Valentina Duarte
Eu não podia acreditar. Davi voltou pra essa cidadezinha ridícula — esse fim de mundo — só pra me abandonar aqui, me deixar a ver navios? Que ódio!!! Ele sempre dizia que me amava, que faríamos tudo juntos, e agora... agora nem me responde!
— Você pelo menos está tentando reatar? — perguntou mamãe, largando o cigarro no cinzeiro e se jogando no sofá como uma atriz de novela decadente.
— Sim, mamãe! Eu ligo, eu mando mensagem, imploro, me humilho até... mas ele não dá sinal de vida. Nem visualiza mais. — respondi com um nó na garganta e a raiva queimando no peito.
— Acho bom você resolver essa situação logo — ela disse com aquela frieza calculada. — Precisamos do dinheiro dele. Eu mandei a imprestável da Helena embora.
— O quê? Por que fez isso? — me levantei num pulo. — Ela que bancava essa casa, fazia compras, limpava tudo! Eu não vou limpar nada, só pra deixar claro.
— Muito menos eu, Valentina. — ela cruzou as pernas e pegou o celular. — Você trate de reatar logo com o Davi, a grana dele é a solução dos meus problemas.
Dos seus problemas. Ela nem esconde mais. Sempre foi assim. Sempre tudo girando em torno do que ela quer, do que ela precisa. E eu? Eu virei uma espécie de investimento falido.
Ela dizia que eu não precisava estudar. Que eu era bonita demais pra perder tempo com livros. Que qualquer homem cairia aos meus encantos, e que meu futuro seria garantido com um bom casamento. Mas olha só pra mim agora.
Sem diploma.
Sem dinheiro.
Sem homem rico.
E com as unhas descascando.
Me olhei no espelho da sala. Ainda bonita, sim. Mas agora... perdida.
Em que merda eu fui me meter?
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Helena Duarte
Estava no quarto do hotel, em frente ao espelho, passando um batom suave enquanto sorria para meu próprio reflexo. A reunião havia sido um sucesso absoluto. Davi tinha me parabenizado pessoalmente, apertando minha mão com firmeza, os olhos brilhando de orgulho.
— Você arrasou, Helena. — ele disse, com aquele sorriso de canto que sempre me desconcertava. — Hoje o jantar é por minha conta. Você merece.
Meu coração ainda batia acelerado com as palavras dele. Eu finalmente estava sendo reconhecida, finalmente ganhando meu espaço, colhendo os frutos de tanto esforço. Eu merecia aquele momento.
Mas o toque insistente do celular na cômoda quebrou o clima como um balde de água gelada.
"Mãe", dizia o identificador. Respirei fundo. Talvez, só talvez, fosse uma ligação diferente. Talvez ela tivesse assistido minha apresentação pela transmissão interna. Talvez quisesse dizer que estava orgulhosa. Ou apenas dizer que sentia minha falta.
Atendi com um leve sorriso, sentando na ponta da cama.
— Oi, mãe...
— Ingrata! Desgraçada! — ela cuspiu as palavras como se fossem veneno. — Você me abandonou nessa casa imunda, parece uma pocilga! A geladeira está vazia, Helena. VA-ZI-A! Eu abri agora há pouco, e sabe o que tem lá? NADA! E eu já tô quase na hora da janta. Vai me deixar morrer de fome, é isso?
Fechei os olhos. Não era saudade. Não era carinho. Era cobrança, como sempre.
— Mãe... eu posso te mandar um dinheiro agora pra você comprar alguma coisa. Mas a partir de agora, você vai ter que se virar com as duas pensões que recebe. Dá pra manter a casa, sim. Eu não consigo mais carregar esse peso sozinha.
Houve um segundo de silêncio. Um segundo que parecia promissor. Mas então ela explodiu.
— Você tá ficando louca? — a voz dela veio ainda mais alta, estridente. — Eu sou uma senhora de idade! Como você tem coragem de falar isso pra mim? Me deixar pra morrer nessa casa velha? E você aí, se achando a poderosa em hotel chique, fazendo jantinha com homem rico! Você não presta, Helena! Depois que botou os pés pra fora daqui, esqueceu quem te botou no mundo!
