Helena Duarte
Acordei com uma leve sacudida no ombro.
— Helena… O avião já pousou. — a voz de Davi soava baixa, quase rouca. Ainda assim, firme como sempre.
Abri os olhos lentamente e dei de cara com o rosto dele a poucos centímetros do meu. Por um segundo, esqueci onde estava. Depois me lembrei: voo executivo, missão de trabalho, cidade nova. E claro... meu chefe.
— Desculpa — murmurei, sentando-me de forma apressada e tentando ajeitar o cabelo com os dedos. — Acho que dormi a viagem inteira.
Ele apenas assentiu com um gesto contido e voltou a se sentar direito, olhando pela janela da aeronave particular. Estava escuro lá fora. As luzes da pista refletiam nos olhos dele, dando-lhe um ar ainda mais distante. Intocável.
— Espero que tenha descansado bem. Temos reunião daqui a duas horas — disse ele, consultando o relógio de pulso com um leve franzir de sobrancelha.
— Reunião? Mas não era só amanhã? — perguntei, piscando, ainda sonolenta.
— Mudaram a agenda. O investidor chegou antes. E não temos tempo a perder, Helena.
Claro. Nada com Davi Montez é simples ou previsível. Respirei fundo, sentindo o peso da responsabilidade pousar novamente sobre meus ombros. Ainda assim, me levantei com postura, determinada a não vacilar.
Ao sairmos do avião, fomos recepcionados por um motorista com um carro preto impecável. Davi entrou primeiro, eu o segui. O trajeto até o hotel foi silencioso, cortado apenas pelo som da chuva fina batendo contra o vidro. Olhei de relance para ele: impecável, concentrado, com o celular na mão. Ele passava instruções para alguém, em voz baixa e firme, como quem comanda um exército.
Quando chegamos ao hotel, recebi meu cartão de quarto e a ordem direta:
— Vista-se como se fosse fechar o maior contrato da sua vida. Porque é isso que vamos fazer.
Subi para o quarto, sentindo o frio na barriga se misturar com a adrenalina. Abri a mala, encarei o vestido que se destacava entre os terninhos e optei por ele. Preto, elegante, de corte reto. Poderosa. Se eu tivesse que andar ao lado de Davi Montez, que fosse à altura.
Trinta minutos depois, estávamos no saguão. Ele me olhou de cima a baixo, como sempre fazia. Mas dessa vez, seus olhos demoraram um pouco mais no meu decote discreto. E por uma fração de segundo, ele pareceu hesitar antes de dizer:
— Pronta?
— Sempre.
Ele assentiu, e saímos.
Davi Montez era um homem de metas, resultados e controle. Eu, uma mulher de garra, sonhos e uma intuição aguçada.
E naquela cidade desconhecida, com contratos milionários em jogo e o destino da empresa em nossas mãos…
Eu ainda não sabia, mas aquela viagem mudaria tudo.
Principalmente entre nós.
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Davi Montez
Fui o voo inteiro tentando puxar assunto com Helena.
Não que eu fosse do tipo que puxasse assunto com qualquer pessoa. Muito menos com funcionárias. Mas ela não era qualquer uma. Helena tinha algo que me tirava do eixo — e isso me irritava mais do que eu gostaria de admitir.
Ela se sentou ao meu lado com um sorriso cansado, mas gentil. Nos primeiros minutos, organizou os papéis, revisou apresentações e digitou furiosamente no notebook como se o mundo estivesse prestes a acabar. Então, suspirou e encostou a cabeça na lateral da poltrona, virada para a janela.
Esperei. Pensei em fazer um comentário leve, talvez sobre o projeto novo ou o tempo no destino. Algo banal, só para abrir espaço para mais. Mas quando finalmente tomei coragem, me virei... e a vi dormindo.
Serenamente.
A respiração calma, os traços suaves, a expressão livre do peso que normalmente carregava nos olhos. A mulher forte e determinada que encarava reuniões com ferocidade agora parecia... vulnerável. Intocável de outra forma.
Fiquei observando por alguns segundos a mais do que deveria. Era errado. Eu sabia. Mas não consegui evitar.
Ela merecia esse descanso. Depois de tudo que ouvi — boatos sussurrados nos corredores sobre a família dela, sobre o que enfrentou, sobre como foi parar na casa da melhor amiga — fiquei ainda mais impressionado com a força que disfarçava tão bem com aquele sorriso profissional e a postura impecável.
Suspirei e me afastei um pouco, abrindo meu notebook, tentando fingir que não estava afetado. Mas estava. Porque, sem nem perceber, Helena estava começando a se tornar uma distração perigosa.
E eu não podia me dar o luxo de me distrair.
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A reunião estava intensa. Helena ao meu lado fazia anotações rápidas, traduzindo em dados claros o que alguns ali insistiam em florear. Era inteligente, objetiva e, acima de tudo, implacável com os números. Eu mal precisava intervir.
— Como podemos garantir que os lucros do último trimestre se mantenham estáveis? — perguntou um dos investidores, franzindo o cenho.
Eu me preparei para responder, mas o celular vibrou no meu bolso. Ignorei.
— Temos um plano de expansão que começa na próxima semana, e um novo sistema de controle de custos que...
Vrrr... Vrrr... Vrrr...
Outra vibração. E mais uma. E outra.
Incomum.
Discretamente, puxei o celular e o deixei no colo, debaixo da mesa. A tela estava cheia de notificações. Era Valentina.
Valentina 💋:
Davi, por favor, atende.
Eu te amo.
Você não pode fazer isso comigo.
Eu tô desesperada, não me ignora.
Davi, a gente tem uma história!
Me responde.
Você tá com outra?
Fala comigo, por favor, não me deixa.
Apertei a mandíbula. Helena me lançou um olhar rápido, curiosa. Eu apenas balancei a cabeça, como quem diz está tudo bem, mas por dentro, um incômodo crescia.
As mensagens não paravam. O telefone vibrava como se estivesse prestes a implodir. Era vergonhoso. Invasivo.
Valentina 💋:
Eu sei que errei, mas a gente pode consertar!
Você é o amor da minha vida, Davi.
Você não sente mais nada por mim?
Responde!
Bloqueei a tela com força.
Respirei fundo, voltando a focar nos dados no projetor. Mas agora, a atenção me escapava. Minha mente já não estava na reunião — e sim naquela voz do passado que eu jurava ter deixado para trás.
Helena, atenta, retomou a fala com segurança e clareza, preenchendo o espaço que eu deixava vago. Seu profissionalismo era como um lembrete de tudo que eu estava tentando construir. E de tudo que eu precisava manter longe para não destruir o que vinha pela frente.
Valentina era passado.
Helena...
Ela era um problema totalmente diferente.
Mas, ainda assim, um que eu queria ter.
{...}