Capítulo 3

Ela é linda.

Como eu me lembrava: Rosália tem esse rosto que não perdoa, que insiste em marcar minha memória como se tivesse sido desenhado a sangue. Há nela a mistura impossível e perfeita da mãe latina — a curva generosa do corpo e dos lábios, a pele que guarda calor mesmo à distância — com o corte severo do pai: queixo firme, olhos que não se perdem em distrações. Essa coloração que confunde: os reflexos escuros do cabelo herdados do pai que, quando iluminados, revelam tons quentes que parecem querer incendiar tudo ao redor. A pele queimada por um sol que jamais a castigou totalmente, as maçãs do rosto que se levantam como pequenas esculturas; e os olhos — oh, os olhos, um mar ambíguo, capaz de ser doce e, segundos depois, cortar como vidro. É assim que eu a vejo: simultaneamente promessa e sentença.

Sentei-me no banco de mármore da capela Bonanno, encostando os dedos no frio perfeito da pedra como se buscasse um ponto de ancoragem contra o calor que me consumia por dentro. Este banco — não, esta obra — não é apenas um lugar para se sentar; é um altar de lembranças e castigos. O mármore é branco, veias cinzentas correm na superfície como cicatrizes quietas, e a polidez da pedra traduz a mesma disciplina que meu pai aplicava em nós: precisa, sem misericórdia. O encosto é baixo, talhado com arabescos sutis que refletem uma paciência que eu não tenho. O mármore pega o brilho das velas e devolve-o como uma luz contida, fria, um contraste perfeito com a chama viva que tremula e insiste no seu movimento.

A capela da família não mudou desde que meu pai a projetou. Colunas imponentes, ornamentos dourados que não piscam vergonha de seu brilho, vitrais que filtram a luz do dia em cores antigas. Cada centímetro carrega a intenção de quem ergueu tudo: ostentar poder em silêncio. Aqui, a respiração torna-se menor, medida, como se o ar conseguisse perceber o peso do sangue e da história. Foi nesse mesmo banco que eu ouvi pela primeira vez que a vida tem dois caminhos: ser o punho que governa a dor ou ser a carne que a recebe. Meu pai escolheu o punho. Ele me forjou nele.

Lembrei das lições cruas — as horas ajoelhado, o aço da correia encontrando minha pele, a pá pesada batendo como se cavasse caráter — como se cada golpe me talhasse para o papel que me aguardava: herdeiro. Herdeiro de um império que não pede desculpas por existir. Herdeiro de um nome que abre portas e que fecha bocas. Filho do Sr. Augusto Bonanno: a afirmação pesava nos ombros como um manto de chumbo. E, ainda assim, havia uma chama diferente dentro de mim. Não a mesma chama que meu pai nutria — ele queria respeito, temor, ordem — eu queria justiça com um gosto de sangue.

Meus olhos escorreram pelas fotografias na parede perto do altar — meu pai com o olhar duro, Guilherme sorrindo com ingenuidade que me envergonhava — e eu senti a lembrança, a ferida crua que me acorda todas as noites. Eles se foram, e Vittorio Lucchese sobreviveu. A justiça que o destino me ofertou foi tortuosa: Vittorio adoecer. Uma doença que murcha o corpo, que enrijece a alma e, por ironia, o preserva para que eu possa planejar algo mais digno do que uma morte apressada. Ele não pode escapar da minha atenção. Se não posso arrancar dele a vida com facilidade, arrancarei tudo o que fez florescer ao redor dele. Essa é a minha promessa — e a promessa vive nos meus ossos.

A raiva subiu como um animal, quente e sem freio, e eu tive que apertar a mandíbula para não responder ao som do eco do meu próprio sangue. Quatro anos de espera, de incontáveis cirurgias que remodelaram meu corpo, de fisioterapia que ensinou cada músculo a obedecer, não me derrubaram — me moldaram. A dor foi uma mestra implacável. No escuro dos hospitais, enquanto o mundo acreditava que eu me desfaria, construí uma paciência férrea: planejar não é apenas uma estratégia; é um ritual. E o tempo foi cúmplice. Ele me deu cicatrizes, me deu conhecimento, me deu fúria refinada.

A porta lateral da capela se abriu então, e a luz que entrou cortou meu transe. Uma nova empregada, inconsciente, limpava com passos leves, cantarolando baixo, os fones escondidos isolando-a do resto do universo. A canção boba me irritou mais do que devia; talvez porque eu esperava silêncio absoluto — sempre esperei. Levantei-me sem pressa, deixando que o mármore rangeasse sob meu peso, e apenas olhei. Quando ela me viu, o pânico a atingiu como um vento gelado. Era engraçado observar o pavor dela em câmera lenta: olhos dilatados, as mãos tremendo, um pedido de desculpas sufocado que parecia vir de alguém que via um monstro. Eu poderia tê-la reduzido ali e então. Não por diversão — embora houvesse um prazer primitivo nisso — mas por demonstração. No entanto, ela não era o alvo.

