(Parte 1 – A Semente da Ruína)
GENEBRA – SUÍTE SANTORINI – 02h17
A porta se abriu com violência. O cheiro de chuva e sangue invadiu o ambiente luxuoso. Stepanov cambaleou, coberto de hematomas, um corte aberto na sobrancelha e a respiração falha. Mikhail correu para segurá-lo.
— Fechar o perímetro! — gritou Leonardo, já empunhando sua arma.
— Ele me seguiu… até a fronteira… — balbuciou Stepanov, estendendo o braço.
Em sua mão, o pen drive.
Ravena o tomou imediatamente, entregando a Leonardo. O herdeiro Santorini olhou para aquele pequeno objeto com a expressão de quem encara um artefato nuclear. Porque era exatamente isso. Nêmesis não era uma ameaça — era o recomeço de um inferno.
— Estávamos certos — disse Ravena, ativando o computador de segurança. — Aqui dentro estão registros de um laboratório móvel, testes genéticos, e a localização de algo chamado “Silo Alfa”. Fica na fronteira da Ucrânia.
Leonardo permaneceu em silêncio. O silêncio dele era um prenúncio de tempestade.
— Ele criou uma arma biológica baseada no próprio sangue — completou Stepanov. — E não é apenas para destruir… é para substituir.
— Substituir o quê? — perguntou Mikhail.
— A linhagem. O império. Rael quer apagar a história e criar uma nova geração de soldados genéticos, leais apenas a ele.
Leonardo girou lentamente o pen drive nos dedos.
— Então ele não quer apenas vencer… quer tornar a derrota impossível.
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UCRÂNIA – SUBTERRÂNEO DO SILO ALFA – 05h12
Rael caminhava entre as cápsulas criogênicas. O ambiente era gélido, metálico. Ao seu lado, a Dra. Ilona Khrebet, cientista desertora de Praga, responsável pelo avanço de Nêmesis.
— Sete protótipos estão prontos. Três apresentam instabilidade, mas os demais são promissores.
Rael observou o interior das cápsulas. Corpos jovens. Sem expressão. Sem passado.
— E se um deles despertar com vontade própria?
— Isso não acontecerá. São programados para obedecer.
Rael passou a mão pelo vidro de uma das cápsulas.
— Eu não quero apenas obediência. Eu quero fé. Lealdade cega. Amor incondicional pelo meu nome.
Ilona hesitou.
— Isso… nenhum código genético pode garantir.
Rael a encarou.
— Então crie um que possa. Ou será a primeira a servir de base para o próximo protótipo.
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GENEBRA – SALA DE GUERRA – 06h45
Leonardo reuniu seus aliados ao redor da mesa digital. Matteo, Ravena, Mikhail, Stepanov e agora Alys — que fora convocada às pressas.
— O Projeto Nêmesis é a verdadeira herança de Giuliano — começou Leonardo. — Rael herdou o veneno e o aperfeiçoou.
Ele tocou a tela. Imagens do laboratório, as cápsulas, os testes genéticos.
— Se isso for ativado, ele não precisará mais de aliados. Nem soldados. Nem conselhos. Ele poderá substituir qualquer um. Inclusive… a mim.
— Isso é insanidade — disse Matteo.
— Isso é o futuro que ele está moldando.
Alys cruzou os braços.
— E o que você pretende fazer?
Leonardo olhou para todos, então anunciou:
— Vamos destruir o Silo Alfa. Com tudo dentro.
O choque percorreu a sala.
— E os inocentes? Os cientistas? — questionou Mikhail.
— Se estão lá, não são inocentes.
— E se falharmos?
— Não vamos falhar.
Ravena sorriu, pela primeira vez com respeito genuíno.
— Agora sim, você soa como Dominick.
Leonardo a encarou.
— Eu não sou Dominick. Eu sou o fim do que ele começou.
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LISBOA – SEDE SECRETA DA VELHA GUARDIÃ – 10h28
Em uma sala escura cheia de símbolos antigos e vitrais negros, um homem idoso observava os movimentos globais pelo telão. Era conhecido apenas como O Cardeal. Um dos últimos juízes silenciosos do submundo.
— O equilíbrio está quebrado — disse ele à figura encapuzada diante dele. — Rael Vasquez quebrou o pacto ao manipular o sangue. Leonardo Santorini ameaça o equilíbrio ao tocar o sagrado fogo da destruição.
A figura ergueu o rosto. Era uma mulher com o rosto tatuado de runas.
— E o que sugere?
— Um intermediador. Um ceifador. Alguém que os lembre de que acima do sangue… há o juízo.
A mulher se curvou.
— Quer que eu intervenha?
— Quero que você escolha quem deve morrer primeiro.
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GENEBRA – VARANDA DA SUÍTE – 13h20
Leonardo olhava o céu quando Ravena se aproximou.
— Está mais calmo do que deveria.
— A calma não é ausência de guerra. É o momento em que decidimos não nos render.
