A cama dele era grande demais.
E fria demais.
Como todo o resto.
Os lençóis tinham o cheiro dele — não um perfume forte, mas algo mais sutil, como madeira e controle. O tipo de cheiro que impregna e domina, mesmo sem permissão.
Eu estava deitada de lado, o corpo rígido, o olhar perdido na parede. Dorian ainda não havia voltado do escritório. E parte de mim queria que ele não voltasse. A outra parte... temia o que aconteceria quando voltasse.
A porta se abriu devagar. Meu coração disparou, mesmo sabendo que era ele.
— Espero que a cama esteja do seu agrado — disse, com ironia escorrendo da voz.
Virei o rosto. Ele estava sem o paletó agora, as mangas da camisa dobradas até os antebraços. A gravata afrouxada. Cabelo levemente bagunçado.
Homens não deviam ter o direito de parecer tão perigosos no cansaço.
— Está tudo... perfeito — respondi, e a palavra saiu como uma lâmina mal embainhada.
Ele caminhou até o closet, abriu a porta e desapareceu por alguns minutos. O som do zíper de uma mala sendo aberto, cabides se movendo, e o leve tilintar metálico do silêncio sendo torturado.
Quando voltou, estava com uma calça de moletom escura e uma camiseta preta. Simples. Intimidador.
— Vai continuar fingindo que não está com medo?
Engoli seco.
— Eu não estou com medo.
Ele sorriu. Um sorriso pequeno, cético, delicioso de odiar.
— Não de mim. De você mesma.
O jantar foi servido na sala menor, o que, claro, ainda significava uma mesa enorme e um silêncio desconfortável que caberia uma orquestra.
Comemos em silêncio nos primeiros minutos. A comida era refinada, deliciosa, feita por um chef que eu nem conhecia. E ainda assim, tinha gosto de obrigação.
— Vai fazer isso todos os dias? — perguntei, finalmente.
— Comer? Sim.
— Me deixar desconfortável?
— Só quando estiver tentando fingir que está no controle.
Cruzei os talheres com cuidado.
— Isso não é um jogo, Dorian.
Ele bebeu um gole de vinho e então me encarou por cima da borda da taça.
— Tudo é um jogo, Lara. Só perde quem se esquece disso.
— E o que exatamente você acha que vai ganhar?
— Você. Controlada. Fingindo ser minha. E talvez... por um tempo, me convencendo de que é.
Aquilo me acertou em cheio.
— E se eu não fingir bem?
— Você vai fingir. — Ele largou a taça com um estalo. — Porque você me deve. Porque sua mãe sobreviverá por minha causa. Porque você me quebrou. E agora vai consertar, do jeito que eu quiser.
— Você quer me punir.
— Não. — Ele se inclinou. — Eu quero te lembrar.
— Do quê?
— De como era antes de você me abandonar.
Depois do jantar, subi primeiro. Precisava de espaço. Ar. Controle.
O quarto parecia ainda maior agora. Me despir e vestir a camisola foi como tirar a armadura. A fina seda preta escorria sobre minha pele como se me acusasse.
Deitei no lado esquerdo da cama, por instinto. E odiei que meu corpo ainda lembrasse onde ele dormia.
Minutos depois, ele entrou. Silencioso. Letal.
Olhou para mim e, por um segundo, hesitou. Depois contornou a cama e deitou do lado oposto, sem dizer nada.
A luz do abajur ainda acesa entre nós.
O silêncio que se instalou era mais denso que o ar.
— Você está fazendo isso parecer mais íntimo do que é — murmurei, de olhos fechados.
— Porque é íntimo.
— Isso é um contrato, Dorian. Não um casamento.
— Você está deitada na minha cama. Usando algo que eu paguei. Com meu anel no dedo. Acha mesmo que o mundo vai enxergar a diferença?
— Eu não me importo com o que o mundo vê.
— E comigo?
Abri os olhos. O quarto parecia menor, sufocante.
— O que você quer de mim?
Ele se virou para o meu lado. Estava perto o suficiente para que eu sentisse o calor do corpo dele, o aroma leve que reconheceria até no escuro.
— Quero que pare de fingir que ainda não sente.
— E se eu não sentir?
Ele não respondeu. Apenas levantou a mão e tocou meu rosto.
Devagar. Como se ainda fosse dele.
Minha pele ardeu.
— Está mentindo — ele disse, a voz mais baixa do que um sussurro. — Mas seu corpo não mente, Lara. Nunca mentiu.
Engoli em seco. Minhas mãos se fecharam nos lençóis. Ele se aproximou mais.
E então… parou.
— Boa noite — disse, se virando de costas. — E Lara?
— O quê?
— Bem-vinda ao inferno.