posso jogar tudo fora por uma noite.
Silêncio. Só a respiração dela, pesada, carregada de raiva e orgulho.
Eu a encarei, avaliando. Não era só a lembrança da pele, do gosto, da entrega. Era a força que ela escondia atrás do medo, a determinação que me fazia querer testá-la ainda mais.
Ela não queria ser só mais uma funcionária — queria ser alguém dentro da Vasconcelos Tech, a gigante de softwares e inteligência de dados que eu agora comandava. E ali estava a contradição deliciosa: negar o desejo em nome da ambição.
Sorri de canto, lento. — Então é isso que você teme, Helena? Ser vista como alguém que abriu as pernas para o chefe… quando, na verdade, você abriu muito mais que isso: abriu um jogo que eu não tenho a menor intenção de esquecer.
A tensão era quase palpável. Eu podia sentir a fúria dela, o coração acelerado, o corpo dividido entre fugir e se entregar.
Dei um passo para trás, controlando a vontade de avançar. — Você pode fugir agora, Helena. Mas já devia ter aprendido uma coisa… — deixei a voz cair em um tom grave, quase íntimo — eu não desisto do que quero.
Ela respirou fundo, como se buscasse forças, e saiu da sala antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa. A porta se fechou com força, o clique ecoando pelo corredor.
Fiquei sozinho, o brinco ainda preso entre meus dedos, reluzindo como um troféu.
E sorri.Aquilo estava só começando.