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Capítulo 4 Alejandro Serrano - Enigmas e Barreiras

Festas me entediam. Especialmente as italianas. Um desfile de vaidades mascaradas de tradição, onde cada sorriso carrega um veneno e cada taça erguida sela uma ameaça disfarçada de brinde.

Mas há jogos que exigem presença. Neste, a ausência não é ausência — é provocação. E um homem como eu não desperta provocações sem propósito.

Ser visto, para mim, é tão estratégico quanto manter-se invisível. E, às vezes, o maior movimento é simplesmente… estar ali.

Sou Alejandro Serrano. Trinta e três anos. Capo da família Serrano.

Um nome que não precisa ser gritado para ser temido. Nosso império não é sustentado por discursos — é firmado em silêncio, contratos invisíveis e nas rotas ocultas por onde o mundo real se move.

Enquanto outros contam dinheiro, nós contamos medo.

E o medo, esse sim, é a única moeda que nunca desvaloriza.

Cheguei ao palacete dos Deluca com o mesmo olhar que uso ao cruzar fronteiras armadas: vigilante. Os Deluca são bons em disfarçar seus podres sob seda e lustres, mas eu enxergo o que se esconde sob os tapetes.

O cheiro do sangue nunca sai completamente. Ele está nos corredores, nos quadros dourados, nos olhos dos criados.

Meu objetivo era simples: avaliar.

Expandir território.

Selar acordos.

Don Marcello quer aproximação. Já insinuou uma aliança através de sua sobrinha, Sofia — mulher inteligente, afiada como uma lâmina recém-forjada. Bela. Articulada.

Mas previsível.

Cada gesto seu é um roteiro decorado.

E eu não gosto do que já vem pronto.

Foi então que a vi.

Lisa Deluca.

A filha esquecida.

A sombra dos Deluca.

A peça fora do tabuleiro.

Havia algo nela que imediatamente me desestabilizou. Não era a beleza — embora ela a tivesse.

Era o silêncio.

O modo como ela ocupava espaço sem pedir licença.

A maneira como seus olhos vagavam pelo salão como quem procura um caminho de fuga — ou, talvez, uma brecha de ar.

Fragilidade? Não.

Era rachadura.

E rachaduras me interessam.

Porque revelam o que está escondido sob a superfície.

Fingi que observava os homens ao redor, os brindes ensaiados, as promessas disfarçadas de aplauso.

Mas minha atenção estava nela.

No vestido escuro que tentava esconder os ombros curvados, nas mãos inquietas, no olhar que evitava o espelho do próprio reflexo.

Quando a vi sair discretamente do salão e desaparecer na escuridão do jardim, soube que não era descuido. Era fuga.

Fui atrás.

Não por impulso.

Mas por instinto.

E eu sempre confiei no meu instinto.

Ela estava ali, sozinha, com os braços cruzados sobre o peito e a pele nua enfrentando o vento da noite.

O silêncio que a envolvia gritava mais alto do que qualquer música.

Um silêncio doído. Vivo.

Ela parecia exausta. De tudo.

Aproximei-me em silêncio. Tirei minha jaqueta e a coloquei sobre seus ombros.

— Está escuro demais para alguém como você estar aqui fora, señorita Deluca.

Ela se virou devagar. Me encarou como quem reconhece um perigo, mas não recua.

E eu gosto disso. De pessoas que não recuam.

— Não sabia que estava sendo observada.

— Não estava. Eu apenas… observo.

Ela apertou a jaqueta contra o peito. Um gesto pequeno, mas revelador.

— E viu o quê?

— Rachaduras. Tentando se manter inteiras. — respondi sem rodeios. — E isso me atrai.

Ela piscou devagar, como se processasse as palavras. Como se não soubesse se deveria se sentir lisonjeada ou ofendida. Mas não respondeu.

Dei um passo mais perto.

— Cuidado, Lisa. A curiosidade pode te levar a lugares sem volta.

Ela sustentou o olhar.

Havia ali dor, sim.

Mas também coragem.

E uma centelha de algo que beirava o desejo.

— Talvez eu esteja cansada de voltar, — murmurou.

E então, sem que eu esperasse, ela me beijou.

Um toque suave, indeciso, mas carregado de tudo o que não havia sido dito: fome, desafio, solidão, desejo de existir.

— Algo em você me atrai, Alejandro Serrano. Mesmo sabendo que isso pode me destruir.

Toquei seu rosto. Pele fria. Olhos quentes.

— E você me atrai justamente porque pode me incendiar.

Ficamos ali, em silêncio.

Por segundos.

Minutos.

Ou uma eternidade disfarçada de noite.

Até ouvirmos passos.

Ela recuou. Rápida. Cautelosa.

Mas seus olhos permaneceram nos meus por mais tempo do que deveriam.

— Boa noite, Alejandro. — disse, com a voz baixa.

— Boa noite, señorita.

Ela se foi.

Deixando minha jaqueta sobre os ombros e um incêndio dentro de mim.

Fiquei no jardim por alguns instantes.

O ar parecia carregado.

Ela deixara mais do que um perfume leve.

Deixara um aviso.

Lisa Deluca não era uma peça no tabuleiro.

Era uma bomba-relógio.

E eu… queria ouvir o tique-taque.

Voltei para o salão com passos lentos.

O mesmo ambiente, as mesmas máscaras.

Mas tudo parecia diferente.

Eu havia tocado uma rachadura.

E agora queria ver o que mais ela escondia.

— Serrano. — ouvi atrás de mim. Don Marcello.

Nos afastamos para um canto reservado. Ele serviu duas taças de vinho. Sem cerimônias.

— Gosto de você, Alejandro. É direto. E entende o jogo. — começou ele, com um meio sorriso.

— Só jogo onde sei que posso vencer.

— Então entende que uma aliança entre nossas famílias é vantajosa. Sofia é forte. Ambiciosa. Não se distrai com sentimentalismos.

Levei a taça aos líbios. O vinho era seco. Forte.

Como as decisões que eu estava prestes a tomar.

— Sofia é admirável. Mas há algo que me interessa mais do que alianças fáceis.

Ele franziu o cenho.

— Está insinuando alguma coisa?

— Só estou dizendo que o que parece frágil… muitas vezes é o que mais resiste.

Ele me olhou longamente. Avaliando. Farejando.

Os velhos mafiosos sentem o cheiro do perigo antes mesmo de saberem o nome dele.

— Cuidado com onde pisa, Serrano. Algumas flores só crescem no meio do veneno.

Ergui a taça.

— E são essas que mais me fascinam.

Brindamos em silêncio.

Mais tarde, no quarto, deitei com os olhos abertos.

Sentia o perfume dela ainda preso à gola da camisa.

Pensava nos olhos dela.

Na dor.

Na vontade de ser vista.

Eu não devia ter me aproximado.

Não devia ter tocado.

Mas já era tarde.

Eu a tinha provado.

E agora…

Não havia mais volta.

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