Senti minha garganta fechar. Eu olhei meu reflexo de novo. O batom já não parecia tão bonito. As mãos tremiam um pouco, mas não deixei cair o celular.
— Mãe, eu não te abandonei. Eu só... cresci. E você precisa fazer o mesmo. — disse firme, mesmo que por dentro eu estivesse desmoronando.
Ela desligou na minha cara.
O quarto ficou em silêncio por alguns segundos. Tudo ainda brilhava: o vestido novo pendurado na cadeira, o quarto bem arrumado, o perfume leve que coloquei para Davi... mas dentro de mim, um buraco se abriu.
Por que ser filha de alguém é, às vezes, o papel mais difícil de todos?
Mas naquele instante, jurei a mim mesma: eu não vou voltar atrás. Pela primeira vez, eu ia me escolher.
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Davi Montez
Estava com o celular na mão, parado em frente ao quarto de hotel de Helena, pronto para bater. Mas no instante em que levantei a mão, escutei a voz dela do outro lado da porta. Hesitei.
— [...] que a casa está imunda e precisa de uma faxina... — ouvia a voz alterada da mulher do outro lado da linha, provavelmente a mãe dela.
Helena tentava manter a compostura, mas a voz dela tremia.
— Eu vou mandar um dinheiro pra você comprar alguma coisa... Mas de agora em diante, se vira com as duas pensões que você recebe...
Houve silêncio. E então uma explosão:
— Você está louca?! Eu sou uma senhora de idade, Helena! Você não pode fazer isso comigo!
Meu sangue ferveu. Que tipo de mãe tratava a filha assim? Era humilhante. Mas não era hora de confrontar ninguém, então me afastei um pouco, dei dois passos para trás e só então bati suavemente na porta como se nada tivesse acontecido.
— Oi, Davi... — Helena abriu, forçando um sorriso.
— Pronta? — perguntei com o melhor tom animado que consegui fingir.
— Sim, vamos nessa.
Ela estava linda. Mesmo com os olhos vermelhos e as lágrimas ainda frescas no olhar, havia uma força nela que me impressionava. Decidi naquele momento que não tocaria no assunto. O que ela precisava agora era de leveza, de distração, de paz. E eu queria oferecer isso.
Chegamos ao restaurante. Era um lugar elegante, mas acolhedor. Assim que sentamos e antes mesmo de podermos trocar qualquer palavra, meu celular começou a vibrar. E não parava. Uma ligação, duas, três. Mensagens apareciam na tela sem parar. Suspirei, irritado.
— Não quer atender? — Helena perguntou com um olhar curioso.
— Não. Não quero mais nada com essa interesseira — respondi secamente.
— É a ex-namorada que comentou?
Assenti, e então uma ideia me veio à mente. Não era muito certo... mas precisava acabar com aquilo.
— Poderia me fazer um favor?
— Qual?
— Poderia segurar minha mão? Vou tirar uma foto e mandar pra ela. Não vou mostrar seu rosto, claro... Mas preciso dar um fim nessa situação de uma vez por todas.
Ela hesitou por um segundo, e então sorriu gentilmente.
— Se isso vai te ajudar, vai em frente.
Estendeu a mão. Segurei firme e tirei a foto com o celular, mostrando apenas nossas mãos entrelaçadas sobre a mesa. Logo em seguida, digitei a mensagem:
> "Você não faz mais parte da minha vida. Você só estava comigo por interesse. Nunca quis crescer, nunca quis nada real. Só queria curtir às minhas custas. O que a gente teve acabou. Me esquece."
Enviei. E quando vi que ela visualizou, não esperei resposta.
Bloqueei.
Coloquei o celular de lado, respirei fundo e sorri para Helena.
— Agora sim... Estou 100% presente.
Ela sorriu de volta, tímida, mas sincera. E por um instante, ali naquele restaurante, o mundo ficou um pouco mais leve.
{...}