Ela encostou-se ao parapeito ao lado dele.
— Matar Rael pode não ser o fim disso.
— Eu sei.
— E destruir Nêmesis pode ser tarde demais.
— Também sei.
— Então por que continuar?
Leonardo virou-se para ela, e pela primeira vez, seus olhos estavam carregados de algo que não era ódio — era propósito.
— Porque se eu desistir… o mundo herda monstros.
FRONTEIRA UCRANIANA – 22h12
O comboio Santorini atravessou os trilhos abandonados, envolto pela névoa da floresta morta. Cada veículo era blindado, com placas falsas, e carregava armamentos pesados, explosivos de precisão e tecnologia de interferência. Leonardo, à frente, usava colete tático, máscara de identificação térmica e fones conectados ao comando de ataque.
— Confirmado. Dois minutos até entrada no Silo — informou Matteo pela linha.
— Silêncio total após a entrada — respondeu Leonardo. — Se alguém hesitar, será deixado para trás.
Ravena, no carro ao lado, afiava a lâmina curva com expressão serena. Mikhail revisava os códigos de desativação enquanto Alys mantinha os olhos fixos em um antigo terço de prata — sua última memória da infância roubada.
— Esse lugar fede a inferno — disse ela, olhando pela janela.
— Porque foi criado lá — respondeu Leonardo.
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SILO ALFA – CAMADA EXTERNA – 22h32
A entrada era subterrânea, camuflada por pedras e vegetação artificial. Bastaram três cargas para abrir caminho. Assim que os portões cederam, uma onda de ar frio e metálico invadiu o ambiente.
O grupo entrou. A escuridão era cortada apenas por lanternas presas aos capacetes. As paredes estavam cobertas de símbolos de código genético, dados e avisos em cirílico.
— Ravena, flanco esquerdo. Matteo e Ilan, corredor central. Eu, Alys e Mikhail descemos para o núcleo — ordenou Leonardo.
Ao avançarem, encontraram cápsulas vazias.
— Onde estão os corpos? — murmurou Mikhail.
— Eles sabiam que viríamos — disse Alys.
Ravena acionou o comunicador:
— Temos movimento térmico. Sete assinaturas. Mas não são normais… estão acima da média humana.
— Protótipos — murmurou Leonardo.
De repente, o rádio explodiu em ruídos e gritos.
— ILAN FOI ATINGID...!
Silêncio.
Matteo gritou do outro lado:
— Eles estão nos cercando! Não são humanos! Movimentam-se como sombras!
Leonardo apertou os olhos.
— Plano B. Explosivos no núcleo. Retirada em cinco minutos!
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SILO ALFA – NÚCLEO BIOTÉRMICO – 22h46
Eles chegaram ao centro. Um cilindro blindado com líquidos escuros, pulsando com luzes vermelhas. Dentro, não havia apenas corpos… mas clones despertos. Olhos abertos. Respirando. Crescendo.
— Eles estão ativos! — alertou Alys.
— Então morrem agora.
Leonardo puxou o detonador e posicionou as cargas. Mas antes que apertasse o botão, uma figura surgiu do alto da câmara.
Rael.
Vestido de preto, olhos em brasa, acompanhado de dois protótipos armados com lâminas curvas.
— Olá, irmão.
Leonardo não vacilou.
— Eu não sou seu irmão.
— Mas somos filhos do mesmo monstro. E agora… eu sou o que restou dele.
Rael desceu com passos suaves, mas sua presença era um terremoto.
— Você matou Ilan? — perguntou Leonardo.
— Não. Eles mataram. Os que vocês chamam de aberrações. Mas eu os chamo de herdeiros.
Leonardo apertou o botão.
Nada aconteceu.
Rael ergueu um chip na mão.
— Sabia que viria. Desativei o protocolo. O Silo é meu agora.
Ravena e Matteo surgiram pelos flancos, mas foram imediatamente atacados pelos protótipos. O combate foi brutal. Lâminas contra balas. Sangue contra ciência.
Mikhail tentou reativar o sistema, mas uma descarga elétrica o jogou contra a parede. Alys foi ferida no ombro, mas conseguiu lançar uma granada de fumaça.
— Recuar! — gritou Leonardo.
Eles saíram em chamas e escombros. Não havia vitória ali. Apenas sobrevivência.
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EXTERIOR DO SILO – 23h02
Os sobreviventes correram até os veículos. Matteo sangrava. Ravena tinha um corte profundo no rosto. Mikhail desacordado. Alys em choque.
Leonardo olhou para o horizonte enquanto os alarmes ainda soavam.
— Perdemos a chance de destruir Nêmesis — murmurou Ravena.
— Ainda não — respondeu ele. — Mas agora sabemos quem Rael realmente é.
Ela o encarou.
— E o que ele quer?
Leonardo entrou no carro, encharcado de sangue e fumaça.
— Ele não quer matar o passado. Quer se tornar um deus.