“Às vezes fechar o passado é só escolher pra onde olhar primeiro.” — (Anotação de R.)
A televisão fala baixo na sala, como quem não quer me assustar.
Não precisa.
Eu já reconheço os sons: o plástico de provas entrando em malotes, o interfone da portaria que toca em coro quando a polícia chega, o “não tenho nada a declarar” repetido em voz de advogado cansado. As legendas correm, os portais pipocam.
A Casa sangra por vários andares ao mesmo tempo. Prisões preventivas. Bens bloqueados. Mandados cumpridos antes do sol nascer. O jornalista enumera endereços e eu enumero respirações. Uma, duas, três.
Aurélia não aparece. Nem foto antiga, nem tomada de costas, nem dublê de cabelo. É como se tivesse evaporado deixando apenas perfume — jasmim com ferrugem. Fantasma solto; rede em ruínas. Eu não comemoro em voz alta. Só apoio as mãos na bancada da cozinha e deixo o corpo entender: não é o fim de nada, mas é um marco. Uma linha de corte no mapa.
No escritório, o dia corre como sempre — papéis,