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O Primeiro Choque Público

A lua ainda brilhava timidamente quando acordei, mas meu coração já pulsava acelerado. Hoje seria o dia da apresentação do trabalho de Sociologia. Sentia-me como uma equilibrista prestes a andar sobre um fio invisível, consciente de que qualquer passo em falso poderia me expor.

Ao chegar na Averly, o clima era de ansiedade coletiva. Grupos ensaiavam discursos, ajustavam slides e conferiam detalhes de última hora. Meu grupo foi o primeiro, quando nos posicionamos na frente da sala eu respirei fundo, tentando encontrar coragem.

Gabriel e o outro colega começaram, falando de maneira superficial, como se tudo ali fosse simples demais, natural para eles, que nunca precisaram lutar por nada. Quando chegou minha vez, tentei não tremer ao colocar minhas anotações sobre a mesa.

— Nossa, olha só, a bolsista vai falar… — comentou uma voz atrás de mim, alta o suficiente para que toda a sala ouvisse.

Todos os olhares se voltaram para mim, analisando e julgando. Um calor subiu ao meu rosto e senti a vontade de desaparecer. Risadas e cochichos ecoavam pelo espaço.

— Ei! — cortou Arthur, firme e claro. — Isa, ela tem direito de apresentar, assim como qualquer um de nós. Respeito não é opcional.

A sala se silenciou instantaneamente. O azul calmo e penetrante dos olhos de Arthur parecia acalmar meu coração acelerado. Ele não estava apenas me defendendo; estava me dando espaço para existir.

— Isso mesmo — completou Lara, do meio da sala. — Vocês não têm ideia do que cada um de nós luta para estar aqui. Um pouco de respeito não faz mal.

O grupo que me provocara resmungou, mas a atmosfera na sala mudou.

— O tema que escolhemos é “Desigualdade e Mobilidade Social” — comecei, minha voz trêmula, mas ganhando força a cada palavra. — A desigualdade não é apenas um número em gráficos ou estatísticas. É a diferença entre quem nasce com oportunidades e quem precisa lutar por cada passo adiante.

Enquanto eu falava, percebi olhares concentrados e ouvidos atentos. Alguns colegas franziram a testa, outros assentiram lentamente. E, no meio da sala, os olhos de Arthur encontravam os meus de tempos em tempos, encorajando cada palavra. Um calor misto de vergonha e conexão percorreu meu peito.

— É isso que quero dizer — continuei, mais confiante. — A mobilidade social exige não apenas esforço individual, mas também justiça, oportunidades reais e empatia. Não podemos apenas culpar quem não tem recursos; precisamos reconhecer o sistema que favorece uns e ignora outros.

O debate começou naturalmente. Alguns colegas argumentaram que esforço é suficiente, que cada um constrói seu destino. Outros defenderam que desigualdade é estrutural e que privilégios perpetuam o abismo entre as classes.

— Não é só sobre mérito — disse Lara, firme — é sobre começar com as mesmas chances. Se você já nasce no topo, cada vitória parece normal; mas se nasce na base, cada passo exige resistência, coragem e persistência.

— Mas esforço não conta? — questionou uma voz atrás. — Todo mundo pode superar dificuldades se quiser.

— Não é tão simples assim — respondi, sentindo minha voz ganhar autoridade — nem todos começam do mesmo ponto. Reconhecer isso não diminui quem luta, apenas mostra que o jogo não é justo desde o início.

O silêncio tomou a sala. Por alguns segundos, senti o poder da nossa voz coletiva. Não éramos apenas adolescentes em um trabalho escolar; éramos representantes de realidades distintas, confrontando privilégios e expondo verdades desconfortáveis.

Quando a apresentação acabou, Arthur se aproximou, andando com naturalidade, mas os olhos fixos em mim.

— Você foi incrível, Isa — disse, olhando nos meus olhos. — Não porque você é bolsista, mas porque fala a verdade.

Meu coração acelerou, um misto de surpresa e algo que eu ainda não sabia nomear. Pela primeira vez, senti que ele me via de fato, sem etiquetas.

— Obrigada… — murmurei, corando.

No caminho até a saída, Lara me abraçou discretamente.

— Viu? Não é fácil, mas você não está sozinha. E ninguém mais precisa diminuir você para se sentir maior.

Fiquei em silêncio, absorvendo cada gesto e cada palavra. Por um momento, o mundo da Averly parecia menos intimidante. A química que surgia entre Arthur e eu era sutil, quase imperceptível, mas havia ali — um fio de conexão entre dois mundos que, até então, pareciam impossíveis de tocar.

Ao chegar em casa, meu pai estava sentado no sofá assistindo seu programa de TV favorito.

— Como foi hoje? — perguntou, curioso.

— Difícil… mas importante — respondi, tentando não revelar toda a intensidade do que tinha acontecido.

Deitei-me naquela noite, ciente de algo que começava a se formar dentro de mim: não se tratava apenas de sobreviver naquele universo, mas de desafiar e ser reconhecida por quem eu realmente era.

E no silêncio do quarto, pensei: talvez desigualdade não seja apenas sobre dinheiro ou status… talvez seja sobre coragem, oportunidade e verdade. E hoje, consegui provar, a mim mesma e aos outros, que posso existir entre esses mundos.

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