LAURA
A luz suave da manhã filtrava pelas cortinas do quarto. Laura acordou devagar, sentindo a maciez dos lençóis sob sua pele e um aroma amadeirado no ar. Não reconhecia o lugar.
Sentou-se na cama, confusa, até que as memórias da noite anterior a atingiram como um vendaval. Dominick. O mirante. O beijo. O carro. A sensação de estar viva.
Olhou ao redor. Era um quarto espaçoso, elegante e masculino. Cortinas grossas, móveis de madeira escura, uma poltrona de couro ao lado de uma lareira apagada. E nenhum sinal dele.
Vestia uma camisola de seda preta que, claramente, não era sua. Seu vestido azul repousava dobrado cuidadosamente em uma cadeira. Havia uma bandeja ao lado da cama com frutas, croissants e suco de laranja.
Ela não sabia se deveria se sentir assustada ou protegida.
Saiu do quarto devagar. O corredor era silencioso, e o piso de mármore gelado sob seus pés a fez arrepiar. Ao descer a escada, viu Dominick na sala, de costas para ela, com um copo de café na mão.
— Bom dia — disse, sem se virar.
— Como você sabe que era eu?
— Você tem passos leves... mas seu perfume entrega tudo.
Ela se aproximou, sorrindo, sem saber o que responder. Sentia-se como uma adolescente diante de um ídolo proibido.
— Eu... dormi aqui?
— Você desmaiou no carro. Achei melhor não te levar para casa às três da manhã. Pegaria mal com seus pais.
Ela assentiu, aliviada. Mas também decepcionada por não lembrar de mais nada depois do beijo intenso.
— Eu espero que não tenha sido um incômodo.
Ele a olhou finalmente, com aquele olhar grave que parecia despir sua alma.
— Você nunca será um incômodo, Laura.
Essas palavras aqueceram algo dentro dela. Mas junto com o calor, veio uma pontada de medo. Quem era esse homem?
— Você sempre acolhe estranhas em sua casa?
— Apenas aquelas que mexem com a minha mente a ponto de eu esquecer que não devo me importar.
Laura prendeu a respiração. Ele se aproximou, parando bem perto, o suficiente para ela sentir o aroma de café e cigarro.
— Você tem planos hoje?
— Não... por quê?
— Porque hoje é o dia em que você começa a descobrir quem eu sou... e decide se vai correr ou ficar.
Ela engoliu em seco.
— E por que acha que eu ficaria?
Dominick sorriu de lado.
— Porque você não quer mais a vida segura de antes.
Ela queria dizer que era mentira. Que ainda queria segurança, que ainda era a mesma. Mas não era. Ele estava certo.
E isso era o mais assustador de tudo.
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DOMINICK
Levar Laura para sua casa havia sido impulsivo — e absolutamente estúpido. Mas vê-la dormir, frágil e confiando nele, despertou um lado que ele acreditava estar morto.
O problema é que Dominick não era um homem comum. Não podia se dar ao luxo de sentir, muito menos de confiar.
Henrique apareceu mais tarde, no escritório da mansão.
— Ela ainda está aí?
— Está.
— E você pretende contar quem você é? Ou vai continuar fingindo ser apenas um empresário de terno caro?
Dominick esfregou o rosto, frustrado.
— Ainda não. Quero mais tempo.
Henrique cruzou os braços.
— O tempo não está a seu favor. Você tem uma reunião com os capos hoje à noite. E os Lombardi mandaram recado: ou o acordo segue com casamento, ou acabou de vez.
Dominick bufou.
— Eles acham que podem me usar. Mas eu não sou ferramenta de ninguém.
— E Laura? Vai envolvê-la nisso?
Dominick ficou em silêncio por longos segundos.
— Ela não vai saber. Nunca. Vai ser a única parte da minha vida que permanecerá limpa.
Henrique riu com ironia.
— Não existe parte limpa na vida de um Santorini. Você sabe disso.
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LAURA
Laura vestiu-se com as roupas da noite anterior, mas a sensação em seu corpo era diferente. Algo dentro dela havia mudado. O beijo com Dominick ainda vibrava em sua memória, como se tivesse quebrado algo que ela não sabia que estava preso.
Quando ele a convidou para um passeio, ela aceitou sem hesitar. Não perguntou para onde iam. Só entrou no carro.
Chegaram a um restaurante à beira do lago, escondido entre árvores e pedras. Lugar reservado. Luxuoso. Mas sem ostentação. Laura se encantou com a vista.
— Aqui é lindo...
— Eu venho aqui quando preciso silêncio — disse ele.
Sentaram-se à mesa e fizeram o pedido. Ele observava cada detalhe dela — o modo como segurava o guardanapo, a forma como olhava para o horizonte, a maneira inocente de morder o lábio inferior.
Ela era luz demais para o seu mundo.
— O que você faz exatamente, Dominick?
A pergunta veio suave, mas direta.
Ele pensou rápido.
— Sou dono de algumas empresas. Investimentos, hotelaria, importação...
— Só isso?
— Por enquanto, é o suficiente.
Ela assentiu, mas sua expressão dizia que não acreditava completamente. E isso era perigoso. Ela era esperta. Curiosa. E isso poderia ser o fim de tudo.
— Você sempre se comporta assim?
— Assim como?
— Misterioso, intenso... e gentil ao mesmo tempo?
Ele riu.
— Não. Só com você.
Laura corou, sem conseguir desviar o olhar. O garçom trouxe os pratos, e a conversa foi ficando mais leve. Por alguns momentos, ela se permitiu esquecer os alertas, os sinais, os medos. E se perdeu nos olhos daquele homem sombrio que, por algum motivo, a fazia se sentir viva.
Mas então... algo aconteceu.
Ao voltarem para o carro, Laura viu um homem de terno preto acenando discretamente para Dominick. O gesto foi sutil, mas ela percebeu. Dominick respondeu com um aceno quase imperceptível.
— Quem era?
— Um segurança. Não se preocupe.
Mas Laura viu nos olhos dele que havia algo mais.
Ali nasceu a primeira dúvida real.
A primeira mentira entre eles.
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DOMINICK
À noite, enquanto Laura dormia novamente em sua cama — totalmente vestida, sem mais do que beijos e carícias —, Dominick desceu até o salão subterrâneo de sua mansão. Lá, os capos o aguardavam.
Homens poderosos, cruéis, armados e leais... até certo ponto.
— Os Lombardi recuaram. Dizem que não vão mais negociar.
— Que recuem, então — respondeu Dominick, sentado na cabeceira da mesa, com um charuto entre os dedos.
— E a garota? Vai aceitar o casamento? — perguntou um dos chefes, rindo.
Dominick ergueu os olhos devagar.
— A garota é assunto encerrado. Eles ousaram me chantagear.
Henrique sussurrou:
— E a Laura? Se descobrirem sobre ela...
Dominick apertou o punho.
— Eles não vão descobrir. Porque se alguém tocar nela... morre.
Silêncio na mesa.
A guerra com os Lombardi estava declarada.
Mas a guerra dentro de Dominick... essa já tinha começado muito antes. Desde o momento em que os olhos de Laura tocaram os seus.
E ele sabia que estava perdido.