mas tudo foi percebido.

A sala de reuniões estava com as janelas abertas, deixando entrar a luz suave do final da manhã. Amanda sentou-se à cabeceira da mesa, com João à esquerda e Bruno à direita. À frente deles, os primeiros esboços do novo projeto de pesquisa, que ainda levaria dois meses para sair do papel.

— A proposta é firmar o protocolo com os laboratórios suíços até o fim do mês — explicou Bruno, já com uma pasta em mãos. — Mas precisamos que os dados da nossa unidade rural estejam bem organizados. Será um projeto com impacto ambiental e social relevante. Se der certo... pode nos colocar em evidência internacional.

Amanda analisava atentamente cada termo.

— Quero que isso esteja conectado com a parte de recuperação de nascentes e o uso consciente de fertilizantes. Vamos integrar a rede com o que já temos na fazenda. E João, você vai cuidar da parte logística e de campo.

João assentiu. Havia foco e segurança em sua expressão, o tipo de coisa que Bruno sempre respeitou.

— E você, Amanda? — perguntou Bruno, casualmente. — Vai voltar a ficar mais dias na fazenda?

— Pretendo sim. Já pedi a reforma do meu antigo escritório. Quero conciliar. Aqui e lá.

Bruno sorriu com leveza, observando como ela falava agora com mais liberdade. Era uma Amanda que ele conhecia dos tempos difíceis, e que agora parecia... inteira.

Valéria entrou quase no fim da reunião, já sabendo que estava fora da parte estratégica, mas agiu como se isso não a incomodasse.

— Fiquei sabendo do almoço... posso me juntar a vocês?

Amanda trocou um olhar com João, que apenas respondeu com um gesto educado. O convite havia partido dele, sim — mas não para ela.

Ao meio-dia e vinte, todos saíram para almoçar no restaurante habitual da equipe executiva. José não estava — voltara à fazenda para ficar com Sofia.

Na mesa longa do reservado, sentaram-se Amanda, João, Valéria, Isabela e Bruno. Clara chegou cerca de dez minutos depois, ainda com o jaleco no braço, exausta de uma cirurgia no hospital.

— Desculpem a demora — disse, sorrindo. — O paciente estava bem acordado... mas o bisturi não.

Todos riram, até Amanda.

Bruno se levantou para cumprimentá-la.

— Dra. Clara, finalmente consigo vê-la.

João cochichou para Amanda enquanto Clara tirava o jaleco.

— Bruno está fazendo amizade com ela...

— E parece que ela não está achando ruim — comentou Amanda, observando os dois conversarem com naturalidade.

Valéria, que havia se colocado ao lado de João propositalmente, cruzou as pernas com certa intenção. Usava um vestido mais ajustado que o necessário para um almoço executivo. Em vários momentos, tocava o braço de João, ou ria de piadas que ele sequer contava.

Amanda, por sua vez, mantinha sua postura serena, do outro lado de João, mas atenta a cada gesto.

— Você está mais quieta, Amanda — provocou Valéria, com um leve sorriso. — Tão falante na reunião...

— Quando o ambiente exige estratégia, eu ajo. Quando o ambiente exige silêncio, eu observo — respondeu Amanda, serena.

Valéria sorriu sem graça, enquanto Clara olhava a troca com mais interesse do que surpresa.

Bruno, percebendo a tensão, conduziu a conversa para o projeto.

— Clara, você sabia que Amanda quer integrar médicos voluntários ao projeto de pesquisa na fase rural? Talvez interesse a você.

— Sério? — Perguntou Clara, olhando para Amanda. — Você nunca me contou isso.

— Estava esperando o momento certo — respondeu Amanda, sem olhar para Valéria. — E parece que chegou.

O sol do início da tarde refletia nas vidraças do prédio principal quando todos retornaram à sede da Duarte Corp. A conversa no carro havia se diluído em comentários leves sobre o almoço e algumas brincadeiras sutis. João, com as mãos no bolso, subiu ao lado de Amanda em silêncio. Havia uma tranquilidade confortável entre os dois, como quem se reconhece mesmo em meio à rotina de trabalho.

