A Confeitaria Imperial, com seu aroma de café fresco e bolos acabados de sair do forno, transformara-se para Sabrina num palco de memórias inquietantes. A mão dela ainda formigava onde o café quente a atingira, mas era o roçar dos dedos do estranho, o azul intenso e indecifrável de seus olhos, e o sussurro enigmático – "Tome mais cuidado da próxima vez, signorina" – que realmente a queimavam por dentro. Quem era ele? E por que seus encontros fortuitos pareciam sempre carregados de uma tensão subjacente, de um perigo não dito?
De volta à prisão dourada da mansão Rossi, cada tentativa de seu pai de controlá-la apenas alimentava sua teimosia. Lorenzo, após o vexame no coquetel da Progresso Empreendimentos e o incidente na confeitaria (que o segurança de Sabrina relatara com detalhes alarmantes, omitindo, por sorte ou por medo da reação de Lorenzo, o breve contato físico entre Sabrina e o "desconhecido que a ajudou"), triplicara a vigilância. Eleonora, sua mãe, andava pela casa com um ar de preocupação constante, os olhos suplicando para que a filha abandonasse aquela "cruzada perigosa".
"Eu não entendo essa sua obsessão, Sabrina," Lorenzo explodira durante o jantar, após mais um dia de silêncio tenso. "O Centro Comunitário? É uma causa nobre, admito. Mas arriscar sua segurança, o nome da nossa família, por causa de… de quem? De um bando de aproveitadores que se escondem atrás da Progresso Empreendimentos?" "Eles não são 'aproveitadores' anônimos, papai," Sabrina retorquiu, a voz baixa, mas firme. "São pessoas como o Dr. Bastos, que o senhor mesmo cumprimenta em eventos sociais. São vereadores que o senhor apoia em campanhas. Eles têm nomes, têm rostos, e estão destruindo vidas!" "Chega!" Lorenzo bateu na mesa. "Você não vai mais se envolver nisso. Está decidido."
Mas Sabrina já decidira outra coisa. Trancada em seu quarto, com a desculpa de estar "refletindo sobre seus erros", ela passava horas em chamadas de vídeo criptografadas com Beatriz. "Ele me avisou, Bia," Sabrina contou sobre o estranho da confeitaria. "Ele disse para eu tomar mais cuidado. E o sotaque… era leve, quase imperceptível, mas havia algo de italiano." Beatriz, do outro lado da tela, franziu a testa. "Alto, olhos azuis intensos, um ar perigoso, sotaque italiano… Parece a descrição de um personagem de filme noir, S. Conseguiu alguma imagem dele das câmeras da confeitaria?" "Impossível," Sabrina suspirou. "Meu segurança estava muito perto. E depois da bronca do meu pai, estou com menos liberdade do que um prisioneiro." "Não se preocupe com isso agora," Beatriz disse, tentando animá-la. "Concentre-se no que podemos fazer. Aquele vereador, Afonso Guedes (nenhum parentesco com o chefe de segurança do seu pai, pelo que apurei, apenas uma infeliz coincidência de sobrenomes), o que se encontra com Bastos… ele vai participar de uma audiência pública na Câmara Municipal sobre o novo plano diretor da cidade. Daqui a três dias. É uma oportunidade de ouro para confrontá-lo publicamente, com a imprensa presente."
Enquanto Sabrina e Beatriz traçavam seus planos arriscados, Leonardo, no seu refúgio anônimo, sentia a pressão de Don Costello aumentar como uma maré implacável. O encontro na confeitaria fora um revés inesperado. Armando Ferreira, o engenheiro-chefe, assustara-se com a confusão e saíra antes que Leonardo pudesse sequer pensar numa aproximação. Agora, ele precisava de uma nova estratégia para obter as plantas do Banco Rossi, e o tempo estava se esgotando. O prazo original de dez dias dado pelo Don para o assalto pairava sobre ele como uma sentença. Restavam talvez sete, oito dias, e ele ainda estava na estaca zero em relação às plantas físicas.
Tulio o visitara naquela manhã, os olhos frios como sempre, mas com um tom de urgência na voz. "O Don está impaciente, Leonardo. Ele quer resultados, não desculpas. A guerra com os Cuca arrefeceu, mas ele teme que eles se reorganizem. O assalto ao banco precisa acontecer logo, para consolidar nosso poder e… reabastecer os cofres." "Estou trabalhando nisso," Leonardo respondera, sem dar detalhes. "Que bom," Tulio dissera, antes de sair. "Porque Rocco também está 'trabalhando'. E ele adoraria apresentar ao Don a sua cabeça numa bandeja como prêmio de consolação pelo seu fracasso."
Leonardo sabia que precisava de uma jogada ousada. A vigilância sobre Armando Ferreira seria redobrada após o incidente na confeitaria. Ele precisava de um alvo diferente, ou de um método diferente. Sua mente voltou-se para os níveis inferiores da hierarquia do banco. Talvez um arquivista, um técnico de manutenção com acesso às plantas mais antigas, alguém mais suscetível a suborno, chantagem ou mesmo a um apelo mais… pessoal. Ou, quem sabe, uma nova incursão digital, mais profunda, mais arriscada, aproveitando o backdoor que ele criara na Seguritech.
