“Corajoso não é quem não tem medo. É quem tem medo e segue em frente assim mesmo.” — (Clarice Lispector)
(...)
O dia escorreu em tarefas úteis — aquelas que te mantêm funcionando quando por dentro tudo está desmoronando.
No meio da tarde, uma sombra de éter atravessou meu nariz. O cheiro veio do nada, fantasma químico que não deveria estar ali. Meu corpo quase tropeçou num corredor que de repente parecia antigo, conhecido, perigoso
Parei. Apoiei a mão na parede.
“Respira. Pelo diafragma. Devagar.”
Atenção, não medo. O passado, hoje, fica no caderno. Não aqui. Não agora.
...
No fim do expediente, a equipe foi embora em ondas. Vozes se despedindo, passos se afastando, portas se fechando até sobrar só o silêncio e eu.
Eu precisava de ar. Ar de verdade, não esse reciclado de escritório que sufoca mais do que ajuda.
Decidi caminhar as duas quadras até a esquina para levar um documento que um fornecedor tinha esquecido. Poderia mandar por motoboy — seria mais rápido, mais seguro, mais sensa