Devagar.
A palavra reverberou ainda mais alto quando a porta da boutique se fechou atrás de mim. O mármore da capela consumia a minha sombra enquanto eu caminhava, e a luz das velas desenhava trilhas sobre o piso que pareciam apontar para o meu destino. Ser Bonanno não é apenas um título — é uma máquina que transforma desejo em estratégia e sangue em contrato. E eu, por muito tempo, aprendi a ser o engrenagem que não falha. Rosália — repito o nome como se fosse um mantra e também uma sentença. Rosária, Rosália, a respiração dela é um som que me desconcerta quando lembro dos seus movimentos tímidos, das mãos que acariciam coisas simples com reverência. Há momentos em que minha imaginação trai meu ódio e a pinta com ternura. Esses são os momentos mais perigosos. Porque, ainda que eu não ceda, essas visões me ensinam a precisão do que vou destruir: aquilo que se ama se quebra de maneiras mais profundas. Então eu a estudo. Cada gesto seu, cada hesitação, cada sonho que ela insiste em manter aceso contra o mundo — tudo vira mapa. Falei pouco com Felicia quando saímos da boutique. Ela estava cheia de perguntas, sedenta por detalhes e por um espetáculo que só ela sabia apreciar. Eu lhe contei o necessário: convidados, enfeites, a melhor joia que a casa Bonanno pode oferecer — não por generosidade, mas por ironia. Quero que Rosália brilhe diante de todos, que o contraste entre sua beleza e a miséria que eu pretendo impor salte aos olhos. O sangue frio de uma execução planejada é melhor apreciado quando a vítima ainda conserva alguma dignidade a arrancar. No caminho de volta à mansão, a brisa noturna trouxe um cheiro distante de mar. Às vezes, quando estou sozinho no meu escritório, gosto de abrir a janela e ouvir ruídos que não sejam ligados à família — a vida dos outros, trivial e barulhenta. Esses barulhos me lembram que o mundo fora dos Bonanno segue enquanto nós urdimos nossas tramas. É um consolo macabro. Minha força física — fruto de feridas que cicatrizaram em traçados perfeitos — se une a uma beleza cultivada com método. Sou alto, forte, olhos que intimidam e um rosto que a maioria classifica como atraente. Mas há uma crueldade que age por baixo da beleza: um lado que não hesita em fraturar tudo que for preciso para que a reputação do meu sangue se mantenha. Quando fechei a porta do meu gabinete, encostei as costas na madeira e deixei que o silêncio me falasse. Havia cartas escritas, números anotados, telefones que precisavam tocar. A vingança é um quebra-cabeça que se monta com peças humanas. Alguns serão usados como escudos, outros como iscas. Todos terão sua utilidade — ninguém é apenas um nome; são papéis. Por isso, a escolha dos convidados para o casamento deve ser cirúrgica: rostos que dirão as palavras certas no momento certo, testemunhas que testemunharão a ruína sem mover um dedo. Pensei na mãe de Rosália — essa mulher que foi a conjugação de paixões e de frustrações, que espalhou no rosto da filha as tonalidades de seu passado latino; imaginei a mãe assistindo, talvez em silêncio, talvez com erros que costuraram essa menina — e aquilo me provocou um prazer frio. A vingança não é apenas contra Vittorio; é contra toda a linha dos Lucchese, por cada pedaço de dor que nossos corpos carregam. Eu não caço apenas um homem; eu arrasto um clã ao chão. A ideia de tê-la à minha mercê durante a noite do casamento — um contrato de sangue — agia como combustível. O matrimônio não era amor, era um fio colocado ao redor da garganta de uma família rival. Irônico que o altar, centro de promessa e fé para tantos, fosse aqui, para nós, palco de cálculo e punição. Eles clamam por sacralidade, e nós nos apropriamos dela para apagar fôlegos. E Rosália, com sua beleza que mistura latente paixão e severidade, seria a máscara perfeita. Nas semanas que se seguiram — nos meus planos que se estenderam como mapas com rotas e notas — eu planejei o teatro. Haveria momentos pensados para ferir: com palavras sussurradas no ouvido de quem devia ouvir, com presentes que vinham carregados de memórias e conspirações, com brindes que soariam como vidros quebrando no meio de um salão. Eu aprendi que a humilhação pública é mais devastadora quando ela é embalada