Valéria desceu do carro primeiro e, como sempre, tentou caminhar ao lado de João. Mas Amanda se antecipou e o puxou discretamente pelo braço.

— Temos que revisar aquele contrato com a empresa húngara, lembra? — disse Amanda, apenas para ele ouvir.

— Claro. Vamos para a minha sala — respondeu João, aceitando o gesto.

Bruno, ao ver Clara se despedindo para voltar ao hospital, se aproximou.

— Doutora... posso te oferecer carona?

Clara hesitou, mas sorriu.

— Não vai te atrapalhar?

— Atrapalharia mais se eu não oferecesse.

Os dois seguiram juntos até o carro de Bruno. Enquanto Clara colocava o cinto, comentou:

— Foi divertido o almoço... um pouco tenso em alguns pontos, mas divertido.

—A tensão parece girar sempre ao redor dos mesmos nomes — disse Bruno, ajustando os óculos de sol. — E você está no meio, como uma observadora privilegiada.

— Observadora, sim... privilegiada, não sei. Às vezes é desconfortável ver tanta disputa disfarçada de gentileza.

Bruno riu, leve.

— Bem-vinda ao mundo corporativo da alta sociedade. Mas, entre nós... gostei da sua presença ali. Trouxe algo mais verdadeiro.

Clara o olhou por um momento mais longo.

— Você é bom em elogiar, Bruno.

— Só quando realmente penso o que estou dizendo.

O carro seguiu em silêncio por alguns instantes, até Clara comentar, olhando pela janela:

— E você? Parece conhecer bem todos eles... especialmente a Amanda.

Bruno respirou fundo.

— Amanda é minha amiga há muitos anos. Vi ela se reconstruir quando muita gente só queria vê-la desabar. Tenho respeito por ela... e por quem ela escolhe caminhar junto.

Clara o encarou mais uma vez, intrigada.

— Inclusive o João?

Bruno apenas sorriu, desviando o olhar para o retrovisor.

— João é inteligente o suficiente para saber o valor do que tem nas mãos. Se vai conseguir manter, aí já é outra história.

O hospital apareceu ao fim da rua. Bruno parou o carro e desceu para abrir a porta para ela.

— Obrigada pela carona — disse Clara, já no chão. — E pela conversa.

— Quando quiser fugir dos bisturis e das indiretas corporativas, me chama.

Ela sorriu e acenou antes de entrar no prédio. Bruno ficou por alguns segundos olhando para a entrada, antes de voltar ao carro com um leve sorriso no rosto.

Amanda entrou na sala primeiro, os saltos firmes no chão de madeira clara. João veio logo atrás, digitando algo no celular, distraído. Ela parou à frente da grande mesa de reuniões e lançou um olhar rápido para a porta, certificando-se de que estavam sozinhos. Não estavam.

Valéria apareceu logo depois, com uma prancheta na mão e um sorriso mais ensaiado que espontâneo.

— João, você pediu para eu revisar os documentos da parceria com a empresa belga? Posso deixar aqui?

— Claro, Valéria — respondeu João, com o tom neutro.

Ela se aproximou demais, encostando os dedos no braço dele enquanto passava o material. Amanda não comentou nada, mas cruzou os braços e observou com olhos frios.

— E essa gravata... combina muito com seu terno azul, realça sua pele — disse Valéria, como quem elogia o papel de parede de um cômodo que já considera seu.

Amanda então falou, sem levantar o tom:

— Valéria, pode deixar os papéis com a Joana na antessala. João e eu precisamos discutir algumas questões confidenciais agora.

— Claro, Amanda — respondeu com um sorriso forçado. — Mas se precisarem de ajuda, estou à disposição.

Quando ela saiu, Amanda deu dois passos até a janela. Ficou em silêncio por um momento, até dizer:

— Você podia pelo menos disfarçar mais o quanto ela se pendura em você.

