Elara
O sol nasceu tímido naquela manhã, filtrando-se pelas frestas da janela da minha pequena casa como se tivesse preguiça de iluminar o vilarejo. Acordei cedo, como sempre. A vida não me dava o luxo de descansar até tarde. Puxei as cobertas para o lado, sentindo o frio da madeira no chão sob meus pés descalços. Respirei fundo, tentando convencer a mim mesma de que seria apenas mais um dia comum.
Mas não era.
Por mais que eu tentasse, não conseguia afastar da mente a imagem dele. O estranho.
Os olhos sombrios, a voz grave, a maneira como o mundo inteiro pareceu se calar quando ele se aproximou de mim. Eu nem sabia o nome dele, na verdade, não sabia nada além da sensação que sua presença me causara —, mas ainda assim era como se tivesse marcado cada parte de mim.
Sacudi a cabeça com força, como se isso fosse suficiente para arrancá-lo dos meus pensamentos. Peguei o balde de madeira no canto da cozinha e saí, decidida a buscar água no poço antes que meu pai acordasse e começasse a resmungar.
A manhã estava fresca, o orvalho ainda brilhava nas folhas e o canto dos pássaros enchia o ar. Tudo parecia igual… mas dentro de mim, nada estava igual.
“Pare com isso, Elara”, murmurei para mim mesma. “Ele foi apenas um forasteiro, nada mais.”
Mas não importava quantas vezes repetisse essas palavras, meu coração insistia em discordar.
No poço, encontrei Maeve já puxando o balde cheio de água. Ela sorriu ao me ver, o cabelo escuro preso em uma trança frouxa que escapava em alguns fios pelo rosto.
— Você está estranha hoje — disse ela, arqueando uma sobrancelha. — Seus olhos estão longe. Sonhou acordada?
Suspirei, tentando disfarçar. — Não é nada. Só dormi mal.
Maeve riu baixo, descrente. — Dormiu mal? Pois eu digo que tem outro motivo. Qual é o nome dele?
Quase deixei o balde cair. — O quê?
— Ah, não me engane. Eu conheço você desde criança, Elara. Sei quando seu coração está bagunçado.
Mordi o lábio, olhando para o reflexo da água que tremia no balde. Pensei em negar, mas não adiantaria. Maeve sempre enxergava através de mim.
— Eu… ah é aquele rapaz de ontem — confessei em voz baixa.
Os olhos dela brilharam de curiosidade. — Ahá! Eu sabia. Ficou apaixonada?
— Não sé isso. — Balancei a cabeça, rindo sem humor. — Ele apareceu do nada no vilarejo. Aquele homem alto, forte… com olhos que… — engoli em seco, envergonhada de admitir — … que pareciam atravessar a minha alma. Ele mexeu com meu juizo.
Maeve arregalou os olhos, encantada. — E você já está assim, completamente perdida por ele?
— Eu não estou perdida. — Revirei os olhos, mas minha voz soou fraca até para mim mesma. — Foi só… diferente.
Ela apoiou a mão no meu braço, o sorriso doce. — Não há problema em sentir, Elara. Você passa a vida inteira se doando, carregando peso. Talvez seja hora de deixar o coração bater por outra coisa além das obrigações.
Antes que eu pudesse responder, ouvi a voz rouca e dura do meu pai ecoando da frente da casa.
— Elara!
Meu corpo inteiro enrijeceu. Maeve também se calou, e me deu um olhar solidário. Sabia que aquela voz nunca trazia boas coisas.
Respirei fundo, ajeitei o balde na mão e caminhei de volta. Ele estava na porta, a barba desgrenhada e os olhos semicerrados. O cheiro forte de bebida ainda impregnava suas roupas, embora fosse cedo demais para isso.
— Onde você estava? — rosnou.
— No poço, pai. Fui buscar água.
— Devia ter feito isso antes. — Ele arrancou o balde das minhas mãos com brutalidade, espalhando parte da água no chão. — Sempre atrasada, sempre distraída. Não temos tempo para devaneios de menina.
Meu coração se apertou, mas engoli as palavras que queria dizer. Não adiantava confrontá-lo. Nunca adiantava.
Ele me lançou um olhar de reprovação e entrou de volta em casa, resmungando. Fiquei parada na porta, os olhos ardendo.
