Capítulo 5

A manhã seguinte amanheceu encharcada. A chuva havia caído sem trégua durante a noite, e agora repousava sobre o vilarejo como uma névoa densa, saturando o ar com umidade e o aroma de terra molhada.

Eleanor acordou cedo, embora mal tivesse dormido. Passou horas revivendo a silhueta que jurava ter visto do lado de fora da casa. Dizia a si mesma que podia ter sido um reflexo, ou a sombra das árvores… mas uma parte mais funda — instintiva — se recusava a acreditar nisso.

Fez café. Tentou se distrair lendo as anotações antigas de sua tia — fragmentos de pensamentos, frases soltas em cadernos espalhados pela casa. Havia muitas menções ao “peso da memória” e à “voz dos lugares”. Um trecho a fez parar:

"Algumas casas guardam mais do que memórias. Elas protegem, acusam, escondem. Às vezes, revelam. Mas sempre, sempre cobram."

Foi interrompida por um ruído seco vindo da varanda.

Um estalo. Como algo se partindo.

Assustada, Eleanor calçou as botas rapidamente e saiu para investigar. Ao descer os degraus da varanda, viu: uma das placas da cerca lateral estava quebrada, tombada para dentro do jardim. Ao lado, marcas recentes no solo encharcado. Como se alguém — ou algo — tivesse passado ali pouco antes.

Seguiu o rastro com o coração acelerado, mas antes que pudesse se aproximar da beirada do terreno, ouviu uma voz.

— Está seguindo fantasmas ou tentando espantá-los?

Ela se virou bruscamente.

Ali, junto ao portão enferrujado, estava ele.

Theo Ravenscroft.

Vestia um casaco preto, molhado nos ombros, e usava luvas grossas nas mãos. Os olhos eram de um cinza cortante, como o céu de janeiro.

— O que você está fazendo aqui? — ela perguntou, mais brava do que pretendia.

— A cerca do meu terreno faz divisa com o seu. Vi o estrago e vim verificar. — Ele gesticulou vagamente para a lateral. — Mas parece que não sou o único a vagar por aqui.

Eleanor respirou fundo.

— Você mora… ali perto do lago, não é?

Theo assentiu.

— Pelo visto, me reconheceu.

— Alguém comentou seu nome no pub ontem.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Imagino que com entusiasmo.

— Não. Com medo.

Silêncio. Um silêncio que se estendeu, denso como neblina.

Então ele se aproximou dois passos — não ameaçadores, mas firmes.

— E você? Está com medo de mim, Srta. Hartwood?

O nome dela soou estranho vindo dele. Quase formal. Quase uma provocação.

— Ainda não decidi — respondeu, erguendo o queixo.

Theo sorriu. Um sorriso pequeno, quase imperceptível, mas que não era de humor. Era de quem reconhecia o jogo e topava jogá-lo.

— Bom. Sugiro que decida antes de aceitar ajuda. — Ele apontou para a cerca caída. — Posso consertar isso pra você. Tenho ferramentas em casa.

Eleanor hesitou. Ele notou.

— Não precisa me convidar pra entrar. Nem oferecer chá. Só achei que seria melhor do que deixar aberto assim… exposto.

Ela mordeu o lábio inferior, em conflito.

— Obrigada. Se puder mesmo…

— Hoje à tarde. Volto quando a chuva parar.

E sem esperar resposta, virou-se e caminhou em direção à trilha que levava ao lago, passos firmes, mãos nos bolsos.

Eleanor ficou ali, observando até que ele sumisse por entre as árvores.

Sentiu uma mistura de alívio e inquietação.

Havia algo em Theo que não era exatamente perigoso — mas também não era seguro. Uma tensão latente, como um galho prestes a quebrar.

Voltou para dentro e fechou a porta com cuidado. Sentou-se à mesa, encarando a caneca de café frio.

A visita inesperada. A cerca rompida. O olhar dele — tão direto quanto desconfortável.

Talvez estivesse começando a entender o que a tia quis dizer nos cadernos.

A casa guardava segredos.

Mas não estava sozinha nisso.

Theo Ravenscroft também guardava os seus. E havia algo nele que parecia… ecoar os silêncios da casa.

Talvez porque, no fundo, ele também fosse feito deles.

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