João levantou os olhos.

— Eu não incentivei nada, Amanda. Ela vive tentando criar climas. Mas não tem nada ali.

Ela virou-se para ele, ainda séria:

— Só espero que não esqueça com quem você quer construir... e com quem ela quer aparecer.

João se aproximou, estendeu a mão até o braço dela.

— Eu não esqueci. Nunca esqueço. E não é de hoje que ela tenta jogar verde. Mas você... você é raiz, Amanda.

Antes que ela pudesse responder, Bruno entrou sem bater — como sempre fazia em Londres.

— Interrompo?

Amanda suavizou imediatamente o semblante.

— Claro que não, entra.

Bruno trazia uma caixa pequena de madeira.

— Trouxe um presente de Londres... sua marca de chá preferida. Lembra quando você ficava horas escrevendo e esquecia até de comer?

Amanda sorriu, genuinamente tocada.

— Eu ainda esqueço, mas agora tem quem me lembre — disse, lançando um olhar breve para João.

Bruno percebeu e assentiu, como quem entende e respeita.

— Que bom... fico tranquilo em saber que está cercada. Mesmo assim, minha parte como amigo ainda cumpro. E o chá... é inegociável.

João riu, aceitando o gesto com leveza.

— E eu que lute pra manter o padrão londrino, né?

Bruno piscou, espirituoso:

— Você está indo bem... só não deixa a rainha escapar.

Amanda olhou para os dois homens que, tão diferentes, sabiam respeitar o espaço que ela exigia. Mas, por dentro, ela ainda sentia o incômodo dos olhos de Valéria, sempre atentos, sempre tentando o que não lhe pertencia.

Segunda-feira, 18h47 – Na sede da Fazenda Duarte

A casa estava em silêncio, exceto pelos passos que ecoavam no piso de madeira encerada. Do alto da escada principal, João surgiu com um porte que impunha respeito e admiração. O terno preto, feito sob medida, delineava os ombros largos e o corpo atlético. A camisa branca impecável, o nó da gravata perfeitamente ajustado e os cabelos castanhos escuros penteados de lado com leveza — tudo nele exalava sobriedade e charme. Mas eram os olhos azuis, sempre inquietos, que mais chamavam atenção.

Ana estava parada na base da escada, ao lado de Augusto. Ao vê-lo, bateu palmas, orgulhosa.

— Esse é o meu filho... — disse com um sorriso cheio de ternura.

João desceu os degraus com passos firmes, ajeitando os punhos da camisa. Sorriu brevemente para a mãe, mas seus olhos estavam voltados para o alto da escada. E então ela apareceu.

Amanda.

Vestida com um modelo azul suave, de tecido fluido e sofisticado, que dançava ao redor de seu corpo esguio. O corte era elegante, sóbrio e ao mesmo tempo encantador — típico das estações frias da Rússia, como ela conhecia bem. Os cabelos soltos caíam pelas costas, levemente ondulados, e pequenos brincos de ouro emolduravam seu rosto. No pescoço, o colar com o pingente da família Duarte reluzia discretamente. Amanda estava uma verdadeira rainha.

João parou de respirar por um segundo. Ela desceu os degraus com a leveza de quem sabe exatamente o que carrega: história, força e graça.

Ao chegar ao último degrau, ele estendeu a mão, e ela aceitou com um sorriso que só ele conhecia.

— Pronta? — perguntou ele.

— Sempre — respondeu Amanda, firme.

Augusto observava em silêncio, os braços cruzados. Ana olhava de um para o outro como se fosse uma continuação natural da vida.

— Vocês estão lindos. — disse ela, emocionada. — Façam bonito. O jantar é importante, mas vocês... vocês são ainda mais.

João conduziu Amanda até o carro preto à porta, onde o motorista já aguardava. Enquanto o sol se punha atrás das montanhas, eles partiram rumo à cidade — dois herdeiros de uma história poderosa, prontos para encarar os russos, mas mais do que isso: prontos para o mundo.

