O intervalo ainda estava movimentado, mas eu mal conseguia prestar atenção nas conversas ao meu redor. Meu pensamento insistia em replay no beijo de Arthur na festa. Cada detalhe dele, cada sussurro, parecia ecoar na minha mente, fazendo o coração disparar sem motivo aparente. Eu revivia o calor do toque, o cheiro do perfume dele, o sorriso que parecia iluminar o mundo inteiro, e me pegava sorrindo sozinha sem perceber.
Resolvi me afastar um pouco e fui ao banheiro, precisando de um momento para organizar meus pensamentos. O burburinho do pátio ficavam cada vez mais distantes à medida que eu atravessava os corredores silenciosos da Averly, e finalmente, ao fechar a porta atrás de mim, senti um breve alívio. Porém, não tive tempo de relaxar completamente, porque a voz de Maria Fernanda atravessou o espaço, firme e venenosa: — Isa… podemos conversar? Levantei o olhar surpresa. Maria Fernanda, com aquele sorriso forçado e olhos curiosos, se encostou na pia, cruzando os braços. Havia algo em seu jeito que deixava claro: não era uma conversa casual. Ela sempre tinha um ar de superioridade, como se tivesse o direito de ditar regras invisíveis dentro daquele espaço. — Sobre o quê? — perguntei, tentando manter a voz neutra, mas sentindo o estômago apertar. — Sobre o Arthur — disse, direta, arqueando uma sobrancelha como quem desafia. — Ele anda diferente desde a festa. Me diz, vocês… tiveram algo? Meu coração disparou e senti a face corar imediatamente. Tentei não demonstrar nervosismo, mas cada palavra dela parecia um golpe silencioso, testando meu equilíbrio emocional. — Olha, Mafê… não é nada que você precise se preocupar. — Procurei soar calma, mas a tensão era palpável. Ela deu um passo mais próximo, inclinando-se levemente. O perfume caro e a presença dominadora a tornavam ainda mais intimidadora. Cada movimento dela parecia calculado, projetado para me colocar em alerta. — Mafê não, para você é Maria Fernanda — disse, os olhos fixos nos meus — e não precisa mentir, Isa. Eu já soube. — O sorriso dela tinha aquele tom venenoso, que misturava ciúme e curiosidade. — Não é legal se achar a única no mundo dele, sabe? Respirei fundo, tentando não deixar a raiva ou o medo se misturarem. Maria Fernanda era conhecida por mexer com os outros apenas para se sentir no controle, e sua presença ali era uma prova de que não estava disposta a ceder. — Olha, eu não quero problemas — respondi, firme, mantendo meus olhos nos dela. — Se ele gosta de mim ou não, isso não muda quem eu sou. E não tenho nada a provar para você. Ela riu, baixo, quase zombeteira, e um arrepio percorreu minha espinha. — Ah, claro… é sempre fácil dizer isso quando você é a “novata”. Mas cuidado, Isa. O Arthur não é qualquer garoto. E ele pode ser atraído pelo desafio… ou pelo que não pode ter. Mas o mundo de vocês é completamente diferente. Ele é o herdeiro da L&A Technologies, jamais vai se envolver com uma garota assim… como você. Pode apostar que ele só quer se divertir. Senti o estômago apertar, um nó de ansiedade e dúvida. O que ela queria com essas palavras? Um aviso? Uma ameaça velada? Um teste de confiança? — Obrigada pelo aviso — disse, com a voz controlada, tentando encerrar a conversa. — Mas eu sei o que estou fazendo. Ela soltou um suspiro teatral e recuou alguns passos, como se estivesse me avaliando, analisando se eu realmente tinha coragem de encarar aquela situação. — Recado dado, Isa. — Murmurou, ainda com aquele sorriso venenoso, antes de se afastar, deixando-me sozinha no banheiro, com o eco de suas palavras ressoando e se misturando ao som dos passos que ecoavam pelo corredor. Encostei-me na pia, respirando fundo. Por um instante, pensei em tudo que ela disse. Arthur era esse tipo de cara? Ele só queria se divertir? Em uma coisa, ela tinha razão: nossos mundos eram completamente diferentes. Eu, com minha rotina de bolsista, meus horários apertados e minha realidade tão simples, e ele, com o sobrenome que abria portas, o olhar confiante e a vida confortável que parecia não conhecer limites. Mas ao mesmo tempo, o toque dele, o jeito como me olhava, a atenção genuína… tudo aquilo me dizia que havia algo mais. Não podia ignorar o que sentia, nem a intensidade daquela conexão que surgiu tão inesperadamente. E naquele instante, percebi que deveria ser mais atenta. Estar na Averly não me fazia uma delas; não me dava automaticamente proteção ou pertencimento. Cada passo que eu desse ao lado de Arthur precisava ser calculado, mas não podia me afastar daquilo que me fazia sentir viva. Senti um misto de determinação e nervosismo. Deveria me afastar de Arthur, para não me expor a comparações ou julgamentos? Ou continuar, e ver até onde aquela conexão podia nos levar? O pensamento me consumia, e um frio percorreu minha espinha. Enquanto tentava organizar minha mente, minha mão tocou sem querer a torneira da pia, e percebi como minhas próprias inseguranças podiam me sabotar. Maria Fernanda não havia me ameaçado fisicamente, mas de alguma forma, havia abalado minha confiança. O que ela queria? Me mostrar que havia limites? Que eu não pertencia a aquele mundo? Suspirei, tentando me recompor. Arthur não precisava ser defendido por mim; ele sabia cuidar de si mesmo. Mas eu precisava aprender a cuidar de mim — a não permitir que palavras venenosas, mesmo ditas de forma elegante, abalassem o que eu estava construindo. E, naquele momento, decidi: eu não iria recuar. Eu não iria deixar que o ciúme ou as ameaças veladas de Maria Fernanda me fizessem duvidar de quem eu sou. Se Arthur queria estar perto de mim, então que fosse por escolha dele, não por imposição de outros. O som da porta se abrindo me trouxe de volta à realidade. Alunos passavam apressados, rindo e conversando, e eu percebi que precisava me recompor antes de sair. Lavei o rosto, respirei fundo e olhei para o espelho. Minhas bochechas ainda estavam levemente coradas, mas meus olhos refletiam determinação. Ao sair do banheiro, senti a mistura de medo e coragem caminhar comigo. Cada passo era um lembrete de que, na Averly, não basta apenas sobreviver — era preciso se afirmar. E eu estava pronta para enfrentar não apenas os desafios acadêmicos, mas também aqueles invisíveis, feitos de olhares, ciúmes e provocações. Enquanto atravessava o corredor, pensei novamente em Arthur. Ele não era apenas um garoto bonito e popular; ele era a faísca que me lembrava do que eu podia sentir, do que eu podia sonhar. E mesmo que nossos mundos fossem diferentes, mesmo que Maria Fernanda tentasse nos afastar, eu sabia que precisava seguir meu coração. E naquele instante, enquanto me afastava do banheiro, senti uma certeza silenciosa crescer dentro de mim: eu não iria deixar que ninguém determinasse meus sentimentos ou meu espaço. Eu iria enfrentar o que viesse — e se isso significasse encarar Maria Fernanda ou qualquer outro obstáculo, eu faria isso. A Averly podia ser intimidante, mas eu já havia descoberto que existiam momentos de vulnerabilidade que se transformavam em força. E aquele era um deles.