Alice
Não precisei sequer colocar os pés para fora do aeroporto para sentir que aquele lugar representava o meu futuro, a minha salvação. Não importava o quanto fosse difícil - eu enfrentaria qualquer obstáculo só para ficar ali, longe do destino que Luca havia traçado para mim. Eu deveria pegar o táxi que me levaria até a casa da amiga da minha tia, mas preferi ser cautelosa. Conheço muito bem o meu pai. Se ele arrancasse qualquer informação da Sara, eu estaria de volta à Polônia antes do sol nascer. Luca era um assassino. E só por isso, o medo de ele descobrir que Sara me ajudou me corroía por dentro. Não acreditava que ele chegaria ao ponto de matá-la - afinal, estava em um país onde não confiava em ninguém além de si mesmo -, mas não podia contar com a sorte. Minha tia havia juntado, com muito esforço, uma quantia razoável. Mesmo contra minha vontade, ela me entregou esse dinheiro antes da minha partida. Partir sem ela já havia sido doloroso o suficiente. Sair levando o que ela juntou com tanto sacrifício, ainda mais. Mas era graças àquela quantia que eu conseguiria me manter por um tempo. Buscar um emprego era minha segunda prioridade. A primeira era encontrar um lugar para ficar. Por isso, ainda no país de origem, pesquisei na internet por quartos para alugar. Foi difícil. Sabia que não podia confiar em qualquer um - não era tão ingênua assim. Pedi, então, que a garota com quem conversei viesse me encontrar no próprio aeroporto. Havia muitas opções de aluguel, mas a maioria era com homens - e essa era uma possibilidade que eu descartei imediatamente. Julia, por outro lado, era brasileira, estudante universitária, e tinha praticamente a minha idade. Eu estava nervosa. Era a primeira vez que me encontrava sozinha, tão longe de casa, sem conhecer absolutamente ninguém. Minhas mãos suavam, e meu coração batia descompassado. No convento, aprendi muitas coisas. Valorizavam muito o ensino. Além da Bíblia, também estudávamos todas as matérias escolares. Eu não era a única garota por lá e até fiz algumas amigas - até o dia em que meu pai me encontrou e nos obrigou a fugir para outro país. Meu amor pelas línguas nasceu ali, com a irmã Lurdes. Ela era inglesa e falava três idiomas. Sempre a considerei a mais inteligente de todas. Foi ela quem me ensinou inglês e espanhol. Depois, quando fomos para a Polônia, tentei aprender mais dois: alemão e mandarim. Mas confesso que o mandarim era mais complicado do que física avançada. Por incrível que pareça, vi meu nome escrito em uma placa nas mãos de uma mulher de cabelos cacheados, tingidos de vermelho. Ela sorria de orelha a orelha. Quando me aproximei, parecia prestes a saltar de tanta empolgação. Aquela animação acabou me contagiando. Nunca havia sido recebida com tanto entusiasmo. Julia parecia ser uma colega de quarto divertida. Pelo menos era a impressão inicial. - Alice! Eu estava tão ansiosa! Ai, meu Deus, nem sei o que dizer! - exclamou com um entusiasmo quase infantil. Curioso, considerando que ela nem me conhecia. - Obrigada pela recepção - respondi, tímida e um pouco envergonhada. - Desculpa, é que eu nunca tive uma colega de quarto. Mas as coisas apertaram por aqui, então precisei abrir essa vaga no meu apartamento - explicou, falando tão rápido que eu mal conseguia acompanhar seu inglês. Mas me esforcei para entender. - Sabe, um cara esquisito se candidatou antes de você. Não queria um homem morando comigo. Meu irmão teria um treco. Mesmo assim, fui encontrá-lo. Fiquei morrendo de medo de ser golpe, sequestro, essas coisas. No fim, fingi que ia ao banheiro e fugi! Depois lembrei que, na descrição do anúncio, deixei meu endereço... fui muito burra! Ele podia bater lá e... sei lá, me matar! Mas graças a Deus, nada disso aconteceu. Fazia menos de dez minutos que nos conhecíamos, e eu já sabia mais sobre Julia do que sobre várias pessoas com quem convivi por anos. Pelo menos tive certeza de que ela não era uma assassina nem faria de mim uma escrava sexual. - Estou animada para conhecer tudo por aqui - comentei, forçando um sorriso. Ainda tentava processar a história surreal que acabara de ouvir. - Não se preocupa! Vou te mostrar tudo. O bom é que vamos estudar na mesma universidade. Talvez nossos horários não batam, mas já é alguma coisa. Ah, e