Quando o cuidado vira outra coisa, e a ética grita.
NOÊMIA ANDRADE PAIXÃO
A água ainda escorria pelos azulejos quando eu terminei de enxugar o senhor Amaro. O vapor subia do box como um véu, o cheiro de sabonete neutro misturado ao perfume que ele sempre usa — algo amadeirado, insistente. Fazia parte do meu trabalho tornar aquilo íntimo sem que o íntimo precisasse existir. Eu já cuidei de muita gente: febres, fraturas, ressacas de poder. Mas há diferenças entre cuidar e pertencer. Eu sabia delas. E me lembrava de cada uma.
Ele estava sentado na beirada da cama, toalha enrolada na cintura, o peito subindo e descendo devagar. Foi quando notei. O corpo dele tinha cedido a uma ereção bem pronunciada — involuntária, reflexo de uma fisiologia que não escolhe hora nem pudor. Meus dedos tremeram quando alcancei a cueca. A prática manda calma; a ética manda distância; a humanidade me fez corar.
— Senhor… — tentei manter a voz mansa. — Quer que eu… digo, se o senhor quiser se aliviar, eu levo