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Capítulo 2 – Assinaturas e Cicatrizes

A caneta parecia pesar uma tonelada entre meus dedos.

O contrato estava sobre a mesa de vidro, alinhado milimetricamente como se fosse mais uma de suas obras de arte frias e calculadas. O papel era espesso, de qualidade. O tipo de coisa que grita “riqueza” antes mesmo que se leia uma linha.

Meus olhos percorriam as cláusulas pela terceira vez, mas já não enxergavam palavras. Só o som abafado do sangue pulsando nos meus ouvidos. E o homem sentado à minha frente, perfeitamente composto, como se aquilo fosse apenas mais um dia no escritório.

Dorian não dizia nada.

Estava recostado na poltrona de couro, uma das pernas cruzadas, os dedos batendo levemente no braço da cadeira. Como se estivesse esperando que eu, a peça mais previsível do tabuleiro, enfim me curvasse ao xeque-mate.

E eu tinha feito isso. Eu me tornei, oficialmente, a Sra. Vega.

Ainda que por contrato.

— Você poderia ter recusado — ele disse, com a voz baixa, grave, e um sorriso frio nos lábios. — Era só levantar, sair por aquela porta... e deixar sua mãe morrer.

O impacto foi direto. Cruel. E eficiente.

Ele pegou o contrato com calma, como se tivesse o dia inteiro para esfregar aquilo na minha cara. Assinou também — com aquela assinatura firme, elegante, que agora também era minha sentença.

Dobrou as folhas, prendeu com um clipe dourado e as guardou em uma pasta preta. Tudo isso em silêncio. Tudo isso com perfeição quase irritante.

Só então ele se levantou. Alto, imponente, o tipo de homem que não precisava dizer nada para dominar um ambiente.

— A partir de agora — ele começou, aproximando-se devagar — você será a minha esposa.

A palavra ficou entre nós como um veneno.

— Por contrato, Lara. Por interesse. Nada mais.

Eu levantei o queixo. Meu orgulho ainda estava vivo, mesmo que ferido.

— Eu sei exatamente o que isso é, Dorian. E o que não é.

Ele parou a poucos passos de mim. Os olhos castanhos, escuros como a noite antes da tempestade, me fitaram como se tentassem atravessar minha pele.

— Ótimo. Então não crie expectativas. Não espere carinho. Não espere perdão.

— Nem você.

O silêncio seguinte foi espesso. Quente. Quase incômodo.

Ele deu mais um passo. Estava tão perto que senti o calor do seu corpo antes mesmo de tocá-lo. E então fez exatamente isso.

Levantou a mão, como se fosse afastar um fio de cabelo do meu rosto. Mas mudou de ideia no último segundo e apenas deixou os dedos roçarem minha pele de leve. Um toque breve. Suficiente para fazer meu estômago revirar.

— Você ainda treme — ele sussurrou.

— Você ainda é cruel.

Ele sorriu.

— E você ainda é deliciosa quando tenta me enfrentar.

Deus, como eu odiava e amava o jeito dele dizer essas coisas. Com a voz baixa, as palavras escorrendo como mel venenoso.

Como se cada frase fosse um desafio. Como se ele ainda me tivesse nas mãos.

Talvez tivesse.

Mas eu também o conhecia. Conhecia o homem que ele um dia foi.

E aquele homem ainda respirava em algum lugar por trás dessa casca.

Ou era só ilusão?

Ele deu meia-volta e caminhou até a porta, abrindo-a sem dizer mais nada. Por um segundo, achei que fosse sair, me deixar ali sozinha para digerir o que acabara de fazer. Mas ele se virou, ainda segurando a maçaneta, com o cenho levemente franzido.

— Prepare suas coisas. Vou mandar alguém buscar você hoje à noite.

— O quê?

— Você vai dormir na minha casa. Na minha cama. A partir de hoje.

O chão pareceu sumir sob meus pés por meio segundo.

— Isso não está no contrato.

— Não precisa estar. É o mínimo que se espera de uma esposa — disse, com aquela calma cirúrgica que era pior do que gritar.

— Mesmo uma de mentira?

— Especialmente uma de mentira — respondeu, arqueando uma sobrancelha. — A credibilidade é tudo, Lara. Preciso que o mundo acredite nessa farsa. E você vai colaborar. Até o fim.

Ele fechou a porta atrás de si. E pela primeira vez desde que entrei naquele escritório, senti algo muito pior do que medo, do que vergonha, do que orgulho ferido.

Senti que tinha acabado de vender minha alma para um homem que ainda queria me possuir… e me punir.

Cheguei à mansão Vega pouco depois das oito da noite.

A motorista não disse uma palavra durante o trajeto. E eu agradeci por isso. Já bastava o caos dentro da minha cabeça.

Do lado de fora, a casa era imponente, moderna, toda em vidro escuro e linhas retas. Fria como o dono.

Por dentro, tudo era impecável: mármore polido, quadros de artistas que eu só conhecia de documentários, um silêncio absoluto e uma ausência gritante de qualquer calor.

Nada ali tinha cheiro de lar.

Fui recebida por uma mulher chamada Eliza — assistente pessoal, governanta ou sombra contratada, não sei.

Ela me levou até o quarto de hóspedes. “Temporário”, disse com um sorriso contido. “Ele preferiu que você tivesse um espaço só seu por enquanto.”

Por enquanto.

Minha mala — a única que eu consegui arrumar às pressas — já estava no canto do quarto. Tudo que eu tinha, tudo que restava, cabia ali.

Suspirei e passei os dedos pela colcha de linho claro, tentando sentir alguma familiaridade naquele lugar. Mas era como tocar gelo.

Não pertencia àquele mundo. E ele fazia questão de me lembrar disso.

Minutos depois, uma batida seca na porta.

Antes que eu pudesse responder, Dorian entrou. De terno ainda, impecável como se o dia tivesse acabado de começar.

— Está confortável?

— É grande.

— Mas não é seu.

A pontada no estômago veio certeira.

— Imagino que nada aqui seja, de fato, meu.

Ele se aproximou lentamente. Os olhos escuros percorreram o ambiente antes de pousarem em mim.

— Esse quarto não é seu. A casa não é sua. Nem eu sou. Mas sua obrigação... é convencer o mundo do contrário.

Fiquei em silêncio.

Então ele fez algo que não esperei: pegou minha mão.

Não com carinho. Com domínio.

Ergueu-a devagar e girou-a para cima, como se examinasse uma peça em exposição.

— Você ainda não tem um anel.

Minha garganta secou.

— Eu ainda não recebi um.

Ele deu meio sorriso.

— Tem razão.

E, do bolso interno do paletó, tirou uma caixinha preta.

Abriu. Um anel simples, mas de design sofisticado. Ouro branco. Brilhante discreto. Elegante.

Frio.

Ele pegou minha mão outra vez e deslizou o anel no dedo anelar da mão esquerda. Sem pressa. Sem hesitação.

— Agora tem.

Nossos olhos se encontraram.

E foi ali, naquele gesto milimetricamente ensaiado, que eu entendi a gravidade do que havia feito.

Eu não era apenas uma farsa.

Eu era a farsa dele.

Ele se afastou, sem dizer nada.

Fez menção de sair, mas parou na porta e olhou por cima do ombro.

O olhar dele era lâmina. A voz, sentença.

— Vai dormir na minha casa. Na minha cama. A partir de hoje.

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