Damian
Cheguei antes de todos. O salão do hotel vestia ouro pálido, mesas redondas, lustres em cascata. Minha equipe alinhou câmeras e falas. Eu poderia conduzir a noite de olhos fechados, até a porta se abrir. Ela. O vermelho entrou antes da mulher, um corte na sala. O tecido caiu como fogo manso pelos ombros de Amara e o mundo silenciou. O lobo em mim ergueu a cabeça, faminto. O homem respirou fundo. — Senhor Blackwell, — avisou Victor. — A imprensa… Ergui a mão. Eu a observava: cabelo solto, queixo que não se curva, olhos que me ferem. Amara cruzou o salão com graça de quem não teme inimigo. Parou a poucos passos. — Pediu vermelho. — A voz dela veio limpa. — Vista concedida. — E perfeita, — respondi. — Faltava a dona do lugar. — O lugar tem donos demais. Ofereci o braço. — Venha. Ela hesitou e tomou-o. A manga sentiu o calor dela como faísca. Conduzi-a por flashes e cumprimentos. — Senhora Blackwell, um brinde! — alguém cantou. — Ainda sou Vasquez, — ela corrigiu, macia e afiada. Na mesa principal, sentei-a à minha direita. Falei sobre projeções e empregos. Entre uma fala e outra, testei limites. — Água. — Empurrei o copo. — Posso me servir, — disse, mantendo meu olhar. Obediência sem parecer obediente. Bom. Quer vencer o jogo, não sair da mesa. A mãe, nervosa, tocou meu ombro. — Obrigada por… tudo. — Eu cumpro o que prometo. — E cobra tudo que dá, — Amara murmurou. — Nada é de graça, — retruquei. Chamaram meu nome. Discurso breve. A música começou, leve. — Dança comigo? — ofereci. — Prefiro observar. — Eu não. Tomei sua mão. O anel brilhou como juramento e ameaça. Levei-a ao centro. Meus dedos na cintura encontraram calor e luta. O resto do salão sumiu. — Você está pálido, — ela disse. — Iluminação fria, — menti mais uma vez. O lobo queria avançar, a coleira apertou. Três batimentos. Quatro. — Achei que gostasse de controle. — Gosto de resultados. — Nem sempre são a mesma coisa. Girei-a e a trouxe de volta. O perfume dela acertou lembranças que não confesso. Senti o coração dela, rápido, resistência e algo que não nomeio. A música terminou sob aplausos. Eu poderia soltá-la. Eu deveria. Em vez disso, escolhi um teste que nenhum contrato cobra. Tomei seu rosto e a beijei. Não um beijo para câmeras. Um beijo de posse. Ouvi o salão prender o ar, o estalo dos flashes, minha sanidade pedir cautela. A boca dela ficou rígida um segundo, depois quente. Minha outra mão afundou na curva do vestido, firme. — Damian, — ela sussurrou, surpresa e raiva. Terminei breve, bruto o suficiente para que todos entendessem o que eu não diria. Quando me afastei, os aplausos vieram, como se tivessem visto romance. Não viram romance. Viram território. — Não faça isso de novo, — ela disse, baixo. — Farei quando necessário. — Quando for meu necessário, eu aviso. — Eu não trabalho sob avisos. — Então decida longe da minha boca. O lobo riu, o homem anotou. Recuar um passo não é perder terreno. Victor aproximou-se. — Foto com o conselho. — Depois, — respondi. — Agora, — Amara cortou. — Ou vão achar que sou boneca de luxo. Havia fogo nos olhos, não lágrimas. — Vamos, — concordei. Passamos como duas celebridades. Sorrisos, brindes, promessas. Eu dizia “obrigado”, ela “prazer”, e quis quebrar as cadeiras só para vê-la reconstruir a sala. Na sacada, por um minuto, a cidade respirou fria. O vento moveu uma mecha do seu cabelo. Minha mão ergueu-se para prendê-la atrás da orelha. Toquei. A pele dela era quente, meus dedos, gelo. — Por que o vestido cai tão bem? — perguntei. — Porque você quer que caia, — ela disse. — Mas está no meu corpo, não no seu. — Tudo que toco, moldo. — Eu não sou argila. — Ainda. Ela riu, breve. — Há algo errado com você, — disse. — Não é só comandar o ar. Tem… — buscou — algo que me arrepia. Deixei o âmbar roçar meu olhar. Baixei as pálpebras até a humanidade voltar. — Temos um acordo, — respondi. — O resto não te diz respeito. — Então pare de me olhar como se quisesse me morder. Silêncio. — Não quero apenas morder, Amara. — Pausei. — Quero marcar. Ela piscou. — Isso é ameaça? — Verdade. Deu um passo atrás, encostou no ferro, recuperou o eixo. — Eu não sou território, Damian. — É mais, e menos. É escolha. E eu sou inevitável. — Ninguém é inevitável. — Eu sou, — disse baixo. — E hoje o mundo aplaudiu. — O mundo aplaude qualquer beijo encenado. — Não encenei. — Eu vi. — Então não esqueça. Ela me encarou longa. Não era só fogo, era brasa para durar. Respeito, a forma rara do desejo. — Quero ir embora, — disse. — Minha equipe a leva. — Quero sair sozinha. — Não vai. — E se eu for? — Eu a trago de volta. — Com o quê? Contratos? — Com dentes. A raiva veio, por baixo, curiosidade. Fechei a distância um passo. Senti seu pulso no ar. Não toquei. — Amanhã, às oito, — falei. — Escolheremos a data… juntos. — baixei a guarda. — Escolha você. É ótimo em decidir o que não é seu. — Tudo que escolho se torna meu. — Veremos. O rádio de Victor chiou. Chamavam por mim no palco. Recolhi o lobo, vesti o homem e ofereci o braço. — Não — disse. — Eu encontro minha própria saída. Assenti. Ela voltou ao salão sem mim, vermelho e aço no mesmo corpo. A fera rosnou uma promessa. O homem traduziu: — Ela será minha, queira ou não. E, quando for, ninguém a tocará sem minha permissão. Nem o mundo. Nem eu, se ela não permitir. E amanhã, diante de todos, o vermelho voltará a arder entre nós novamente. Deixei o salão quando os flashes começaram a perder força. No carro, tirei o paletó e soltei o nó da gravata. O celular vibrou no bolso interno. Atendi sem olhar o número. — “Vi tudo,” — a voz do outro lado soou grave, carregada de cobrança. — “Está se expondo demais.” Fitei meu reflexo no vidro, o âmbar ainda latejando nos olhos. — Eu sei o que estou fazendo, — respondi, firme. — Não subestime minha estratégia. — “Mas ela…” — Ela é minha, — cortei, seco. — Não importa quanto sangue ou contratos sejam necessários. Eu controlo o jogo. Desliguei antes de qualquer outra fala. O silêncio voltou, pesado. Pela primeira vez, parecia que até o destino me observava. Mas quem decide minha vida sou eu.