E havia a garota. A jovem do jardim, a mesma da confeitaria. Quem era ela? Por que seus caminhos se cruzavam de forma tão… fortuita e perturbadora? Havia uma tristeza em seus olhos que ecoava a sua própria, uma teimosia que o intrigava. Ele tentou afastar a imagem dela de sua mente. Era uma distração perigosa. Mas ela persistia, um fantasma inesperado em sua paisagem sombria.
Sabrina, por sua vez, preparava-se para a audiência pública. Sabia que seu pai a proibiria de ir se descobrisse. Precisaria de um plano elaborado para escapar de sua vigilância. Contou com a ajuda de Eleonora, que, embora apavorada com a audácia da filha, também via a injustiça da situação do Novo Amanhã e a intransigência de Lorenzo. Com o coração apertado, Eleonora concordou em criar uma distração para o marido e os seguranças, dando a Sabrina a janela de oportunidade de que precisava. "Mas tome cuidado, minha filha," Eleonora implorou. "Prometa que não vai se arriscar demais." Sabrina prometeu, mas em seus olhos havia uma chama que dizia o contrário.
No dia da audiência, Leonardo, após dias de vigilância e análise de dados, identificara um novo alvo potencial: um jovem e ambicioso arquiteto júnior do Banco Rossi, recém-contratado, que, segundo suas fontes, estava sobrecarregado de trabalho, mal pago e com um vício discreto em apostas online. Um alvo perfeito para uma "abordagem amigável" com a oferta certa. Leonardo planejava "encontrá-lo" num bar que o rapaz frequentava após o expediente.
O destino, porém, tinha outros planos para entrelaçar seus fios. A audiência pública na Câmara Municipal era um evento televisionado localmente, e o tema – o novo plano diretor da cidade – era de interesse para muitos, inclusive para Leonardo, que sempre estudava as mudanças na infraestrutura urbana para seus… "projetos". Ele não estaria lá pessoalmente, mas um de seus informantes de rua, um daqueles que lhe forneciam informações gerais sobre a cidade, estaria presente, gravando discretamente para ele.
Sabrina, com a ajuda de sua mãe, conseguiu chegar à Câmara. O plenário estava lotado. Moradores da Vila Esperança, ativistas, jornalistas. E, na mesa diretora, o vereador Afonso Guedes e, para sua surpresa e horror, o Dr. Arnaldo Bastos, da Progresso Empreendimentos, sentado ao lado do vereador como um consultor "especial". A armadilha estava montada.
Quando chegou a vez de Sabrina falar, como representante da "sociedade civil preocupada", ela subiu à tribuna, o coração batendo forte, mas a voz firme. Ela não atacou diretamente o vereador ou Bastos. Em vez disso, apresentou um dossiê detalhado – preparado por Beatriz com base em suas investigações – sobre o impacto social da demolição do Novo Amanhã, sobre as irregularidades nos processos de licenciamento da Progresso, sobre o histórico de desapropriações duvidosas da empresa em outras cidades. Ela falou com paixão, com dados, com a força da verdade.
Sua fala causou um rebuliço. O vereador Guedes tentou interrompê-la, Bastos a encarava com puro ódio. Mas a imprensa presente, farejando um escândalo, começou a fazer perguntas incisivas. Leonardo, horas mais tarde, assistindo à gravação da audiência em seu quarto, viu tudo. Viu a jovem do jardim, a garota da confeitaria, ali, na tela, enfrentando homens poderosos com uma coragem que o deixou sem fôlego. Ouviu seu nome: Sabrina Rossi.
Rossi.
A filha de Lorenzo Rossi. A herdeira do banco que ele estava prestes a roubar. O mundo de Leonardo pareceu desabar. A ironia era tão cruel, tão inacreditável, que ele quase riu. A mulher que o intrigara, que despertara nele uma curiosidade que ele não sentia há anos, era o cerne de sua missão mais perigosa. E ela, ele percebeu com um calafrio, estava brincando com fogo, enfrentando inimigos que poderiam ser tão perigosos quanto os seus próprios. O aviso que ele lhe dera na confeitaria – "Tome mais cuidado" – ganhava agora um significado terrivelmente literal.
Sabrina, ao sair da Câmara Municipal, sentia-se exausta, mas com uma nova sensação de poder. Ela os enfrentara. Ela expusera suas mentiras. Mas, ao entrar no carro onde sua mãe a esperava, pálida e aflita, viu o olhar de um dos seguranças de seu pai. Um olhar que não era de proteção, mas de fria advertência. A batalha estava longe de terminar. E ela não sabia que, naquele exato momento, um homem num quarto escuro do outro lado da cidade acabara de descobrir seu nome, e que seus destinos estavam agora irrevogavelmente ligados por um laço de perigo, segredos e uma atração que desafiava todas as probabilidades.