capítulo 3

A assistente social respirou profundamente, seus olhos expressando cautela, como se já soubesse que a próxima frase seria devastadora.

— Isabela… lamento informar, mas… sua irmã precisa ser acompanhada pelo conselho tutelar. Ela ainda é menor de idade.

Aquele anúncio foi como um novo golpe. Meu corpo imediatamente se rigidificou. O chão parecia se abrir novamente, mas desta vez não havia fogo nem fumaça apenas a iminente perda da última parte da minha família.

— Não! gritei, com a voz alta e rouca. — Vocês não vão levar ela de mim!

A mulher esforçou-se para manter a calma, falando de maneira paternal, como quem lida com tragédias constantemente:

— Compreendo sua dor, mas são protocolos, filha. Você tem apenas dezenove anos. É jovem demais para assumir a guarda sozinha.

Sera se agarrou ainda mais à minha mão, seus olhos arregalados atrás da máscara de oxigênio.

— Isa… eles vão me levar? sua voz saiu fina, trêmula, quase cortada por um soluço.

Meu coração entrou em pânico. As lágrimas escorriam desenfreadas. Olhei fixamente para a assistente social.

— Não. Não vão. Eu já tenho emprego, pago minhas contas, cuido dela desde que nasceu! — as palavras saíam atropeladas, cheias de desespero.

A mulher tentou me interromper, mas continuei, a voz embargada:

— Eu posso cuidar dela! Eu sei como! Eu prometi à minha mãe, entende? Eu prometi!

O peso daquela afirmação me derrubou. Caí de joelhos no chão frio da sala, sem me importar com o sangue que escorria do corte em minha testa. Juntei as mãos em um gesto de súplica.

— Por favor, não a tire de mim. Eu não tenho mais ninguém! Ela só tem a mim! Eu trabalho, faço o que for necessário… só não nos separem.

Sera começou a chorar com mais intensidade, tentando arrancar a máscara e estendendo os braços em minha direção.

— Eu quero ficar com a Isa! Não vou com ninguém, não vou!

Seu choro ecoou pela sala. Os enfermeiros trocaram olhares preocupados. A médica que colocara o oxigênio nela balançou a cabeça lentamente, em um gesto silencioso de advertência: não faça isso com elas agora.

A assistente social mordeu os lábios e desvio o olhar do meu desespero. Respirou fundo e, por um breve momento, seu tom de voz perdeu a rigidez burocrática.

— Isabela… você entende o peso dessa situação? Há despesas, cuidados médicos, escola… você ainda é praticamente uma menina.

Levantei a cabeça, as lágrimas borrando meu rosto, mas com a voz firme:

— Eu sou uma menina, mas agora eu também sou a mãe dela. engoli seco. — Eu não vou deixar ninguém nos separar. Nunca.

O silêncio pesou. Apenas os apitos das máquinas preenchiam o ar.

A assistente social me observou como se estivesse avaliando cada palavra. Seus olhos suavizaram finalmente. Ela se agachou para ficar na minha altura.

— Você precisará provar isso, Isa. Será difícil. Mais difícil do que você imagina.

— Eu sei. respondi, sem hesitar. — Mas farei. Pelo amor de Deus, não leve minha irmã.

Ela suspirou e fechou a prancheta lentamente.

— Por hoje, vocês ficarão juntas. Vamos organizar a documentação amanhã.

Minhas pernas fraquejaram. Abracei a maca de Sera, afundando o rosto em seu braço, chorando de alívio e dor, sentimentos que pareciam insuportáveis ao mesmo tempo.

Sera, ainda com lágrimas escorrendo, acariciou meu cabelo com a mão trêmula.

— Eu disse que você nunca ia me deixar…

Segurei sua mão com força, como se estivesse segurando minha própria vida.

— Nunca, maninha. Nem que o mundo tente.

E naquele corredor gelado do hospital, entre sangue, sirenes e burocracias, surgiu a versão de mim que não tinha escolha: uma órfã de dezenove anos que se tornou mãe de uma criança órfã de dez.

**DIAS ATUAIS**

Após aquele dia fatídico, minha identidade se transformou completamente. Deixei de ser apenas a Isa e passei a assumir múltiplas responsabilidades: me tornei mãe, pai, irmã mais velha e confidente. Com apenas dezenove anos nas costas e o peso do mundo pressionando-me, provei que era capaz de cuidar da minha irmã, Seraphina.

Empreguei-me em tudo que surgisse: trabalhei como caixa de mercado, balconista em farmácia e vendedora em loja de roupas. Havia dias em que chegava para casa já tarde da noite, mas sempre chegava. Jamais permiti que faltasse material escolar, um uniforme limpo ou comida na mesa. Nunca deixei que ela sentisse a ausência que pairava sobre nós.

Com muito sacrifício, garanti que ela tivesse tudo o que uma menina de dez anos merece. Acompanhei seu crescimento ao longo dos anos, testemunhando a transformação da menininha assustada em uma adolescente que esboçava sorrisos contagiantes, que iluminavam até seus olhos.

