Encostei-me na cadeira, girando o brinco entre os dedos. Não fazia sentido. Normalmente, eu descartava mulheres com a mesma facilidade com que fechava contratos: rápido, sem olhar para trás. Mas Helena… Helena não saía da minha cabeça.
Talvez porque ela me lembrasse dela: Minha mãe.
Uma mulher fria, ambiciosa, cruel em todos os sentidos.Eu cresci assistindo ao espetáculo amargo da submissão do meu pai, um homem doce, que se anulava em silêncio enquanto era humilhado por uma esposa infiel. Lembro da sensação sufocante — prometer a mim mesmo, ainda menino, que nunca seria como ele: vulnerável, enganado, frágil.
Esse voto me moldou. Transformou-se em armadura, em desconfiança cravada na pele. Tornei-me o oposto: controlador, calculista, frio. Convenci-me de que amor era apenas uma moeda de troca. Que toda mulher, cedo ou tarde, revelaria algum interesse escondido.
E ainda assim, havia Helena. Um risco ao meu controle. Um perigo à minha disciplina. A distração que eu não podia permitir… mas não conseguia afastar.
Helena tinha a mesma intensidade no olhar. A mesma forma de se levantar contra mim mesmo quando tremia por dentro. O mesmo fogo que parecia impossível de apagar. Só que nela havia algo a mais — um orgulho feroz, uma ambição que se chocava com a minha.
Passei a mão pelo cabelo, exasperado. Aquilo não era parte do meu plano. Eu tinha vindo para a Vasconcelos Tech para assumir o controle, para expandir os negócios da empresa de softwares e inteligência de dados que meu pai quase deixara escapar. Eu deveria estar pensando em números, estratégias, mercados… não em uma assistente que mal admitia o que sentia.
Mas era inútil negar.
Quanto mais ela me rejeitava, mais eu a queria. Não pelo jogo, não pela conquista fácil — mas porque, em cada olhar, eu enxergava a lembrança do que perdi. E ao mesmo tempo, a possibilidade de algo novo, algo que eu não sabia se estava preparado para enfrentar.Bati o brinco contra a mesa, ouvindo o som metálico ecoar no escritório vazio.
O destino estava brincando comigo.E eu não pretendia perder duas vezes.
O dia seguinte chegou rápido. Mal dormi. Passei a noite pensando nela. Era irritante. E viciante.
Cheguei cedo na empresa, antes mesmo de o sol bater direito nos vidros da fachada. Queria ver a cara dela quando me encontrasse… só que não esperava a cena que vi ao abrir a porta do andar.
Helena já estava lá.
Sentada à mesa, com um copo de café pela metade e uma pilha de relatórios espalhados, como se a noite nunca tivesse acabado. O cabelo preso às pressas, a expressão concentrada. Ela não era só bonita — era disciplinada, focada.Aproximei-me devagar, observando cada detalhe da mesa. Inclinei-me levemente sobre os papéis dela, quase encostando o ombro, como se quisesse absorver cada movimento, cada expressão concentrada.
— Você madruga no escritório, é? — minha voz quebrou o silêncio, baixa e provocativa.
Ela levantou os olhos devagar, como se já soubesse que era eu. — Alguém precisa trabalhar enquanto o novo chefe perde tempo com… sei lá, o que vocês fazem de manhã. — Deu de ombros, seca, voltando a olhar para os papéis.
Sorri de canto.
— Eu costumo fazer coisas muito mais interessantes do que relatórios. Mas… posso aprender a apreciar. — Me aproximei, apoiando a mão na mesa ao lado dela. — Principalmente quando quem está do outro lado parece tão… dedicada.— Se está tentando me desconcentrar, não vai funcionar.
Inclinei-me um pouco mais, perto o bastante para sentir o cheiro do café e do perfume dela misturados.
Peguei o copo de café dela por um segundo, girando-o lentamente entre os dedos, e soltei um riso baixo. — Interessante mistura de aromas, sabia?
— Não preciso tentar muito, Helena. Você já pensa em mim mais do que deveria.Ela largou a caneta na mesa com força, finalmente me encarando.
— Eu penso no meu futuro aqui, senhor Vasconcelos. Não em você.Ah, mas aquele “senhor Vasconcelos” só me deu mais munição.
— Pode me chamar de Arthur.
— Prefiro continuar chamando de senhor. Me lembra que o senhor é só meu chefe… e nada além disso.
Um silêncio pesado ficou entre nós.
Ela respirou fundo, esticando a mão com a pasta da agenda para mim. — Aqui está. Agenda do dia, prioridades e reuniões.
Segurei a caneta que estava na mesa e girei entre os dedos, observando-a com um sorriso provocativo. — Sempre tão eficiente, Helena.
Peguei a pasta, folheando rapidamente. Folheei rapidamente a agenda, e empurrei um relatório de lado, ajustando-o na mesa como quem marca território. — Muito bem… vamos ver se tudo está em ordem para o meio-dia. Interessante… vejo que temos uma reunião ao meio-dia. Investidores, certo? Você está nervosa?
Ela ergueu a cabeça, olhos brilhando, mas mantinha o tom firme. — Não, senhor. Só… planejando. Preciso que tudo saia certo.
— Muito bem, Helena. Planejar é sempre melhor que se perder… — minha voz suave, quase um comentário, e dei um passo atrás.
Deixei a pasta sobre a mesa, firme, mas sem pressioná-la. — Vou deixar que você cuide disso. Não quero atrapalhar o seu… excelente trabalho.
Olhei para ela por um instante, registrando cada detalhe da postura rígida, a tensão que ainda corria pelo corpo. Um lampejo de curiosidade e desejo passou pelo meu olhar, mas não disse nada.
— Até mais tarde, Helena.
Antes de virar para sair, empurrei discretamente um relatório até o limite da mesa, quase tocando a ponta do braço dela, e caminhei até minha sala.
Quando a porta quase se fechou atrás de mim, o silêncio retomou seu lugar, a observei pela fresta…. Ela suspirou, relaxando minimamente os ombros, mas eu sabia que a lembrança da minha presença ainda queimava. E eu, por minha vez, não conseguia parar de pensar naquele olhar firme, desafiador e… intrigante.
E enquanto eu caminhava em direção a minha mesa, uma ideia se formava na minha mente, rápida e certeira: aquele jogo tinha apenas começado. E eu não pretendia perder nenhuma rodada.
Porque, de alguma forma, Helena não seria apenas minha assistida. Ela seria o motivo pelo qual eu aprenderia a me arriscar de novo — e, se me permitisse, a sentir.