Mundo de ficçãoIniciar sessãoNo dia seguinte, a casa de Ludovica recebeu uma visita de Umberto e o médico particular.
Tommaso, ao avistar os dois pela janela, veio apressado recebê-los. O olhar cansado denunciava as noites mal dormidas. — Estou demasiado preocupado com minha filha... — confessou, a voz embargada. Ludovica, sempre gentil e serena, abriu espaço para os visitantes, oferecendo-lhes café e relatando ao médico todos os sintomas de Constantine. Enquanto ela falava, Umberto parecia alheio ao ambiente, tomado por uma inquietação que não conseguia disfarçar. De repente, avistou no quintal uma pilha de lenha e um machado apoiado ao lado. Foi o suficiente para que visse ali a oportunidade perfeita de dissipar a ansiedade. Dirigiu-se até o local, arregaçou as mangas e começou a rachar a madeira, golpe após golpe, até perder a noção do tempo. Quando se deu conta, restava apenas a última tora. O suor escorria por seu rosto, fazendo as mechas escuras dos cabelos grudarem na testa. A camisa branca estava completamente ensopada, colando-se ao corpo e tornando-se quase transparente sob o sol da manhã. Ao ouvir o chamado de Tommaso, Umberto largou o machado e entrou novamente na casa. — Seu Roberto, nós não temos como agradecer a sua gentileza — disse Tommaso, com os olhos marejados. — Somos eternamente gratos. Nossa menina sendo tratada assim... como uma princesa. Pouco depois, o médico saiu do quarto de Constantine, retirando as luvas das mãos e tentando acalmar a família. — Não é nada grave — afirmou. — Ela só precisa de repouso e alguns cuidados especiais. Em uma semana, estará pronta para se levantar. Umberto suspirou de alívio, mas o médico o chamou de lado e baixou a voz: — Essa moça não pode continuar aqui. O que ela tem precisa ser investigado com mais profundidade. E, convenhamos... aqui não há nem um posto de saúde por perto. A expressão de Umberto mudou de imediato. — Então ela vai conosco — respondeu, firme. — E não só ela... os tios também. Vou arcar com tudo o que precisarem. O médico o olhou, surpreso: — Mas essa gente tem onde ficar? Pelo o que vi, são pessoas muito simples... — Vão ficar na minha casa — decretou Umberto, sem hesitar. — Isso é loucura, meu filho. Você não os conhece de verdade — advertiu o médico, balançando a cabeça. Umberto apenas respirou fundo, olhando para o quarto onde Constantine repousava. — Às vezes, doutor, não é preciso conhecer alguém para querer cuidar dela. Umberto deixou o médico e caminhou até a mesa onde Ludovica e Tommaso estavam sentados, cabisbaixos e aflitos. Puxou uma cadeira, arrastando-a com firmeza pelo chão de madeira, e sentou-se diante deles. — Vão arrumar as bagagens! — disse com a voz calma, mas impositiva. — Vocês vão para a cidade. Quero que passem uma semana lá, até que a menina melhore completamente. Apontou em direção ao quarto, onde Constantine descansava. A surpresa foi imediata. Ludovica levou a mão ao peito, e Tommaso tentou dizer algo, mas Umberto ergueu uma das mãos, interrompendo-os. — Eu vou cuidar de vocês — completou, com o tom que não admitia contestação. — Não se preocupem com nada. — Mas, senhor Roberto — disse Tommaso, preocupado —, precisamos ver alguém pra tomar conta da fazenda. — Não se preocupem — respondeu Umberto, levantando-se. — Falaremos com o Pi. Passaremos pela casa dele no caminho. Sem mais objeções, Ludovica e Tommaso começaram a arrumar as malas. Em pouco tempo, tudo estava pronto. — Estamos prontos — anunciou Ludovica, ajeitando um lenço na cabeça. — O senhor está indo pra onde? Umberto não respondeu de imediato. Entrou no quarto de Constantine. O ambiente cheirava a ervas e remédios caseiros. Ela estava deitada, o rosto pálido e úmido, como se estivesse em um sono contínuo. Aproximou-se e, com cuidado, passou um braço por trás das costas dela e o outro sob as pernas, erguendo-a sem esforço. No calor da febre, Constantine abriu os olhos lentamente, os lábios entreabertos, e murmurou com a voz quase sonolenta: — Meu príncipe... é você? Entrelaçou os braços em torno do pescoço dele e apoiou a cabeça em seu peito, rendendo-se à segurança daquele abraço. Ludovica, ao ver Constantine sendo carregada daquela maneira, desabou. As lágrimas inundaram seu rosto e a voz lhe saiu entrecortada pela emoção: — Minha menina... você, que é tão viva, está sem cor... Eu não vou me perdoar se algo acontecer com você. Umberto, analisando aquela cena, não conseguiu manter a pose de durão por muito tempo. Algo dentro dele se quebrou. O peso da responsabilidade, o olhar aflito daquela mulher simples e a fragilidade da jovem em seus braços o atingiram de uma só vez. Ele respirou fundo, tentando disfarçar o nó que se formava na garganta. Não conseguia imaginar aqueles dois idosos sozinhos, desamparados, sem a única figura que arriscava tudo por eles. Na verdade, Constantine, era a alegria daquela casa. Umberto a levou até o carro e, com cuidado, a posicionou no banco traseiro. Constantine respirava lentamente, a cabeça repousando de lado, totalmente vulnerável de existir exigisse esforço. Em seguida, ele veio auxiliar Ludovica e Tommaso com as malas. O peso das bagagens parecia leve diante da urgência que pulsava em seu peito. Depois de colocarem tudo no porta-malas, ajudou os dois a se acomodarem ao lado da sobrinha, certificando-se de que estavam confortáveis. O médico observava cada gesto com atenção. Aquele comportamento, para ele, era inexplicável. O que movia Umberto Zanobi a agir daquela maneira? Não era apenas compaixão, havia algo mais ali, algo que nem mesmo o próprio Umberto sabia nomear. A viagem transcorreu exatamente como Umberto havia planejado. Antes de seguir rumo à cidade, passou na casa de Pi para avisá-lo sobre a ausência dos tios e pediu que cuidasse da fazenda durante aqueles dias. Muitos vizinhos se aproximaram do portão, desejando melhoras e enviando palavras de esperança. O carro partiu devagar, enquanto os acenos iam ficando para trás, mãos calejadas, rostos bondosos, pequenas figuras que se tornavam pontos distantes na estrada empoeirada. O médico, sentado no banco da frente, observava tudo em silêncio. Às vezes lançava um olhar discreto pelo retrovisor, intrigado com aquele pequeno grupo de pessoas simples que agora se afastava. Atrás dele, Umberto mantinha o foco na estrada, mas seu olhar retornava sempre, não ao caminho, e sim ao reflexo no espelho, onde via Constantine repousando, frágil, envolta por um leve tremor febril.