Jantar com os russos | Segunda-feira, 20h37, Restaurante Privado no Centro da Cidade

O salão reservado do restaurante mais exclusivo da cidade estava banhado por luzes âmbar e velas altas, dispostas sobre uma longa mesa de madeira nobre. O aroma de especiarias russas e vinhos europeus preenchia o ambiente. Os convidados já estavam sentados, e à medida que Amanda e João entraram juntos, um silêncio se fez por breves segundos — o suficiente para que todos os olhares se voltassem a eles.

Amanda, com seu vestido azul que contrastava com o ambiente escuro e elegante, atraía os olhares como se pertencesse a outra era. Seus passos eram firmes, o rosto sereno, os olhos atentos. João caminhava ao seu lado, altivo, a mão em suas costas. Eram complementares, e a presença de ambos desequilibrava o jogo de poder na mesa.

O jantar foi servido em etapas refinadas. Caviar, cordeiro defumado, risotos com trufas negras. Cada palavra era pesada, cada sorriso escondia estratégia. Ao redor da mesa, empresários russos importantes — todos com acompanhantes elegantes, contratadas apenas para a ocasião — brindavam e riam em tom contido.

Mas havia um que destoava.

Aleksei Volkov, um dos mais influentes da noite, não conseguia disfarçar o fascínio por Amanda. Seus olhos repousavam sobre ela sempre que achava que ninguém via. Mas Amanda via. Sempre via. E sorria apenas com os olhos, fria, calculista, como quem detinha o controle da partida.

Ela jogava com classe: fazia perguntas estratégicas, ouvia mais do que falava e deixava que João falasse quando era hora de ser firme. Mas era dela a inteligência sutil que desarmava resistências. João, por sua vez, usava sua autoridade e naturalidade para completar o que Amanda conduzia com maestria silenciosa. Um jogo em dupla. Imbatível.

Durante as conversas sobre os novos acordos de logística e segurança internacional, Amanda deixou escapar um dado técnico que surpreendeu um dos russos. João reforçou o ponto com uma frase em russo — e arrancou o primeiro brinde sincero da noite.

— За союз! (Pelo acordo!) — disse Aleksei, levantando a taça, e todos seguiram.

Os contratos foram firmados ao final da noite, com apertos de mãos, olhares cúmplices e a certeza de que haviam conhecido mais que uma dupla de empresários — haviam encontrado uma força silenciosa que surgia entre Amanda e João.

Já passava das três da manhã quando Amanda e João deixaram o restaurante. Os olhos cansados, mas atentos. Aleksei ainda os seguiu com os olhos até desaparecerem na noite. E disse, em voz baixa, ao sócio ao lado:

— Aquela mulher... ela sabe mais do que demonstra.

— E guarda mais do que mostra — respondeu o outro.

Enquanto isso, no carro, João soltava a gravata e Amanda tirava os brincos discretamente. Olharam-se. Sabiam que tinham vencido.

— Sabia que você ia calar a boca daqueles russos com uma frase só — disse ela, de canto de boca.

— E você calou todos os pensamentos deles sem dizer nenhuma.

Sorriram.

Final do Jantar | Saída do Restaurante – 03h12 da madrugada

Os russos deixavam o salão em grupos discretos. Entre eles, em voz baixa, Aleksei Volkov puxou o sobretudo e disse ao sócio, com um sorriso enviesado no canto dos lábios:

— Они не просто брат и сестра... между ними есть нечто большее.

("Eles não são apenas irmãos... entre eles há algo a mais.")

O outro riu, entendendo de imediato o que Aleksei insinuava.

— Isso explica o silêncio afiado dela... e os olhos dele quando ela fala.

— E os olhos dela quando ele não fala — completou Aleksei.

Entraram no carro blindado, deixando para trás um jantar onde nem tudo foi dito em voz alta — mas tudo foi percebido.

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