5

 Entre Galinhas e Lenha

O dia amanheceu lento, quase preguiçoso, com o céu tingido de laranja e rosa sobre os campos verdes. 

O som distante dos galos e o vento suave mexendo as folhas me despertaram antes do sol subir completamente. 

Laura ainda dormia, aninhada em seu carrinho improvisado ao lado da cama, e eu me senti estranhamente isolada naquele espaço que não era nem minha cidade, nem meu antigo conforto urbano.

Levantei-me devagar, sentindo o piso frio de madeira sob os pés, e observei a casa de caça com um misto de admiração e apreensão.

 Cada canto parecia carregar a história de alguém que sabia viver com o essencial, sem luxos, sem pressa.

 Para mim, acostumada à correria, aos cafés apressados e aos eletrodomésticos que facilitavam cada tarefa, aquilo era quase uma prova de resistência.

Henry já estava na cozinha quando cheguei, mexendo calmamente a chaleira sobre o fogo de lenha.

 Sua presença era firme e constante, quase desafiadora.

— Bom dia. Disse ele, sem me olhar diretamente.

— Bom dia. Respondi, tentando esconder o nervosismo. 

— E aí, como está a vida por aqui?

Ele me lançou um olhar curioso e com algo mais que não consegui definir, levantando uma sobrancelha:

— Quer dizer, você vai descobrir hoje. 

—O dia é longo, e as galinhas não esperam.

Meu coração bateu mais rápido. 

Galinhas? 

Lenha? 

O cheiro de fumaça e madeira queimando me atingiu em cheio. 

Aquela vida era tão distante da minha rotina urbana que senti um frio na espinha só de pensar nas tarefas que me aguardavam.

— Primeiro, você precisa alimentar os animais. Explicou ele, entregando-me uma vasilha com sementes e grãos de milho e uma cesta para colocar os ovos. 

— E não se preocupe, eu vou te observar, mas não vou ajudar muito. 

—Aqui, você aprende fazendo.

— Alimentar galinhas…

Murmurei, tentando não soar desesperada. 

— E se eu fizer errado?

Ele sorriu de canto, divertido:

— Então você aprende. Não existe manual. 

—Apenas observa, tenta e repete.

Segui Henry até o galinheiro, sentindo cada passo como se estivesse entrando em um território desconhecido. 

E realmente eu estava em um território totalmente desconhecido.

As galinhas cacarejavam, movendo-se rapidamente pelo espaço apertado, e o cheiro forte de terra e penas me fez torcer o nariz. 

Peguei as sementes e tentei espalhá-las com cuidado, mas uma delas bicou minha mão, arrancando um grito involuntário de surpresa.

— Viu?  Henry riu, cruzando os braços. 

— Não é tão fácil quanto parece.

— Fiquei só me perguntando como alguém consegue fazer isso todos os dias sem enlouquecer. Respondi, frustrada.

— Eu não enlouqueci. Você que ainda não se acostumou. Respondeu, com aquela segurança irritante que só ele tinha.

O dia avançou lentamente, e cada tarefa parecia um desafio impossível. 

Acender o fogo no fogão a lenha se mostrou um teste de paciência: 

A fumaça subia, me fazia tossir, e a lenha insistia em não pegar.

 Minhas mãos ficavam pretas da fuligem, e o cheiro grudava na pele e no cabelo.

— Você está pior que ontem. Disse Henry, observando meu esforço. 

— Mas não desanime. Amanhã será mais fácil. Seus olhos refletiam um riso contido.

— Mais fácil? Perguntei, incrédula. 

— Hoje já foi quase um desastre completo!

— Disfarça que  está se divertindo, e verá que o tempo passa mais rápido. Respondeu ele, piscando de leve.

—Me divertindo?

Mesmo com o humor dele tentando aliviar a situação, eu não podia evitar sentir a frustração crescer. 

Cada gesto simples para alguém como Henry se transformava em um esforço monumental para mim. 

Misturar a água, acender a chama, preparar o ensopado rústico, tudo parecia exigir uma habilidade que eu nunca imaginei precisar.

Quando a hora do almoço chegou, sentei-me à mesa rústica, suando, com fuligem ainda grudada na pele e a sensação de falhar a cada passo. 

Henry me entregou um prato de ensopado quente, servido em uma tigela de barro, e eu respirei fundo antes de provar. 