Entretanto, ultimamente, percebo que esse sorriso começou a se desvanecer.

---

**Os primeiros sinais**

Tudo começou de forma sutil. Uma tosse seca que surgia esporadicamente.

— É só água engasgada ela dizia com um desdém, deixando claro que não era nada sério. — Não se preocupe, Isa.

No início, aceitei essa explicação. Quem gostaria de acreditar que mais tragédias poderiam surgir após anos já ter presenciado o caos?

Porém, a tosse não desapareceu.

Na escola, Seraphina começou a voltar para casa mais cansada. Subia dois lances de escada e já se apoiava nas pernas, ofegante. Quando perguntava:

— Você correu na aula de educação física?

Ela respondia:

— Não, só subi a escada mesmo.

À noite, ao se deitar, a tosse a assaltava novamente. Não era catarro, não era gripe. O som era seco e arranhado, cortando o silêncio do ambiente. Eu ouvia do quarto ao lado, em preces para que a tosse a deixasse em paz.

Certa vez, recebi uma ligação da professora.

— Isa, a Seraphina passou mal na sala. Ficou tonta e precisou se sentar. Achei melhor avisá-la.

Senti meu coração apertar.

Ao chegar em casa, tentei aliviar a situação com brincadeiras.

— Olha quem tá virando preguiçosa, hein?

Ela riu timidamente, mas seus olhos traíam uma profunda preocupação.

— Eu só me cansei mais rápido. Não deve ser nada.

Mas eu via. Percebi quando ela começou a perder peso, mesmo comendo normalmente. Notei seu rosto ficando mais pálido e as olheiras se aprofundando. Podia ver sua respiração falhando quando corria até o portão para me receber após um longo dia de trabalho.

Um dia, enquanto estávamos lavando a louça juntas, um incidente ocorreu. Ela deixou um prato escorregar da mão e cair na pia. Apoiou-se na bancada, respirando fundo, como se cada respiração fosse uma luta.

— Tô… tô meio sem fôlego, Isa.

Nesse momento, um calafrio percorreu minha espinha.

Porque eu já havia escutado aquilo antes. Não dela, mas de outra pessoa. Na minha memória, ressoava a voz da minha mãe, presa em um carro, ofegante, implorando por ar.

E eu sabia.

Antes mesmo dos médicos diagnosticarem, antes mesmo de descobrir o nome da doença, na profundidade do meu ser, eu tinha certeza de que algo estava muito errado.

— Amanhã vamos ao médico. declarei com firmeza, ainda sentindo o coração acelerado após ver a Sera sem fôlego em frente à pia.

Ela virou-se para mim, enxugando as mãos em um pano de prato. Seu rosto estava pálido, mas, mesmo assim, tentou esboçar um sorriso forçado.

— Não precisa, Isa. Eu estou bem. É só cansaço. Você já trabalha tanto… não quero que você se preocupe.

— Sera. chamei, mantendo a voz baixa, mas firme. — Isso não é normal. Não posso simplesmente ignorar.

Ela desviou o olhar, como se tentasse evitar encarar a realidade.

— Eu não quero dar trabalho.

As palavras dela me atingiram como um golpe. Há dez anos, eu havia prometido que ela nunca mais carregaria peso algum. E agora, ouvir que ela estava se sentindo como um fardo me deixava angustiada.

Antes que eu pudesse responder, o celular vibrou em cima da mesa. O número que aparecia na tela era conhecido: o mercado. Respirei fundo e atendi.

— Alô?

A voz do gerente soou fria, burocrática, como se estivesse apenas lendo um script.

— Isabela, lamento informar que estamos fazendo cortes. A empresa precisa reduzir os gastos, e seu contrato será encerrado. Você pode passar amanhã no RH para assinar a rescisão.

Senti o mundo girar em torno de mim. Meu peito se apertou e, tentando manter a compostura diante da Sera, engoli em seco.

— Mas… eu… eu preciso do emprego. minha voz falhou. — Sempre cumpri minhas metas, nunca faltei…

Houve um silêncio constrangedor, até que ele finalizou:

— Lamento. Amanhã nós resolveremos tudo.

A ligação caiu, e fiquei parada, com o celular ainda na mão, como se ele pesasse uma tonelada.

— O que aconteceu, Isa? Sera perguntou, preocupada, segurando o pano de prato com firmeza.

Virei-me de costas, respirei fundo e tentei esboçar um sorriso quando olhei para ela.

— Não é nada. Apenas… coisas do trabalho.

Ela não se deixou enganar. Conhecia cada expressão do meu rosto como ninguém.

— Você está chorando.

Passei a mão pela testa, mas o nó na minha garganta não passava.

— Não se importe com isso, Sera. O que realmente importa é você. Nós vamos ao médico. E ponto final.

Ela ficou em silêncio, mordendo o lábio inferior, e, em um sussurro quase inaudível, perguntou:

— E se for algo ruim, Isa?

Apertei o pano molhado nas mãos dela e a olhei nos olhos com toda a força que consegui reunir.

— Então nós vamos enfrentar juntos. Como sempre fizemos.

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