O som grave da máquina cardíaca cortava o silêncio, compassado como uma lembrança de que a vida era, ao mesmo tempo, frágil e insistente. Eu estava parado, encostado na porta, quando ela se mexeu. Ágatha levantou a cabeça lentamente, os olhos sonolentos ainda tentando ajustar-se à claridade fria do hospital. Quando me viu, demorou um segundo para entender que eu não era um fantasma. Depois, os olhos se arregalaram. — O que você… — ela engasgou com as palavras, erguendo-se de imediato. — O que está fazendo aqui? Não houve tempo para eu responder. Uma voz rouca, fraca mas surpreendentemente firme, quebrou o ar. — Filha… quem é esse? — Emiliano, desperto, nos observava com um interesse quase curioso, mesmo exausto pelo despertar recente. Ágatha piscou, atônita. Eu sabia que ela não tinha resposta. Sabia que, naquele segundo, qualquer coisa dita revelaria mais do que queria. E foi por isso que eu me adiantei.
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39. Intimismo
O corredor do hospital estava em silêncio, quebrado apenas pelo som monótono das máquinas e dos passos apressados de enfermeiros em plantão. Eu ainda sentia a energia elétrica do embate com Dante, da maneira como ele se impôs diante do meu pai sem me consultar. Aquilo deveria me irritar, me revoltar. E irritava — mas, ao mesmo tempo, havia um peso diferente no ar. Meu pai dormia outra vez, respiração lenta, agora estável. O médico havia garantido que ele estava fora de perigo imediato. Mesmo assim, eu não conseguia desgrudar a mão da dele. Foi então que percebi o olhar de Dante sobre mim, constante, firme, sem pressa. — Você precisa descansar, Ágatha. — a voz dele cortou o silêncio, grave, sem espaço para contestação. — Estou bem. — menti, apertando os dedos do meu pai. Ele não respondeu de imediato. Caminhou até mim, parando ao meu lado. A proximidade me obrigou a erguer os olhos. Dante inclinou-se,
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