Dentro da casa de veraneio, Júlia permanecia em silêncio, sentada diante do grande espelho, o coração acelerado e as mãos úmidas de suor. Do lado de fora, tudo já estava pronto. O campo se estendia, pontuado por cadeiras elegantemente alinhadas, flores brancas e tons pastel emoldurando o altar. Convidados murmuravam em expectativa. Adam a aguardava, de pé, em frente ao arco decorado, envolto pela brisa leve daquela tarde dourada.Um aperto no estômago lhe lembrava que o grande momento estava próximo. Foi quando Alice se aproximou, segurou sua mão com ternura e disse, em tom sereno:- Eu sei que está nervosa agora, mas tudo vai acontecer como deve ser. Respire fundo, olhe para ele e apenas... vá. O resto vai se encaixar.Júlia abraçou a amiga com força.- Obrigada por tudo, Alice. Sei que, se não fosse você e Giovanni, nada disso teria acontecido. Eu e Adam talvez nem tivéssemos se conhecido. Houve erros... mas eu não mudaria nada se o final fosse esse.Alice desviou o olhar, tentando
Meses depoisO grande dia finalmente se aproximava. O momento que, por meses, povoara os sonhos e temores de Adam e Júlia. O bebê estava prestes a nascer.Adam estava inquieto. Nunca passara por algo assim. Sentia-se completamente despreparado, tomado por um nervosismo que beirava o desespero. Em contrapartida, Júlia parecia surpreendentemente calma. Apesar das contrações que já começavam a se intensificar, ela mantinha a serenidade.- Respira, Adam. Vai dar tudo certo. Só precisamos ir para o hospital. - disse ela, com uma expressão firme, mas tranquila.Enquanto ela falava, Adam corria de um lado para o outro pela casa, tentando reunir tudo o que haviam separado para a maternidade: malas, documentos, mantas, lembrancinhas. Era um caos cômico. Júlia, mesmo entre contrações, riu baixinho ao vê-lo tão atrapalhado. Pegou calmamente as chaves do carro e caminhou até a porta. Adam surgiu no corredor, carregando as sacolas.- Como você consegue estar tão tranquila? - ele perguntou, quase i
Giovanni ManciniAntes de sair de casa, eu sempre fazia uma pausa. Apenas alguns minutos, parado na varanda, absorvendo a beleza silenciosa de Alessandria. Era uma cidade pequena, escondida no coração da Itália, mas seus campos se estendiam como mares verdes, e as colinas douradas ao longe brilhavam sob o sol da manhã como se guardassem segredos antigos. Era impossível não se perder naquele cenário - mesmo que por breves segundos.Minha família era dona de um dos maiores vinhedos da região. Tínhamos terras, tradição e um nome que carregava respeito... e rancor. Porque onde havia riqueza, havia disputa. E essa vinha de muito antes de mim. A rivalidade com os Giordano era antiga, cega e inútil - mas ainda assim, mortal.Eu não queria parte nisso. Não mais. Quando criança, meu irmão e eu presenciamos os horrores que esse orgulho envenenado causava. Perdi meu tio Álvaro por causa de uma vingança mal curada, uma morte fria e anunciada. Um ciclo de ódio herdado de geração em geração - tanto
5 anos depoisAlice GiordanoNão sou o tipo de pessoa que teve a sorte ao seu lado. Na verdade, posso dizer com certeza que a sorte nunca me notou. Quando perdi minha mãe, aos vinte e sete anos, fui descartada pelo meu próprio pai como se eu fosse um fardo - enviada para um convento, longe dos olhos dele, longe da sua frieza.E foi lá, entre freiras e orações, que vivi os dias mais felizes da minha vida.A fé era meu alívio. Rezava com fervor, pedindo um futuro melhor, um pai que me amasse, uma vida que não doesse tanto. Mas Deus, talvez ocupado com promessas maiores, me entregou um destino ainda mais cruel.Numa noite fria e encharcada de chuva, Luca Giordano apareceu no convento. Irrompeu pelas portas sagradas com a arrogância de sempre, e me levou com ele - quase à força - para um país desconhecido, com promessas que eu sabia que nunca seriam cumpridas. Polônia. Terra onde minha mãe nasceu, junto da mãe dele.Nada fazia sentido. Ele parecia paranoico, agressivo, mais sombrio do que
