O dia amanheceu nublado, e a Zanobi Corporation carregava no ar o peso do silêncio após dias turbulentos. Carlota bateu duas vezes na porta antes de entrar na sala de Umberto. Ele estava sentado, com os cotovelos sobre os joelhos e as mãos entrelaçadas, observando a cidade cinzenta pela janela. Quando se virou, havia em seus olhos um vazio que Carlota reconheceu.
— Bom dia, senhor Zanobi. — disse ela, com um tom calmo. — Trouxe os relatórios da divisão agrícola, mas... sei que você não vai olhar para isso agora. Ela se aproxima da mesa, para coloca-los. — Você parece mais exausto do que de costume. — comentou, enquanto deixava os papéis sobre a mesa. — Estou. — Ele respondeu, direto. — Uma semana longa demais. Carlota não se sentou. Permaneceu de pé, com as mãos cruzadas. — Soube do que aconteceu. Não vim trazer conselhos, só lembrar que... já vi seu pai passar por situações muito parecidas. Umberto franziu a testa, voltando o olhar para ela. — Meu pai... fazia parecer que tudo estava sempre sob controle. — Porque ele era mestre em esconder as rachaduras. Você não precisa fazer o mesmo, Umberto. Ele soltou um riso breve, sem humor. — Não sei se tenho escolha. Carlota deu um passo mais próximo. — Tem, sim. Você não precisa seguir todos os passos dele. Eu trabalhei ao lado do seu pai por décadas. E, por mais duro que ele fosse, eu enxergava as falhas. Às vezes... penso que ele queria ser compreendido, mas escolheu o caminho do silêncio. Umberto a observou por alguns segundos. Então, falou: — Sinto falta de ter uma família que não seja uma fachada. Que me conheça de verdade. Carlota sorriu, com doçura. — Eu te conheço, Umberto. E continuo aqui. Ela se despediu com um leve toque no ombro dele e saiu. O silêncio voltou, por poucos instantes. Logo depois, o silêncio foi interrompido com a entrada barulhenta de Vito. Ele entrou sorridente, de braços abertos, como quem trazia boas novas. — Zanobi! — disse animado — Fim de semana chegando... e eu estava pensando... praia? Já estou até vendo: sol, água de coco e zero relatórios na cabeça. Que tal? Umberto levantou os olhos do que estava lendo, mas não esboçou nenhum sorriso. — Não estou no clima, Vito. Vito se recompôs, rindo de leve, tentando manter o bom humor, embora com um incômodo crescente nos olhos. Sentou-se à vontade na poltrona à frente da mesa de Umberto. — Olha, eu sei que essa semana foi uma loucura. O escândalo na empresa... a visita dos seus pais — fez uma careta ao lembrar — Tudo muito exaustivo. Agora, só por curiosidade... o que aquela pobretona ralé te disse pra te deixar daquele jeito? Você se transformou no momento. Apesar de... ser muito linda... Uau!.. se tirar aquela carga de pobreza, ela se transforma em uma lady. Umberto cerrou a mandíbula, tentando conter a irritação. — Já chega, Vito. Não estou com humor para seus gracejos. Mas Vito insistiu: — Ah, vai me dizer que não a achou bonita? Eu, sinceramente, não consegui desviar o olhar do pequeno laço que segurava o decote do vestido. Havia dois touros prontos para fugir. Umberto se preparava para respondê-lo com impaciência, quando a porta se abriu subitamente. Um perfume caro invadiu a sala antes mesmo da figura que o trazia se fazer visível. — Meu querido — disse Emilyke com um sorriso baixo — O que você está fazendo? Ela então olhou para Vito com pouca simpatia: — Estou tentando conversar de maneira civilizada com um amigo um tanto... desavergonhado. Vito rebateu com um sorriso debochado: — Ah! Vai dizer que eu estou errado? Emilyke lançou um olhar afiado para Umberto, depois voltou-se lentamente para Vito. — Errado ou não, não é a