Daphne
Sei que eu não deveria lamentar a vida que tenho, mas bem que o destino poderia me ajudar um pouquinho. Claro, sei que nada cai em nossos colos sem um pouco de esforço. Não é que eu esteja desejando uma mudança drástica, eu só... Ah, que saber? Não vou mais falar sobre isso. Tenho que voltar ao trabalho, pois se não posso perder a única coisa que ganhei no momento.
Enquanto carregava os pratos rumo à cozinha, o avistei. O príncipe. Foi assim que o chamei desde a primeira vez em que entrou por aquela porta. Um homem como ele nunca olharia para mim, claro — a não ser que precisasse de mais guardanapos ou quisesse trocar o pedido. Mas sonhar não faz mal a ninguém, certo?
Ele era lindo. Cabelos lisos, bem cortados, rosto forte, traços marcantes, e uma barba discreta que dava charme. Vestia uma camisa branca simples e jeans desgastado, mas eu sabia — aquilo era só fachada. Ele tinha dinheiro, e muito. Talvez fosse por isso que mantinha os olhos sempre no cardápio ou no celular, ignorando todo o resto ao redor. Ainda assim, era educado. Cumprimentava com um “bom dia” e um sorriso suave, toda vez que vinha. Isso já era suficiente para mim.
Mesmo sabendo que aquilo nunca passaria de fantasia, eu me permitia alimentar a ilusão por uns segundos, até a realidade me acertar como um balde d’água. Ou, nesse caso, como um esbarrão. Quase derrubei os pratos quando topei com meu chefe no meio do caminho. Ele me lançou aquele olhar de censura típico. Engoli em seco, murmurei um pedido de desculpas e fui direto para a pia da cozinha, depositando tudo lá em cima.
Foi quando ele me chamou de volta.
— Mesa oito. Prato pronto.
E, como num roteiro armado pelo destino — ou por uma testemunha muito irônica —, o pedido era dele. Do príncipe. Senti o suor se acumular nas mãos e o nervosismo subir como febre. Milla, minha amiga, percebeu na hora.
— Respira. É só entregar o prato e sair — disse, com um sorrisinho de canto.
Soltei uma risada curta e nervosa.
— Você acha mesmo que é só isso? Toda vez que chego perto dele, meu coração dispara como se eu estivesse prestes a pedir ele em casamento.
Ela riu, é claro.
— Se quiser, eu posso levar por você…
— Nem pensar — a interrompi de imediato. — Essa chance é minha.
Peguei a bandeja com firmeza — ou o que eu consegui fingir de firmeza — e saí da cozinha com passos decididos. Lá estava ele, concentrado no celular. Mas assim que me viu se aproximar, seus olhos se ergueram e, por um instante, se prenderam nos meus.
Coloquei o prato com cuidado à sua frente.
— Aqui está — murmurei, quase engasgando com as palavras.
Ele ergueu os olhos e, gentil como sempre, disse:
— Obrigado.
Devolvi um sorriso nervoso e comecei a recuar, passos lentos, ainda olhando para ele… foi aí que aconteceu. Esqueci completamente do maldito degrau atrás de mim. E, como se estivesse em câmera lenta, meu corpo despencou para trás.
Soltei um grito, bati com tudo no chão, e a vergonha me atingiu antes mesmo da dor. Para piorar, o príncipe soltou uma gargalhada alta — daquelas que ecoam pelo salão — enquanto todos viravam para ver a cena. Não que o meu escândalo não tivesse chamado atenção o suficiente.
E, como se faltasse algo para completar o show, meu chefe apareceu, parado ao meu lado, com aquela expressão impassível e irritada, me encarando caída no chão como se eu tivesse quebrado todo o restaurante. Eu só queria desaparecer.
— Daphne!
Fiquei até com medo de responder. Minhas pernas ainda tremiam, mas não era só por causa da queda — e sim porque ele estava ali. O príncipe. E, dessa vez, o suor nas minhas mãos não tinha nada a ver com o calor da cozinha.
Ele se levantou assim que me viu no chão, e, para minha total surpresa, veio até mim. Estendeu a mão e me ajudou a levantar, com tanta gentileza que por um instante eu pensei que estivesse sonhando. Aquilo, só aquilo, já teria sido suficiente para fazer meu dia valer a pena.
Claro que o salão inteiro me observava como se eu fosse uma desastrada profissional — e talvez eu fosse mesmo. Dei um sorriso amarelo, sem saber para onde olhar, até que me deparei com o olhar congelado do meu chefe. Ele mantinha aquela expressão de pedra, pronto para me dar uma bronca que provavelmente eu merecia.
Mas então, ele falou.
— A culpa foi minha — disse o príncipe, e eu pisquei, atônita.
Ele não precisava dizer aquilo. Nem pensar em me defender. Qualquer um ali sabia que a culpa era minha. Meu chefe, principalmente. Mas ainda assim, ele insistiu:
— Eu a distraí. Me perdoe, senhorita.
Fiquei ali, parada, sem saber se agradecia ou desmaiava. O rosto em chamas. Ele estava tentando me salvar... de mim mesma.
— A Daphne é meio... — ele hesitou, olhando de relance para o meu chefe. — Desastrada.
Quase me engasguei com o próprio oxigênio. "Deus, ele vai me matar", pensei.
Mas então ele completou:
— Mas é uma boa funcionária.
Ele não precisava dizer isso. Não precisava fazer nada daquilo. Mas fez. E foi exatamente por isso que eu estava encantada. Ele era... diferente.
Depois do mico — e do breve momento que pareceu tirado de uma novela romântica — me enfiei na cozinha. Precisava sumir. Fingir que nada daquilo tinha acontecido. Apagar da memória coletiva o show de horrores que acabei de protagonizar.
Mas claro que a paz não dura muito.
Pouco depois, meu chefe entrou atrás de mim.
— Dessa vez você passa — disse, com aquela voz arrogante que me fazia querer socar um saco de farinha. — Da próxima, te demito.
Suor frio. Instantâneo.
Não respondi. Só baixei a cabeça e voltei ao trabalho, engolindo o orgulho e o pavor juntos. Ainda bem que o restaurante estava tranquilo. Se aquilo tivesse acontecido no horário de pico, acho que eu pediria demissão antes dele me mandar embora.
Mas, no fundo, uma parte de mim sorria. Porque, mesmo envergonhada, mesmo com a bronca iminente… ele tinha me ajudado. O príncipe tinha me notado.