Capítulo 6

A chuva cessou no início da tarde, deixando o vilarejo encharcado, com o ar pesado e fresco. Poças se formaram entre os paralelepípedos e a vegetação parecia mais verde, como se tivesse sido lavada do cansaço. Eleanor passou boa parte do tempo no andar de cima, tentando organizar os pertences da tia, mas não conseguiu evitar a constante olhada pela janela, como se esperasse vê-lo surgir de novo — entre os pinheiros, silencioso e inevitável.

E ele veio.

Theo apareceu por volta das três da tarde, exatamente como dissera. Vestia roupas secas agora, mas igualmente sóbrias: uma camisa escura de mangas arregaçadas e calças de tecido grosso. Carregava uma caixa de ferramentas e andava com a mesma firmeza de antes, como quem não pede licença, apenas chega.

Eleanor desceu até o jardim para recebê-lo, sem saber bem por quê. Algo nela — orgulho, talvez — queria estar presente. Não gostava da ideia de que ele circulasse sozinho pela propriedade.

— Achei que pudesse mudar de ideia — disse ela, enquanto ele se aproximava da cerca danificada.

— Eu cumpro o que prometo. — Ele se ajoelhou junto à madeira rompida, examinando o estrago com olhos atentos. — Alguém passou por aqui. Mas não foi um animal. A quebra é limpa demais. Deliberada.

Ela cruzou os braços, desconfortável.

— Isso é exatamente o que me preocupa.

— Alguém anda rondando sua casa?

Eleanor hesitou antes de responder.

— Vi uma figura do lado de fora ontem à noite. Achei que era você.

Theo não a olhou de imediato. Pegou uma chave inglesa e começou a desmontar parte da cerca. Só depois respondeu:

— Se eu estivesse rondando sua casa, você saberia.

Ela franziu o cenho.

— Isso deveria me tranquilizar?

— Deveria. Eu sou discreto, não um fantasma.

— Os fantasmas costumam ser mais sutis.

Ele soltou uma risada baixa.

— Toque poético. Você escreve?

Ela balançou a cabeça.

— Não. Só estou tentando sobreviver. Mas acho que essa casa está me deixando mais dramática do que o habitual.

Theo parou o que fazia e olhou para ela com um interesse novo, mais direto.

— Por que voltou?

— Isso importa?

— Importa pra mim.

Ela desviou o olhar para o jardim encharcado.

— Minha tia me deixou a casa. E… eu precisava fugir. Londres se tornou um lugar insuportável.

— A cidade em si, ou alguém que ficou nela?

Eleanor sentiu o estômago revirar. Theo a observava com olhos calmos, mas atentos, como quem mapeava seus pontos fracos.

— Alguém — respondeu, quase num sussurro.

Theo não insistiu. Voltou ao trabalho como se tivesse apenas anotado a informação num caderno invisível.

Ela ficou ali, em silêncio, enquanto ele pregava novas tábuas, trocava dobradiças e reforçava o suporte com arame grosso. Os gestos dele eram precisos, metódicos, quase terapêuticos de assistir.

— Você sempre faz isso? — perguntou, depois de alguns minutos. — Aparece, conserta coisas, depois desaparece?

— Eu costumava desaparecer sem consertar nada. — Ele olhou por cima do ombro. — Mas digamos que estou tentando mudar.

— Mudar exige mais do que reparar cercas quebradas.

— Às vezes, é pelas cercas que se começa.

Ela o encarou, dessa vez sem esconder o quanto ele a intrigava. Theo era diferente de tudo o que conhecera. Não tentava ser agradável. Não forçava intimidade. Mas havia algo nele que desafiava — e ela, apesar do receio, não conseguia recuar.

— E você? — ele perguntou. — Está tentando mudar?

Ela sentiu a pergunta ressoar fundo, como uma batida surda contra uma porta que não queria abrir.

— Estou tentando não desaparecer. Isso já é um começo.

Theo assentiu. Terminou de apertar o último parafuso e se levantou. Suas mãos estavam sujas, os dedos vermelhos do frio e do esforço.

— Cerca arrumada. Por enquanto.

— Obrigada. De verdade.

— De nada. — Ele começou a se afastar, mas virou-se antes de cruzar o portão. — Eleanor?

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Se vir de novo quem rondava sua casa… não tente confrontar. Só tranque a porta.

— E se for você?

— Se for eu… — Ele sorriu de leve. — Você vai saber.

E então desapareceu entre as árvores, deixando para trás um rastro de dúvidas e uma cerca consertada.

Mas Eleanor sentia — com mais força do que gostaria — que outras coisas, muito mais frágeis do que madeira, estavam começando a se abrir também.

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