preciso te alertar sobre alguns garotos da faculdade... Ela falava bastante - e rápido -, mas eu não me importava. Nunca tive uma amiga que realmente conversasse comigo. No convento, as garotas limitavam-se a falar sobre orações ou sobre a vida antes de entrarem para a vida religiosa. Enquanto caminhávamos para fora do aeroporto, Julia continuava a contar histórias sobre a faculdade e suas desventuras com colegas de classe. Eu me concentrava em entendê-la e, ao mesmo tempo, me preocupava com a possibilidade de ela morrer sem ar - de tanto que falava sem parar.Alice GiordanoNão era tão tarde quando chegamos ao apartamento de Julia. Ela me mostrou todos os cômodos e deixou claro que eu podia mexer em tudo - exceto no que estava dentro de seu quarto, o que era bastante óbvio.Ainda custava a acreditar no que estava acontecendo comigo. Nunca imaginei que um dia estaria em Londres, cursando Literatura, com a chance real de viver aqui - desde que conseguisse um emprego fixo. Esse era o meu objetivo agora.Jamais voltaria para a Polônia. E, sinceramente, acho que nem para Alessandria eu poderia voltar - tudo por causa do meu pai. Depois do que Sara me contou, passei a temê-lo ainda mais. Um homem capaz de matar uma família inteira e, além disso, vender a própria filha para um desconhecido, era capaz de qualquer coisa.Mais uma vez, minha consciência gritava, lembrando que minha tia ainda estava perto demais daquele homem. E isso me apavorava.Liguei para ela assim que me sentei na minha nova cama, deixando a mala para desfazer depois. Julia tinh
Alice GiordanoAinda não era tão tarde quando chegamos ao apartamento de Julia. Assim que cruzamos a porta, ela fez questão de me mostrar cada cômodo - a cozinha compacta, mas moderna, a sala com um sofá aconchegante e algumas plantas que davam vida ao ambiente, e o banheiro de azulejos claros. Ao final, apontou para o seu quarto e disse, com um sorriso leve, mas firme:- Pode se sentir em casa, mexa em tudo que precisar... menos aqui. - disse, referindo-se ao próprio quarto.Era compreensível. Um limite que eu respeitaria sem questionar.Enquanto caminhava pelo apartamento, ainda tentava acreditar que tudo aquilo estava mesmo acontecendo comigo. Londres. Eu, em Londres. Nunca imaginei que estaria nessa cidade, prestes a cursar Literatura, com a possibilidade real de construir uma vida aqui - desde que conseguisse um emprego fixo. Era esse o caminho que eu precisava seguir.Voltar para a Polônia? Nunca mais. E muito menos para Alessandria. Meu pai havia tirado de mim qualquer chance d
O dia de ontem foi surpreendentemente leve e bem aproveitado ao lado de Julia. Confessei a ela, entre risos e alguma vergonha, que não estava conseguindo acompanhar seu ritmo acelerado de fala. Ela sorriu e explicou que falava assim quando ficava nervosa - o que de certa forma nos ajudou a relaxar e quebrar o gelo logo de início.Foi divertido descobrir um pouco de Londres por seus olhos. Ela vivia ali há três anos, com o irmão, e conhecia bem cada esquina. Julia era brasileira e sempre sonhou em estudar fora do país. Falava disso com brilho nos olhos. Com entusiasmo, me apresentou alguns doces típicos do Brasil que tinha guardados na despensa - brigadeiro, paçoca, e um doce de leite macio que quase me fez chorar de alegria. Amei todos, sem exceção.Conversamos até tarde da noite. Era curioso e um pouco assustador pensar que, em apenas um dia, eu havia feito uma amizade tão verdadeira num país totalmente novo. Era como se alguma força estivesse me guiando ao encontro de pessoas certas
Giovanni ManciniUm mês antesEu nunca pedi para estar aqui - respirando, vivendo, assumindo o papel de empresário atrás de uma mesa elegante, rodeado por funcionários que esperam ordens. A verdade é que, se eu pudesse escolher, estaria sete metros debaixo da terra, enterrado ao lado de Polina e do nosso filho. Mas meu padrinho me salvou. Infelizmente.Passei três meses em uma cama, desejando do fundo da alma que a morte me levasse. Cada batida do meu coração era um lembrete cruel de que ainda estava vivo. Mas algo maior me puxou de volta - uma força mais intensa do que a dor: a raiva.Demorei para aceitar que não morreria, mesmo que esse fosse o único desejo que restava em mim. E, como não tive coragem de tirar a própria vida, fui forçado a continuar com o que me restava: lembranças, cicatrizes... e ódio.Os últimos anos foram os maiores professores. Me ensinaram lições que eu gostaria de ter aprendido antes de perder tudo o que realmente importava. Quando o destino está traçado, nad
