Mundo ficciónIniciar sesiónNarrado por Lisa
Fingi um sorriso para Sofia, mas por dentro tudo em mim era conflito. A simples ideia de vê-la ao lado de Alejandro — ou qualquer mulher ao lado dele — provocava um desconforto que eu não sabia nomear. Era visceral, como se algo dentro de mim se despedaçasse em silêncio. — Não misture seu coração com negócios, Sofia — murmurei, sem saber se falava para ela ou para mim. Ela riu. Um som leve e venenoso, típico dela quando queria parecer no controle. Tocou meu braço com um gesto que fingia afeto, mas senti como se suas unhas atravessassem minha pele. — Você é tão dramática, Lisa. No fim, é tudo sobre poder. E o poder… — ela lançou um olhar faminto para Alejandro — …é irresistível. Fiquei ali, vendo-a desaparecer entre os convidados, deixando atrás de si perfume caro e intenções frias. Um gosto amargo subiu pela minha garganta. Quis acreditar que ela estava errada. Quis crer que ainda existia algo além de ambição nesse mundo. Mas naquele salão sufocante, onde cada sorriso era ensaiado e cada olhar escondia segredos, a esperança parecia um luxo que eu já não podia sustentar. Nunca fui rebelde. Sempre cumpri meu papel. Mas naquela noite, pela primeira vez, desejei romper as correntes que me cercavam. Só por um instante, quis ser apenas… eu. Livre. Com a cabeça latejando e o peito apertado, caminhei até o banheiro do salão. Mal fechei a porta, apoiei as mãos na pia de mármore, tentando conter o tremor nos braços. Encarei meu reflexo. E mal reconheci a mulher do outro lado. Pálida. Olheiras profundas. Olhos apagados, como se a luz tivesse sido drenada de dentro de mim. Então aconteceu de novo. Uma gota vermelha caiu do meu nariz, traçando um caminho lento e cruel pela pele. — Merda, — sussurrei, pegando um punhado de papel às pressas. O sangue zombava de mim. Era uma prova concreta de que algo estava errado. Meu corpo gritava, mas eu continuava calada. Pressionei o papel contra o nariz, observando minha imagem desmanchar no espelho. Não era só o sangue. Era tudo. A exaustão constante. Os tremores. As manchas. Como se algo estivesse me corroendo por dentro — e ninguém visse. Pensei no meu pai, em Matteo, em Alejandro. Pensei na viagem que se aproximava. Espanha. Um novo continente. Um novo começo. Uma trégua. “É só estresse”, repeti, com a convicção frágil de quem já sabe que está mentindo. Mas o sangue não mente. A dor não mente. O vazio também não. Lavei as mãos, descartei o papel manchado e respirei fundo. Vesti meu melhor disfarce: um sorriso vazio. O tipo que minha família esperava. Ao sair, o salão me engoliu de novo. Luzes demais. Risos demais. Mentiras demais. Então vi Matteo se aproximar, os olhos estreitos, a testa franzida. — Lisa, está tudo bem? Pisquei. Controle. Sempre controle. — Só estou cansada, Matteo. Ele hesitou. Me observou por tempo demais. Mas não insistiu. Apenas assentiu com relutância e se afastou. A mensagem ficou no ar: algo está errado. Foi então que senti. O olhar dele. Alejandro. Do outro lado do salão, cercado por homens, brindes e promessas de poder. Mas ainda assim… seus olhos estavam em mim. Ele me encontrou com a precisão de quem sabe o que procura. E eu não desviei. Não consegui. Alguma parte de mim — frágil e faminta — queria aquele olhar. Queria ser vista. Queria ser notada por ele. Era insano. Perigoso. Imprudente. Mas, mesmo assim, eu permaneci. Vi Sofia ao lado dele. As mulheres o orbitavam como satélites em torno de um sol sombrio. E, estranhamente, não senti inveja. Senti desafio. Não queria ser mais uma. Queria ser aquela que ele não pudesse ignorar. Sem pensar, me movi. Caminhei com passos calculados, passando por ele. Nossos braços se tocaram levemente. Um gesto sutil. Mas intencional. Um convite. Um aviso. Saí para o jardim. O ar frio cortou minha pele como navalhas. A escuridão parecia viva, densa, carregada de segredos. Esperei. O tempo passou devagar, como se o mundo segurasse a respiração. Eu deveria voltar. Mas meus pés continuavam ali. Presos. E então, ele veio. Não ouvi passos. Apenas… soube. Sua presença era uma tempestade silenciosa. Uma jaqueta foi colocada sobre meus ombros. O calor súbito. O toque dele. Meu coração disparou. — Não acha que está muito escuro para alguém como você estar aqui fora, señorita Deluca? A forma como ele pronunciou meu nome… Arrastada. Intencional. Íntima. Me desmontou. Virei-me lentamente. E lá estavam aqueles olhos. A respiração dele se misturava à minha. Estávamos sozinhos. Sem máscaras. Sem plateia. Só nós dois. E o início de algo que, no fundo, eu sabia: não teria retorno. A forma como ele me olhava… Não era apenas desejo. Era fascínio. Curiosidade. Um estudo cuidadoso das minhas rachaduras. — Não costumo ser seguida, senhor Serrano — respondi, a voz baixa, mas firme. Mesmo que por dentro eu tremesse. — E eu não costumo me importar — ele retrucou, dando um passo mais perto. — Mas algo em você… chamou minha atenção. O silêncio entre nós era espesso. Vivo. Ele me estudava como quem decifra um enigma. Como quem vê além da pele e da postura. — Você está tremendo, — ele disse, tocando meu braço. — Está com frio… ou com medo? Não respondi. Porque a verdade era: os dois. E mais. Era desejo. Culpa. Raiva. Confusão. Era um furacão. — Eu… — tentei, mas falhei. — Shhh… — ele inclinou-se, roçando meu queixo com a ponta dos dedos. Ergueu meu rosto. Fez-me olhar nos olhos dele. — Você parece frágil, señorita… Mas tem um fogo escondido aí dentro. Eu consigo sentir. Engoli em seco. — Você não me conhece — sussurrei, tentando soar dura. Ele sorriu. Não um sorriso gentil. Era um aviso. Um prenúncio. — Ainda não. E então se afastou, como se não tivesse acabado de incendiar algo dentro de mim com um simples toque.