primeira vez que você ultrapassa certos limites — disse ela com a voz doce, mas séria. — Agora, me digam... sobre o que exatamente vocês estavam falando? Vito hesitou por um segundo, mas tentou manter o tom despreocupado: — Apenas... negócios. E sobre os efeitos colaterais de certos visitantes inusitados. Nada demais. Mas Emilyke não parecia satisfeita. Seus olhos, maquiados com perfeição, se estreitaram levemente. — Negócios? — repetiu, voltando-se para Umberto. — Ou será que estamos falando de moças? O silêncio de Umberto foi mais eloquente que qualquer resposta. Ele apenas respirou fundo e desviou o olhar, voltando-se para os papéis sobre a mesa, o que só aumentou o ar de suspeita no rosto de Emilyke. — Interessante... — murmurou ela, cruzando os braços. — Muito interessante. Vito então interrompeu com um sorriso maroto: — Tá bom... vou revelar. Estava tentando convencer seu noivo a passar o fim de semana na praia. Depois dessa semana tensa, nada mais justo que um descanso. Emilyke abriu um sorriso largo, com os olhos brilhando de entusiasmo. — Achei perfeito! — exclamou. — Você merece, Umberto. Vai se divertir um pouco. Umberto desviou o olhar, visivelmente incomodado com a sugestão. — Não sei se é uma boa hora pra isso... — Por isso mesmo é a hora certa — retrucou Emilyke com doçura estratégica. — Você precisa de uma pausa. Vito assentiu energicamente. — Um mergulho no mar vai lavar essa carranca aí. Umberto soltou um suspiro demorado. Olhou para os dois, depois para o relógio sobre a mesa. — Está bem... — disse, quase murmurando — Mas não esperem que eu fique sorrindo o fim de semana todo. Emilyke sorriu ainda mais, como se tivesse vencido uma pequena batalha. — Já é um começo. Eu me encarrego dos sorrisos. Umberto recusou inicialmente, alegando que não estava com cabeça para isso. Mas, após certa insistência e olhares atentos dos dois, acabou aceitando com uma expressão contrariada. — Mas só por um dia. — Murmurou ele. O grupo foi para a casa de praia, embora Umberto não demonstrasse muito entusiasmo. Ao chegarem, ele se manteve distante. Recusou os passeios de barco, não quis mergulhar e ficou apenas sentado no convés, com a expressão fechada. Contudo, ao anoitecer, algo mudou. O grupo caminhou pela praia sob a luz do luar e jantaram em um restaurante pé na areia. Umberto tomou uma bebida — apenas uma — mas, talvez pela tensão acumulada e pelo teor alcoólico, ficou mais leve, sorridente e até mesmo... alegre. Vito, sempre mais animado, o acompanhou com duas taças e, juntos, riram alto, contaram histórias exageradas e dançaram desajeitadamente na areia como dois adolescentes despreocupados. A noite foi marcada por risadas sinceras, um pouco de trapalhadas e até mesmo uma tentativa fracassada de fazerem passos de tango, o que terminou com ambos quase caindo em um banco de areia. Pela primeira vez na semana, Umberto esqueceu o peso da empresa, da família e de tudo que o atormentava. Foi um alívio breve — mas real. O domingo seguiu leve, e, diferente do dia anterior, Umberto já estava mais solto logo pela manhã. Participou das pescarias, mergulhou, nadou com entusiasmo. Mas a diversão teve um breve revés: ao comer um peixe grelhado servido no almoço, teve uma leve reação alérgica que o deixou com manchas vermelhas no rosto e uma coceira insuportável. Mesmo assim, nada pareceu apagar o brilho do fim de semana. Entre uma risada e outra, entre a brisa salgada e as ondas quebrando na praia, Umberto reencontrou algo que havia perdido nos últimos dias: leveza. Porque às vezes, a vida exige que a gente desça do pedestal, tire os sapatos... e dance na areia.