A loja interna — sim, a boutique da família — é uma extensão dos nossos desejos. Não existe lá apenas seda e renda; há artefatos de poder: roupas que dobram as vontades, sapatos que fazem posturas, joias que impõem sons de aprovação silenciosa aos que as contemplam. A vendedora que me atendia já sabia do nome que eu carrego e do aviso sutil que vinha com ele. O respeito é um idioma bem falado por aqueles que temem as consequências do silêncio. Ela apresentou os vestidos, todos em preto — porque a cerimônia exigia uma peça que fosse bonita o suficiente para enganar a todos, e depois serviria de instrumento para a humilhação.

Minha irmã Felicia chegou logo depois. Ela sempre aparece no momento certo: alta, com uma beleza que mais acusa do que seduz. Herdou da nossa mãe a facilidade de ser desejada e do nosso pai o veneno tranquilo na língua. Felicia ama o luxo; aprendeu cedo a manipular olhares como se fossem peças de xadrez. Quando ela me tocou o ombro, senti o mesmo arrepio que sentia quando meu pai chegava perto com uma lição nova. Ela estudou a roupa no meu corpo e perguntou, meio zombeteira, sobre o terno. O cinza que vesti estava costurado de forma a desenhar músculos e poder, e eu admito que havia certa satisfação em ver aquele tecido me obedecer como uma armadura.

A conversa entre nós foi breve e cortante. Ela queria vingança imediata — o sangue saltando rápido, o espetáculo da dor. Eu, por outro lado, prefiro a paciência que fere aos poucos. Perguntou quando eu mataria Rosália. Perguntou sempre, porque ela precisa do prazer da certeza. Eu a distraí com a seleção: um vestido de renda fina que pendurei no cabide e mandei embalar. Rosália casaria vestida de escuridão elegante. Uma ironia que me comoveu: torná-la bonita para depois vê-la despedaçada, para que o mundo perceba que até a beleza pode ser um instrumento de humilhação. Felicia rosnou. Em seu rosto havia ódio e, por baixo, um velho desejo de espetáculo.

Rosália — doce e venenosa — era doce porque sorria com ingenuidade onde eu via armadilhas; veneno porque era tudo aquilo que não devia ser: um punhado de sonhos humanos e frágeis que eu poderia triturar com as minhas mãos. O fato de ela ter doze anos a menos me irritava numa camada profunda e irracional. Havia nela uma força que não era de aparência: a força de quem sobreviveu. Eu observava suas curvas, imaginava os gestos pequenos que a traíam quando acreditava estar segura. Ela seria minha — no papel, na cerimônia, na assinatura. Mas não no coração. Eu não possuo espaço para corações de outras pessoas. Eu possuo o que preciso para ferir, para impor.

Ao pegar um par de saltos e uma lingerie que me provocou um nó na garganta — porque, por um breve segundo, consegui vê-la neles — senti o gosto da promessa que faria: cada peça, cada vela, cada anel escolhido é uma peça do meu teatro. Não planejo apenas o casório; planejo a queda. Planejo o momento em que a máscara cai e todos — familiares, inimigos, espelhos — veem o que restou de Rosália. Eu quero que a humilhação seja pública, lenta, metódica. Quero que Vittorio, mesmo doente em sua cama, sinta o cheiro da ruína que derrubarei sobre sua casa. Que o nome Lucchese seja mastigado e cuspido até não ter mais sabor.

Felicia, sempre impaciente, tentou arrancar de mim a promessa de sangue imediato. Respondi com uma palavra que carregou com ela tudo que ela precisava saber.

— Devagar.

Ela recuou um passo e mordeu os lábios; eu sorri com a frieza daquele sorriso que eu cultivo quando os planos estão alinhados. Pegar a caneta no bolso foi um gesto instintivo — anotar pedidos, nomes, a lista de tudo que precisaria acontecer. Tudo é logística: flores, joias, música, as testemunhas certas. Mas por baixo de cada item havia uma intenção: que a cerimônia fosse um cenário, e que cada ato ali fosse calculado para ferir.

No vestido preto, na lingerie delicada, na escolha das velas, eu já via Rosália transformada num manequim perfeito de dor. Não porque eu queria despedaçá-la apenas fisicamente — embora a ideia me satisfizesse — mas porque a vingança que me alimenta tem camadas: humilhação social, destruição de sonhos, o pequeno nada que corrói o orgulho. Quero que, no fim, quando o último suspiro de orgulho se apagar, ela saiba que tudo o que tinha foi levado por mãos que acreditavam pertencer a um nome: o meu.

E assim, naquele banco de mármore frio, com as velas estalando e o ouro da capela refletindo uma promessa que eu fiz há muito tempo, eu me preparei para transformar a justiça que imaginei em uma obra lenta, bonita e irrevogável. Felicia aplaudiu no silêncio. A vendedora embale–embalou, as peças foram retiradas. Eu respirei. O mármore ficou um pouco mais frio sob mim. E, enquanto saía, senti o peso do futuro: Rosália seria minha no papel. Mas minha propriedade sobre ela seria apenas uma máscara que eu usaria até o momento certo. Depois, um tormento.

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