O sabor era simples, mas reconfortante, quase como se a rusticidade da comida tivesse a capacidade de acalmar minha ansiedade.

— Não está tão ruim, não é? Perguntou Henry, observando minha expressão.

— Não! É diferente. Respondi, tentando ser honesta sem parecer derrotada. 

—Não é  bem diferente de um fastfood ou delivery, onde é só pedir pagar e comer.

—É bem mais trabalhoso, mas você parece fazer isso com tanta naturalidade…

Ele deu de ombros, sério:

— Fazendo há anos, Letícia. A vida no campo é assim. 

—A cada dia você aprende algo novo, mesmo que pareça impossível no início.

Depois do almoço, Juan apareceu, trazendo notícias da fazenda e cuidando de pequenos detalhes que Henry não podia supervisionar. 

Ele sempre tinha um sorriso acolhedor e um jeito paciente de explicar as coisas, contrastando com a firmeza quase severa de Henry.

— Como está a adaptação? Perguntou Juan, enquanto ajeitava algumas ferramentas na bancada da cozinha.

— Difícil. Admiti, suspirando. 

— Não é nada do que eu estou acostumada.

Ele riu suavemente:

— Normal. É assim mesmo. Mas não se preocupe, você vai se acostumar. 

—E não se esqueça:

—Henry pode parecer duro, mas ele só quer que você aprenda.

— É…

Murmurei, ainda sentindo o peso da rotina diferente.

O restante da tarde passou em uma mistura de tarefas domésticas e pequenas instruções de Henry.

 Tive que limpar o galinheiro, regar a horta e cuidar da água para os animais. 

Cada atividade parecia simples até que tentei executá-la, e o contraste entre a cidade e o campo se tornava ainda mais evidente.

 Eu estava acostumada à praticidade e à velocidade, e ali cada gesto exigia tempo, paciência e, sobretudo, humildade.

No início, sentia vontade de desistir, de pedir para voltar à vida que conhecia. 

Mas havia algo em Henry, na forma como observava meu esforço sem julgar completamente, apesar de estar se divertindo com minha falta de jeito que me impedia de recuar.

 Havia também Juan, sempre presente, sempre atento, pronto para intervir quando a situação se tornava complicada demais.

E alí eu sentia que tinha uma coisa muito importante: 

Tranquilidade e paz para cuidar de Laura, ela estava sempre no carrinho ao alcance da minha visão.

Uma coisa que eu não tinha na cidade, mesmo com todas as facilidades do dia a dia.

E estar presente para Laura era o mais importante, era o comprimento da minha promessa e não seria uns animais idiotas que me tirariam isso.

Quando o sol começou a se pôr, tingindo o céu de vermelho e dourado, sentei-me na varanda com Laura no colo, exausta, mas estranhamente orgulhosa. 

Meu corpo doía, minhas mãos estavam ásperas e sujas, e mesmo assim sentia uma sensação de conquista. 

O campo tinha seu próprio ritmo, e eu estava começando, lentamente, a entender que precisava respeitá-lo.

Henry apareceu ao meu lado, encostado na parede, observando a paisagem com a mesma intensidade de sempre. 

O silêncio entre nós era confortável, quase íntimo, e por um instante percebi que ele também entendia meu esforço.

— Como se sente? Perguntou, finalmente quebrando o silêncio.

— Exausta Respondi, sorrindo de lado. 

— Mas acho que estou começando a entender por que você gosta daqui.

Ele sorriu, mas não disse nada, apenas me observou enquanto o céu se escurecia. 

Naquele instante, percebi que a vida simples tinha seu próprio charme, mas também exigia coragem. 

E talvez, apenas talvez, eu estivesse começando a encontrar coragem para encarar aquele mundo diferente.

Um passo de cada vez.

Enquanto a noite caía, os sons do campo se intensificavam: 

Grilos, vento nas árvores, passos distantes de algum animal. 

Senti o cheiro de madeira queimada e o calor suave da lareira que ainda restava, e percebi que, apesar das dificuldades, havia algo no campo que acalmava meu coração inquieto.

Henry permaneceu ao meu lado, silencioso, como se sua presença fosse a ponte entre minha cidade e aquele mundo rústico. 

E naquele primeiro dia cheio de frustrações, aprendizados e pequenas vitórias, compreendi que a adaptação não seria fácil mas também não seria impossível.

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