AliceNão precisei sequer colocar os pés para fora do aeroporto para sentir que aquele lugar representava o meu futuro, a minha salvação. Não importava o quanto fosse difícil - eu enfrentaria qualquer obstáculo só para ficar ali, longe do destino que Luca havia traçado para mim.Eu deveria pegar o táxi que me levaria até a casa da amiga da minha tia, mas preferi ser cautelosa. Conheço muito bem o meu pai. Se ele arrancasse qualquer informação da Sara, eu estaria de volta à Polônia antes do sol nascer.Luca era um assassino. E só por isso, o medo de ele descobrir que Sara me ajudou me corroía por dentro. Não acreditava que ele chegaria ao ponto de matá-la - afinal, estava em um país onde não confiava em ninguém além de si mesmo -, mas não podia contar com a sorte.Minha tia havia juntado, com muito esforço, uma quantia razoável. Mesmo contra minha vontade, ela me entregou esse dinheiro antes da minha partida. Partir sem ela já havia sido doloroso o suficiente. Sair levando o que ela ju
Alice GiordanoNão era tão tarde quando chegamos ao apartamento de Julia. Ela me mostrou todos os cômodos e deixou claro que eu podia mexer em tudo - exceto no que estava dentro de seu quarto, o que era bastante óbvio.Ainda custava a acreditar no que estava acontecendo comigo. Nunca imaginei que um dia estaria em Londres, cursando Literatura, com a chance real de viver aqui - desde que conseguisse um emprego fixo. Esse era o meu objetivo agora.Jamais voltaria para a Polônia. E, sinceramente, acho que nem para Alessandria eu poderia voltar - tudo por causa do meu pai. Depois do que Sara me contou, passei a temê-lo ainda mais. Um homem capaz de matar uma família inteira e, além disso, vender a própria filha para um desconhecido, era capaz de qualquer coisa.Mais uma vez, minha consciência gritava, lembrando que minha tia ainda estava perto demais daquele homem. E isso me apavorava.Liguei para ela assim que me sentei na minha nova cama, deixando a mala para desfazer depois. Julia tinh
Alice GiordanoAinda não era tão tarde quando chegamos ao apartamento de Julia. Assim que cruzamos a porta, ela fez questão de me mostrar cada cômodo - a cozinha compacta, mas moderna, a sala com um sofá aconchegante e algumas plantas que davam vida ao ambiente, e o banheiro de azulejos claros. Ao final, apontou para o seu quarto e disse, com um sorriso leve, mas firme:- Pode se sentir em casa, mexa em tudo que precisar... menos aqui. - disse, referindo-se ao próprio quarto.Era compreensível. Um limite que eu respeitaria sem questionar.Enquanto caminhava pelo apartamento, ainda tentava acreditar que tudo aquilo estava mesmo acontecendo comigo. Londres. Eu, em Londres. Nunca imaginei que estaria nessa cidade, prestes a cursar Literatura, com a possibilidade real de construir uma vida aqui - desde que conseguisse um emprego fixo. Era esse o caminho que eu precisava seguir.Voltar para a Polônia? Nunca mais. E muito menos para Alessandria. Meu pai havia tirado de mim qualquer chance d
O dia de ontem foi surpreendentemente leve e bem aproveitado ao lado de Julia. Confessei a ela, entre risos e alguma vergonha, que não estava conseguindo acompanhar seu ritmo acelerado de fala. Ela sorriu e explicou que falava assim quando ficava nervosa - o que de certa forma nos ajudou a relaxar e quebrar o gelo logo de início.Foi divertido descobrir um pouco de Londres por seus olhos. Ela vivia ali há três anos, com o irmão, e conhecia bem cada esquina. Julia era brasileira e sempre sonhou em estudar fora do país. Falava disso com brilho nos olhos. Com entusiasmo, me apresentou alguns doces típicos do Brasil que tinha guardados na despensa - brigadeiro, paçoca, e um doce de leite macio que quase me fez chorar de alegria. Amei todos, sem exceção.Conversamos até tarde da noite. Era curioso e um pouco assustador pensar que, em apenas um dia, eu havia feito uma amizade tão verdadeira num país totalmente novo. Era como se alguma força estivesse me guiando ao encontro de pessoas certas