A manhã chegou com a crueldade de um vidro bem lavado: tudo parecia nítido demais. Vivian acordou antes do despertador, o corpo lembrando o que a cabeça queria esconder. A bancada da cozinha, ali, na mesma distância de três passos; o calor das mãos dele ainda fazendo sombra na pele. Ao lado, a xícara que ela não usou. O silêncio da casa era prudente, mas não inocente.
Aline bateu duas vezes na porta antes de entrar com a pasta de sempre. Não perguntava “como você está”; perguntava “como está o ar”. Mediu o humor da casa, examinou as fechaduras, e então assentou a pasta sobre a mesa.
— Movimentos da manhã: César tenta palco. Nós tiramos a luz. Eduardo… — ela fez uma pausa curta —… vai mexer as peças. Do jeito certo.
Vivian não pediu detalhes. Aprendera a respeitar lacunas. Ainda assim, sentiu as perguntas encostarem: se Eduardo mexe as peças, onde ele fica? Do lado de fora? Do lado de dentro? Ao alcance da mão? O coração deu uma resposta que não passaria no crivo de nenhum protocolo.
*