Alice GiordanoA ansiedade corroía cada parte de mim no meu primeiro dia de aula. Nunca imaginei que um dia estaria feliz por esse motivo - entrar em uma das faculdades mais renomadas de Londres era algo que sequer ousava sonhar anos atrás.Apesar de não vivermos mais no século dezenove ou vinte, meu pai sempre agiu como se ainda estivéssemos naquela época. Falava constantemente sobre arranjar um casamento para mim, como se fôssemos uma família antiquada, onde as mulheres eram obrigadas a aceitar maridos escolhidos pelo patriarca.Odiava quando ele tocava nesse assunto. Durante muito tempo, acreditei que, com os anos, ele mudaria de ideia. Que talvez me amasse o suficiente para me deixar escolher meu próprio caminho. Mas eu estava errada. Luca nunca foi o pai carinhoso que desejei. Ele só se importava com ele mesmo e com as vantagens que poderia extrair de mim. Por tudo o que já vivi, ainda carregava o medo - o medo de cair novamente numa armadilha dele.Antes de sair do quarto, parei
Não sabia se me sentia aliviada ou decepcionada por ter apenas uma aula com o homem em quem esbarrei mais cedo. Agora, sentada no sofá do apartamento, repassando mentalmente cada momento do dia, concluí que talvez isso fosse até uma coisa boa.Eu não vim para Londres para me apaixonar. Vim para estudar. Consegui uma vaga em uma das melhores universidades e, graças à ajuda da Julia e do seu irmão, também conquistei um emprego. Um envolvimento amoroso só complicaria tudo.- Alice, tenho uma proposta pra você. Eu sei que você acabou de chegar, que não tem esse perfil de baladeira, mas essa é uma ótima oportunidade pra conhecer mais lugares. Além do mais... - Julia começou, e eu já sabia onde ela queria chegar. Há dois dias ela falava da tal festa. Só que eu... eu nunca fui de festas. Sempre fui a garota enclausurada, criada longe de tudo. Lugares com muitas pessoas, música alta e cheiro de álcool me causavam desconforto. Além disso, fui criada por freiras. O espírito festeiro nunca fez p
- Estou bem, só... preciso ir ao banheiro - falei, forçando um sorriso que até para mim soou amarelo.Só então notei que Julia não estava mais por perto. Meu impulso era procurá-la, dizer que queria ir embora, mas nem coragem eu tinha de confessar isso a Pierre. O banheiro foi apenas uma desculpa - uma saída estratégica para escapar daquela situação que me deixava cada vez mais desconfortável.Ele assentiu educadamente e apontou a direção. Segui, mas nem cheguei a entrar. O ar ali dentro parecia pesado, abafado... e quando percebi que o corredor do banheiro era próximo da saída, fui atraída por ela como por instinto. Antes de sair, me virei discretamente para ter certeza de que Pierre não estava olhando. Então, respirei fundo e atravessei a porta.O vento frio da noite me atingiu de forma revigorante, como um banho de realidade. O barulho abafado da música lá dentro ainda chegava aos meus ouvidos, mas do lado de fora tudo parecia mais... real. Respirei fundo, tentando encontrar um pou
Giovanni ManciniO nascer do sol em Alessandria sempre me pareceu o mais bonito do mundo. Talvez porque eu nunca tenha visto outro com os mesmos olhos, ou porque em nenhum outro lugar haveria o corpo quente de Polina entre os lençóis ao meu lado.Sua beleza completava a cena de forma quase cinematográfica. Nem a neblina suave da manhã conseguia ofuscar o brilho que emanava dela. Eu a observava como quem contempla um milagre, completamente hipnotizado, preso àquele momento como um tolo apaixonado.E eu era, sim, um tolo. Um bobo completamente rendido por amor. E não tinha vergonha disso. O amor trazia consigo uma estranha mistura de força e fragilidade. Ele nos deixava sensíveis ao menor gesto, nos fazia enxergar beleza nas pequenas coisas - como assistir o dia amanhecer ao lado de quem se ama.Mas algo começou a mudar. O céu, que deveria clarear, escurecia. O sol se apagava. E Polina... Polina desapareceu. De repente, eu estava sozinho na varanda da nossa casa.Levantei-me, alarmado,