Maeve se aproximou devagar, baixando a voz. — Você não merece isso.
Engoli em seco, forçando um sorriso. — Eu estou acostumada.
Mas não estava. Nunca estaria. Cada palavra dele era uma ferida que eu aprendi a esconder, mas que nunca cicatrizava de verdade.
O resto do dia passou arrastado. Eu tentei me ocupar com os afazeres: lavar, cozinhar, costurar. Cada tarefa era repetida mecanicamente, como se meu corpo funcionasse sozinho, mas minha mente vagava para longe. Sempre para o mesmo lugar.
O estranho. O homem de olhar intenso.
No decorrer do dia entre as plantações ouvi dizer que o nome dele era Adrian. Repeti o nome dele em silêncio, sentindo a estranha familiaridade que o som me trazia. Como se já o conhecesse, como se minha alma o tivesse chamado antes mesmo de encontrá-lo.
E isso me assustava.
Por que eu pensava tanto em alguém que mal conhecia? Por que meu coração acelerava ao lembrar do timbre de sua voz?
Naquela noite, quando todos se recolheram, fiquei do lado de fora da casa. O céu estava salpicado de estrelas, e a lua brilhava forte, iluminando o vilarejo silencioso. Cruzei os braços sobre o peito, tentando aquecer o corpo contra o vento frio.
Meus olhos se perderam na imensidão da noite. E então, sem perceber, murmurei:
— Quem é você, Adrian?
O vento não respondeu, mas uma certeza queimava dentro de mim: o destino havia me colocado diante dele por um motivo.
E, de alguma forma, eu sabia que minha vida nunca mais seria a mesma.
O silêncio da noite era profundo, cortado apenas pelo farfalhar das árvores e pelo sussurro do vento. Eu continuava ali, de braços cruzados, tentando entender por que meu coração insistia em bater tão rápido sempre que me lembrava dele.
A lua, redonda e brilhante, dominava o céu. Eu sempre gostei da lua. Tinha algo de solitário e ao mesmo tempo poderoso nela, como se guardasse segredos que ninguém mais podia compreender.
Fechei os olhos por um instante, deixando o vento acariciar meu rosto. Foi então que ouvi.
— Você não deveria estar aqui, sozinha, a essa hora.
O som da voz grave, profunda, cortou o silêncio como uma lâmina. Meu corpo inteiro estremeceu.
Virei-me de repente, o coração martelando no peito. E lá estava ele.
Adrian.
A sombra de sua figura se desenhava contra a luz prateada da lua, imponente, sólida, quase irreal. O cabelo escuro caía em ondas pelo rosto, e os olhos — aqueles olhos — brilhavam como se fossem capazes de atravessar cada barreira dentro de mim.
— O… o que você está fazendo aqui? — minha voz saiu falha, carregada de surpresa e algo que eu não queria admitir: um fascínio que queimava.
Ele deu um passo à frente, lento, mas firme. — Não é seguro para você, Elara. — Havia uma intensidade na forma como pronunciou meu nome, como se fosse um segredo guardado apenas por ele. — O vilarejo pode parecer tranquilo, mas a noite guarda perigos que você não imagina.
Meu coração bateu ainda mais forte. Parte de mim queria perguntar que perigos eram esses, mas outra parte… não queria saber. Porque o verdadeiro perigo parecia estar exatamente à minha frente.
Engoli em seco, recuando um passo instintivamente. A distância entre nós ainda era grande, mas eu o sentia perto demais.
— Eu… eu preciso entrar. — A frase saiu apressada, quase atropelada.
Adrian permaneceu parado, sem me impedir. Apenas me olhava, como se gravasse cada detalhe de mim naquela noite. Seus olhos eram tão intensos que minhas pernas vacilaram por um segundo.
Sem esperar mais nada, virei-me e corri para dentro de casa, fechando a porta com força atrás de mim. Apoiei as costas contra a madeira, ofegante, tentando recuperar o fôlego.
Por que eu havia fugido? Medo? Não exatamente. Era algo maior, mais profundo, que me deixava vulnerável.
Passei a mão pelo peito, tentando acalmar o coração disparado. Lá fora, o silêncio voltou a reinar.
Mas eu sabia que ele ainda estava ali.
E isso era o que mais me assustava.