Mundo de ficçãoIniciar sessãoDaniel voltou para o hospital com passos pesados, mas o coração batendo rápido demais. A discussão com Caio ainda queimava dentro dele como ferro quente. As palavras ecoavam, especialmente a última frase de Caio:
“Ela é minha noiva.”
Mas Júlia não lembrava dele.
Não lembrava de nada.E o peso disso deixava Daniel dividido entre culpa e uma sensação nova, perigosa, que crescia sem permissão.
Quando entrou no corredor da ala em que ela estava internada, o hospital parecia mais silencioso do que antes. As luzes frias, o cheiro de antisséptico, o vazio — tudo contrastava com o nó que apertava seu peito.
Ele parou diante da porta por alguns segundos, respirando fundo, tentando se controlar.
Tentando ser forte. Tentando não sentir o que estava sentindo.Mas quando entrou… tudo desmoronou um pouco.
Júlia estava acordada.
Sentada na cama, encostada nos travesseiros, olhando pela janela como se tentasse decifrar o mundo lá fora. A luz suave da tarde entrava e iluminava sua pele, deixando seus olhos com um brilho sereno.Quando ouviu a porta, ela virou o rosto.
E sorriu.
— Você voltou.
Uma frase simples.
Mas bateu nele como um soco.Daniel engoliu seco.
— Eu disse que voltaria — respondeu, tentando soar estável.
Júlia estendeu a mão para ele, sem pensar, como se aquilo fosse natural. Instintivo. Parte dela.
Ele hesitou por um segundo… mas acabou segurando.
O toque dela era leve, morno, confiante — como se aquela mão tivesse pertencido a ele a vida inteira.
— Eu me sinto melhor — ela disse, os olhos nos dele. — Mais acordada. Mais… eu, eu acho.
Daniel sorriu de leve.
— Que bom. Fico feliz.
Júlia mordeu o lábio, uma expressão tímida surgindo.
— Você… ficou aqui enquanto eu dormia?
Ele desviou o olhar.
— Fiquei. Quis garantir que você estivesse bem.
Ela respirou fundo, como se aquilo tocasse alguma emoção profunda que ela não sabia nomear.
— Obrigada — murmurou.
O silêncio que se instalou entre eles era diferente de antes.
Mais cheio. Mais quente. Quase… íntimo.Júlia puxou a mão dele um pouco mais, fazendo com que ele se aproximasse da cama.
— Eu queria te perguntar… — ela hesitou — por que eu sinto tanta paz quando você chega? É estranho. Eu olho pra você e… parece certo. Parece que eu te conheço desde sempre.
Daniel fechou os olhos por um segundo.
Era o tipo de coisa que deixava a culpa dele insuportável.— Júlia… — ele começou, sentando-se na beirada da cama, respirando fundo. — Tem algo que eu preciso te contar. Algo importante.
Ela franziu a testa, preocupada.
— Algo ruim?
— Algo verdadeiro — respondeu, a voz baixa, quase dolorida. — Eu… eu não sou quem você pensa que sou.
Ela o encarou por alguns segundos, tentando entender.
A respiração dela acelerou levemente.— Como assim? — perguntou.
Daniel abriu a boca para dizer.
Para contar tudo. Para desfazer o equívoco antes que ficasse grande demais.— Júlia… eu não sou seu…
Mas ela não deixou terminar.
A mão dela subiu para tocar o rosto dele, suave, gentil, como se já tivesse feito aquilo mil vezes. E algo no olhar dela — aquele pedido silencioso, aquele medo de perder algo que nem entendia — o paralisou.
— Não… — ela disse baixinho. — Não fala nada agora. Não estraga isso.
— Júlia, você não entende… — tentou insistir.
— Entendo o que sinto — ela o interrompeu, a voz quente, decidida. — E o que eu sinto quando você está perto… não pode ser errado.
Antes que Daniel pudesse recuar, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Júlia o puxou pela camisa.
E o beijou.
Um beijo inesperado.
Suave no começo, tremido, como se ela tivesse medo de ele fugir. Mas cheio de algo profundo: confiança, entrega, algo que ela não conseguia explicar porque vinha de um lugar onde a memória falhava… mas o coração não.Daniel congelou.
O corpo inteiro dele tensionou. Os dedos se fecharam contra o lençol num reflexo desesperado de autocontrole.Ele deveria afastá-la.
Deveria dizer a verdade. Deveria explicar tudo.Mas quando o beijo se aprofundou — lento, quente, inocente e devastador — algo dentro dele quebrou.
E ele correspondeu.
Por um instante.
Um único instante que ele sabia que nunca esqueceria.Quando se afastaram, os lábios ainda próximos, a respiração entrelaçada, Júlia abriu os olhos com um brilho suave.
— Se você for embora… eu não vou saber quem eu sou — ela sussurrou. — Então fica. Por favor… fica comigo.
Daniel sentiu o chão desaparecer sob os pés.
Porque naquele pedido…
naquela voz frágil… ele encontrou exatamente a coisa que sempre tentou evitar:A necessidade de protegê-la.
A mesma de quando ela tinha seis anos. A mesma que o guiou no meio das chamas. A mesma que agora era um problema enorme, perigoso, irresistível.Ele tocou o rosto dela com cuidado.
— Eu fico — disse, a voz baixa, quebrada — mesmo que isso complique tudo.
E sabia que complicaria.
Muito.
Porque cada segundo que passava…
Júlia se afastava mais do noivo que acreditava estar morto.E corria diretamente para os braços do homem que o salvou…
e que, agora, ela jurava reconhecer como seu.






