capítulo 2

Capítulo 2 – narrado por Arthur

Detesto entrevistas.

Sempre achei perda de tempo conhecer pessoalmente alguém que, na maioria das vezes, vai desistir antes mesmo de entender o peso de trabalhar para mim.

Mas naquela manhã, algo me fez mudar de ideia. O setor de Recursos Humanos enviou uma lista de candidatas para a vaga de assistente executiva. Perfis previsíveis: currículos impecáveis, cursos caros, sobrenomes conhecidos.

E então, entre eles, vi um nome simples: Helena Duarte.

O currículo era modesto, mas algo ali — talvez a sinceridade das experiências, ou a ausência de floreios — me chamou atenção.

Pedi para chamarem-na diretamente à minha sala.

Não costumo explicar minhas decisões. Não devo explicações a ninguém.

Quando ela entrou, percebi que a escolha tinha sido… interessante.

Helena não parecia tentar impressionar. Nenhum perfume exagerado, nenhuma maquiagem calculada. Tinha uma beleza serena, quase teimosa, daquelas que não precisam de esforço. O cabelo cacheado caía de modo indisciplinado sobre os ombros, e os olhos — castanhos, vivos — observavam tudo com atenção, como se ela estivesse preparada para lutar.

E, por algum motivo que não compreendi de imediato, senti algo se mover dentro de mim. Uma sensação incômoda, quase familiar.

— Senhorita Duarte — disse, para disfarçar o que me atingiu no primeiro segundo.

Ela se sentou, nervosa, mas firme. Notei o jeito como segurava as mãos no colo, tentando esconder o tremor. Muitos candidatos já desmoronaram só com meu olhar. Ela não.

Comecei com perguntas técnicas, mas logo percebi que o currículo não dizia o essencial.

Quando perguntei sobre as lacunas no histórico profissional, ela respondeu com algo que raramente escuto: verdade.

— Eu tive um filho. Criei sozinha.

Sem drama. Sem vitimização. Apenas fato.

Isso me desarmou por um instante.

Não pelo conteúdo, mas pela forma como ela disse — como quem carrega o peso e a força de uma vida inteira em uma única frase.

“Criei sozinha.”

Essas duas palavras ecoaram dentro de mim enquanto eu fingia revisar o currículo.

A maioria das pessoas tenta esconder suas fragilidades. Ela não. E isso a tornava perigosamente… autêntica.

Quando perguntei por que decidiu voltar ao mercado de trabalho, a resposta dela me pegou de surpresa:

> “Porque quero mostrar pro meu filho que a mãe dele não desistiu da vida.”

Não consegui esconder o impacto.

Por um segundo, olhei para ela e vi algo que não via há anos: convicção.

“Determinada”, pensei. E, sem hesitar, a contratei.

Foi um impulso, e eu não ajo por impulsos.

Mas, quando ela saiu, a sala pareceu estranhamente silenciosa.

Abri o notebook, mas não consegui me concentrar.

O rosto dela insistia em voltar à mente — o olhar direto, o sorriso contido ao ouvir que estava contratada. Era como se eu tivesse deixado algo escapar entre os dedos.

Peguei o telefone.

— Camila, adie minha reunião das dez.

A voz dela veio do outro lado, doce e irritantemente familiar.

— Arthur, você prometeu que almoçaria comigo hoje.

— Tenho trabalho — respondi, seco.

— Você sempre tem. — O tom dela era de uma intimidade que me incomodava. — Sabe, às vezes penso que é medo.

— Medo?

— Sim. Medo de se envolver.

Revirei os olhos, mesmo que ela não pudesse ver.

Camila Monteiro era uma constante na minha vida desde a infância.

Filha dos melhores amigos dos meus pais, cresceu ao meu lado, frequentou as mesmas escolas, as mesmas festas… e, de algum modo, acreditou que isso lhe dava o direito de entender meus limites.

O problema é que ela não entende.

Eu não me envolvo. Não porque tenho medo, mas porque aprendi que o amor é uma transação injusta. Sempre alguém perde mais.

— Não projete suas frustrações em mim, Camila — respondi, encerrando a ligação antes que ela pudesse continuar.

Voltei a olhar para o vidro da janela. Lá embaixo, a cidade se movia frenética. Pessoas correndo, buzinas, pressa.

E, no meio disso tudo, uma mulher recém-contratada provavelmente pegava o metrô de volta para casa, sem imaginar que mexeu com algo que eu acreditava estar dormente.

Suspirei e fechei os olhos.

“É só uma funcionária.”

Tentei me convencer.

Mas algo em mim sabia que não era só isso.

Mais tarde, no fim do expediente, bati à porta da sala de Recursos Humanos.

— Quero o contrato da nova assistente pronto até sexta — ordenei.

— Claro, senhor Vasconcellos. — A gerente pareceu surpresa. — A senhorita Duarte, certo?

Assenti, impaciente.

— E quero que ela fique no andar executivo. Direto sob minha supervisão.

A mulher ergueu uma sobrancelha, confusa.

— Isso não é… comum, senhor.

— Nada que eu faço é comum. — Cortei, antes de sair.

De volta à minha sala, a noite já caía sobre os prédios. O reflexo do meu rosto se misturava às luzes da cidade. E, de repente, vi meu pai naquele reflexo — o mesmo olhar duro, o mesmo isolamento que o destruiu por dentro.

“Sentimentos enfraquecem os homens, Arthur.”

Lembro da voz dele como se estivesse ali, ao meu lado.

Foi o que ouvi a vida inteira. E, no fim, ele morreu sozinho, abraçado ao próprio orgulho.

Eu prometi que não seria igual.

Mas, agora, eu não tinha tanta certeza.

O barulho do celular interrompeu os pensamentos. Uma mensagem de Camila.

> “Soube que contratou uma nova assistente. Ouvi dizer que é… diferente.

Espero que saiba o que está fazendo, Arthur. As pessoas certas merecem estar ao seu lado — não qualquer uma.”

Olhei para a tela e senti um leve incômodo.

Camila era previsível, mas suas palavras vinham cheias de veneno.

Apaguei a mensagem sem responder, mas o mal-estar ficou.

Algo me dizia que Helena Duarte mal havia começado e já tinha acendido um fogo que ninguém conseguiria apagar — nem mesmo eu.

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