capítulo 3

Capítulo 3 – narrado por Helena

Acordei antes do despertador tocar.

Dormir? Quase impossível. A ansiedade do primeiro dia no novo emprego não deixou.

Theo, com o uniforme da escola meio torto, parecia mais empolgado do que eu.

— Você vai ser a chefe agora, mamãe? — perguntou com um sorriso banguela.

— Não, amor. Só uma ajudante.

— Mas você é a mais forte. Então devia ser a chefe.

Ri e dei um beijo em sua testa. Se dependesse dele, eu mandava no mundo inteiro.

Mas bastava olhar para as pilhas de contas em cima da mesa para lembrar que ainda estávamos longe disso.

Deixei Theo com dona Lurdes e corri para o metrô. O coração batia acelerado — metade medo, metade esperança.

“Calma, Helena”, repeti a mim mesma. “Você trabalhou duro pra chegar até aqui.”

O prédio da Vasconcellos Group parecia ainda maior do que eu lembrava. O espelho do hall refletia minha imagem e, por um segundo, tive vontade de fugir. Eu me sentia fora do meu lugar. Mas não podia demonstrar.

Hoje, eu precisava provar que merecia estar ali.

Fui recebida por uma moça simpática do setor administrativo.

— Bom dia, senhorita Duarte! O senhor Vasconcellos pediu que a senhora se apresentasse diretamente no 25º andar.

Diretamente para ele.

Engoli seco. Claro que eu não esperava cruzar com ele logo cedo.

O elevador subiu devagar, como se quisesse testar minha paciência.

Quando as portas se abriram, tudo ao redor parecia outro mundo: carpete grosso, paredes envidraçadas, silêncio absoluto. Pessoas de ternos impecáveis andando apressadas, cada uma parecendo saber exatamente o que fazia ali.

Respirei fundo. E foi nesse momento que a vi.

Uma mulher elegante, alta, de vestido vermelho e salto agulha, atravessava o corredor com um ar de quem mandava em tudo. Os cabelos loiros estavam presos num coque perfeito, e o perfume dela parecia caro o suficiente para comprar meu aluguel.

Ela me olhou de cima a baixo, avaliando.

Sorriu — mas não foi um sorriso gentil.

— Você deve ser a nova assistente — disse, com a voz doce e perigosa. — Sou Camila Monteiro.

— Muito prazer — respondi, tentando soar confiante.

— Prazer é meu. — Ela inclinou a cabeça. — Ouvi dizer que o Arthur… quero dizer, o senhor Vasconcellos… fez questão de entrevistá-la pessoalmente.

Deve ter sido… especial.

O modo como ela pronunciou “especial” me fez entender tudo: ciúme.

Mas permaneci sorrindo.

— Foi uma entrevista como qualquer outra, senhora Monteiro.

— Oh, querida — ela riu baixo —, aqui nada é “como qualquer outra coisa”.

Antes que eu pudesse responder, a porta do escritório dele se abriu.

Arthur Vasconcellos estava lá, com o mesmo olhar firme e aquele terno escuro que parecia ter sido feito sob medida para o poder.

— Senhorita Duarte. — Ele fez um breve gesto para que eu entrasse. — Precisamos conversar sobre suas funções.

— Claro. — Passei por Camila, que manteve o sorriso enquanto os olhos dela me seguiam com veneno silencioso.

A sala de Arthur era ainda mais imponente vista de dentro. As janelas ocupavam toda a parede, e a cidade se estendia lá fora como se ele fosse dono dela.

Ele indicou uma cadeira.

— Sente-se.

Fiz o que mandou.

Ele pegou um tablet e começou a explicar a rotina: relatórios, compromissos, reuniões, confidencialidade absoluta. Sua voz era calma, mas autoritária — o tipo de tom que não aceita erros.

— Entendo, senhor — murmurei, anotando cada detalhe.

— E uma última coisa, senhorita Duarte — ele disse, cruzando as mãos sobre a mesa. — Aqui, discrição é essencial.

— Pode confiar em mim.

Por um momento, o olhar dele se suavizou.

— Confiança se conquista. Mas você parece saber disso.

Senti meu estômago revirar.

Aquele homem tinha o dom de me deixar confusa — entre admiração e raiva.

— Algo errado? — perguntou, notando minha expressão.

— Só estou… me adaptando. É tudo muito novo.

— Acredito que vai se sair bem. — A frase saiu mais baixa, quase gentil.

Quando ele desviou o olhar para o computador, aproveitei para observá-lo melhor.

Arthur Vasconcellos era tudo o que diziam: imponente, controlado, de uma beleza fria que parecia impossível tocar.

Mas havia algo nos olhos dele — algo que denunciava que nem tudo era gelo.

O som do salto de Camila nos interrompeu. Ela entrou sem bater, carregando duas xícaras.

— Trouxe café, Arthur. Achei que precisaria de energia com tanto trabalho acumulado.

Ele franziu o cenho, visivelmente irritado.

— Camila, pedi que não me interrompesse durante reuniões.

— Oh, desculpe. — O sorriso dela se manteve. — Não sabia que era uma reunião. Pensei que estivesse apenas… conhecendo sua nova assistente.

O silêncio que se seguiu foi pesado.

Eu queria desaparecer.

Arthur respirou fundo.

— Deixe as xícaras. E feche a porta, por favor.

Camila deixou o café sobre a mesa, inclinando-se um pouco demais — provocando.

— Claro, querido. — E antes de sair, lançou-me um olhar que dizia tudo: “Você não pertence a este mundo.”

Quando a porta se fechou, Arthur passou a mão pelo rosto, visivelmente cansado.

— Não leve a sério. Camila tem... dificuldade em respeitar limites.

Assenti, fingindo indiferença.

— Está tudo bem. Já lidei com piores.

Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.

— Isso foi uma provocação, senhorita Duarte?

— Apenas sinceridade.

Por um instante, o silêncio se transformou em algo diferente. Uma tensão leve, quase palpável.

Os olhos dele pararam nos meus e, de repente, o ar pareceu faltar.

Eu desviei o olhar primeiro.

— Se não houver mais nada, senhor, posso começar a organizar os compromissos da semana.

— Faça isso. — A voz dele saiu mais rouca do que antes.

Saí da sala tentando respirar. As pernas tremiam, e o coração parecia um tambor dentro do peito.

No corredor, encontrei Camila parada, como se estivesse me esperando.

— Um conselho, Helena — disse, com um sorriso falso. — Aqui, as pessoas sobem rápido… e caem ainda mais rápido.

Ela se virou e foi embora, o som dos saltos ecoando como uma ameaça.

Apertei os punhos.

Eu já tinha enfrentado o abandono, o julgamento e a solidão.

E se o destino quisesse testar minha força de novo… que viesse.

Porque, dessa vez, eu não fugiria.

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