com gentileza, com sorrisos e olhares coniventes. Eu deixaria que a cidade inteira, que as salas de ópera e os palcos dos clubs, vissem a queda. Que o sussurro percorresse os salões: “Bonanno arruinou Lucchese”. Eu queria que o eco não se perdesse. Mas havia um elemento que eu não poderia controlar completamente: o corpo de Rosália. O corpo dela reagiria de maneiras que eu não queria prever. Uma lágrima em público pode desconsertar o espetáculo. Um gesto inesperado pode transformar tudo em uma comédia. Então, além de tramar, tive que prever. Tive que cercá-la com pessoas que a pudessem isolar e com aquelas que, no momento certo, sugeririam que seu comportamento havia sido inadequado. A psicologia é uma arma superior a qualquer faca. Fazer com que alguém duvide de sua sanidade, de sua própria percepção, é uma tortura lenta que me agrada. O que eu planejava era, portanto, uma combinação de delicadeza e aço. Jamais pensei que uma noiva pudesse ser um instrumento tão potente. E a crueldade tem camadas: há a pública, a que arranca a dignidade; e há a íntima, a que arranca a esperança. Eu buscava ambas. Quis, inclusive, que o homem que eu fosse forçar a fazer parte da aliança — Vittorio — tivesse conhecimento sutil do que se avizinhava. Mesmo em sua cama, que o cheiro do veneno social o toque. Que sinta, pela pele, que perdeu. As noites vêm e vão, e eu contemplo o espaço entre meus dedos como se segurasse uma linha de destino. Rosália talvez sinta medo — não sei. Às vezes imagino suas noites, o silêncio de sua casa, os pensamentos que estalam como fósforos. Imagino-a olhando para um retrato antigo, talvez o de alguém que ela amou e perdeu, talvez o de um pai que abandonou. Essas imagens me ajudam a planejar os pontos vulneráveis. Se eu quisesse destruí-la por completo, teria de começar por essas fissuras. Mas também há uma contradição que me corrói em silêncio: a sensação de que, mesmo ao destruir tudo, eu permanecerei só. A vingança entrega prazeres fugazes; não preenche o abismo. E eu tenho ciência disso. Não penso nisso como fraqueza — é apenas um reconhecimento. Ainda assim, me lanço no plano com a mesma disciplina que meu pai me impôs. Não por amor — por eficácia. Na tarde em que os convites foram enviados, sentei-me novamente no banco de mármore. A capela parecia reagir ao meu estado, as velas estalavam como se aprovassem o movimento. Fechei os olhos e visualizei Rosália no altar: o vestido que escolhi por cálculo, o colar que pus no pescoço para que a joia lembrasse quem havia pago por ela, o suspiro final que viraria sua história. Era, admito, uma visão esteticamente perfeita. E, por isso, ainda mais cruel. Felicia me observava de canto em nossos encontros, sempre pronta a aplaudir o espetáculo. Eu, no entanto, sentia-me um diretor meticuloso: cada cena foi coreografada. E, enquanto o público aguardava ansioso, eu sabia que o verdadeiro ato ainda estaria por vir. A celebração seria apenas a máscara; a verdade seria executada depois, na solidão, com a precisão que só o tempo dá. No fim, quando tudo precisasse desabar, eu estaria lá — alto, frio, impecável — a ver o problema ser solucionado. Rosália seria mais do que vítima: seria peça fundamental na ruína de uma família inteira, e cada olhar que caísse sobre ela carregaria meu selo. E quando o estrago fosse feito, quando as cinzas de orgulho dos Lucchese se espalhassem, eu sentiria uma satisfação que, por um momento, apagaria a sensação de vazio. Mas sei que essa satisfação será breve. A vingança é uma chama que queima rápido e deixa apenas carvão. Ainda assim, eu sou o homem que acende. Assim, planejo devagar, perfecciono cada gesto, e mantenho Rosália próxima como um objeto que eu possuo no papel, mas que na verdade pertence ao destino que escolhi escrever. Ela é linda — e é por isso que me dói tanto querer destruí-la. A beleza torna a queda mais dolorosa, o que a torna mais deliciosa para quem observa. No banco de mármore, as velas diminuem. Lá fora, a cidade continua inconsciente. E eu, Luciano Bonanno — forte, atraente, cruel — sigo tricotando minha justiça, ponto por ponto, esperando o instante certo para puxar o fio que fará toda a trama desabar. Devagar. Sempre devagar.