Giovanni ManciniAntes de sair de casa, eu sempre fazia uma pausa. Apenas alguns minutos, parado na varanda, absorvendo a beleza silenciosa de Alessandria. Era uma cidade pequena, escondida no coração da Itália, mas seus campos se estendiam como mares verdes, e as colinas douradas ao longe brilhavam sob o sol da manhã como se guardassem segredos antigos. Era impossível não se perder naquele cenário - mesmo que por breves segundos.Minha família era dona de um dos maiores vinhedos da região. Tínhamos terras, tradição e um nome que carregava respeito... e rancor. Porque onde havia riqueza, havia disputa. E essa vinha de muito antes de mim. A rivalidade com os Giordano era antiga, cega e inútil - mas ainda assim, mortal.Eu não queria parte nisso. Não mais. Quando criança, meu irmão e eu presenciamos os horrores que esse orgulho envenenado causava. Perdi meu tio Álvaro por causa de uma vingança mal curada, uma morte fria e anunciada. Um ciclo de ódio herdado de geração em geração - tanto
5 anos depoisAlice GiordanoNão sou o tipo de pessoa que teve a sorte ao seu lado. Na verdade, posso dizer com certeza que a sorte nunca me notou. Quando perdi minha mãe, aos vinte e sete anos, fui descartada pelo meu próprio pai como se eu fosse um fardo - enviada para um convento, longe dos olhos dele, longe da sua frieza.E foi lá, entre freiras e orações, que vivi os dias mais felizes da minha vida.A fé era meu alívio. Rezava com fervor, pedindo um futuro melhor, um pai que me amasse, uma vida que não doesse tanto. Mas Deus, talvez ocupado com promessas maiores, me entregou um destino ainda mais cruel.Numa noite fria e encharcada de chuva, Luca Giordano apareceu no convento. Irrompeu pelas portas sagradas com a arrogância de sempre, e me levou com ele - quase à força - para um país desconhecido, com promessas que eu sabia que nunca seriam cumpridas. Polônia. Terra onde minha mãe nasceu, junto da mãe dele.Nada fazia sentido. Ele parecia paranoico, agressivo, mais sombrio do que
AliceNão precisei sequer colocar os pés para fora do aeroporto para sentir que aquele lugar representava o meu futuro, a minha salvação. Não importava o quanto fosse difícil - eu enfrentaria qualquer obstáculo só para ficar ali, longe do destino que Luca havia traçado para mim.Eu deveria pegar o táxi que me levaria até a casa da amiga da minha tia, mas preferi ser cautelosa. Conheço muito bem o meu pai. Se ele arrancasse qualquer informação da Sara, eu estaria de volta à Polônia antes do sol nascer.Luca era um assassino. E só por isso, o medo de ele descobrir que Sara me ajudou me corroía por dentro. Não acreditava que ele chegaria ao ponto de matá-la - afinal, estava em um país onde não confiava em ninguém além de si mesmo -, mas não podia contar com a sorte.Minha tia havia juntado, com muito esforço, uma quantia razoável. Mesmo contra minha vontade, ela me entregou esse dinheiro antes da minha partida. Partir sem ela já havia sido doloroso o suficiente. Sair levando o que ela ju
Alice GiordanoNão era tão tarde quando chegamos ao apartamento de Julia. Ela me mostrou todos os cômodos e deixou claro que eu podia mexer em tudo - exceto no que estava dentro de seu quarto, o que era bastante óbvio.Ainda custava a acreditar no que estava acontecendo comigo. Nunca imaginei que um dia estaria em Londres, cursando Literatura, com a chance real de viver aqui - desde que conseguisse um emprego fixo. Esse era o meu objetivo agora.Jamais voltaria para a Polônia. E, sinceramente, acho que nem para Alessandria eu poderia voltar - tudo por causa do meu pai. Depois do que Sara me contou, passei a temê-lo ainda mais. Um homem capaz de matar uma família inteira e, além disso, vender a própria filha para um desconhecido, era capaz de qualquer coisa.Mais uma vez, minha consciência gritava, lembrando que minha tia ainda estava perto demais daquele homem. E isso me apavorava.Liguei para ela assim que me sentei na minha nova cama, deixando a mala para desfazer depois. Julia tinh
Alice GiordanoAinda não era tão tarde quando chegamos ao apartamento de Julia. Assim que cruzamos a porta, ela fez questão de me mostrar cada cômodo - a cozinha compacta, mas moderna, a sala com um sofá aconchegante e algumas plantas que davam vida ao ambiente, e o banheiro de azulejos claros. Ao final, apontou para o seu quarto e disse, com um sorriso leve, mas firme:- Pode se sentir em casa, mexa em tudo que precisar... menos aqui. - disse, referindo-se ao próprio quarto.Era compreensível. Um limite que eu respeitaria sem questionar.Enquanto caminhava pelo apartamento, ainda tentava acreditar que tudo aquilo estava mesmo acontecendo comigo. Londres. Eu, em Londres. Nunca imaginei que estaria nessa cidade, prestes a cursar Literatura, com a possibilidade real de construir uma vida aqui - desde que conseguisse um emprego fixo. Era esse o caminho que eu precisava seguir.Voltar para a Polônia? Nunca mais. E muito menos para Alessandria. Meu pai havia tirado de mim qualquer chance d
O dia de ontem foi surpreendentemente leve e bem aproveitado ao lado de Julia. Confessei a ela, entre risos e alguma vergonha, que não estava conseguindo acompanhar seu ritmo acelerado de fala. Ela sorriu e explicou que falava assim quando ficava nervosa - o que de certa forma nos ajudou a relaxar e quebrar o gelo logo de início.Foi divertido descobrir um pouco de Londres por seus olhos. Ela vivia ali há três anos, com o irmão, e conhecia bem cada esquina. Julia era brasileira e sempre sonhou em estudar fora do país. Falava disso com brilho nos olhos. Com entusiasmo, me apresentou alguns doces típicos do Brasil que tinha guardados na despensa - brigadeiro, paçoca, e um doce de leite macio que quase me fez chorar de alegria. Amei todos, sem exceção.Conversamos até tarde da noite. Era curioso e um pouco assustador pensar que, em apenas um dia, eu havia feito uma amizade tão verdadeira num país totalmente novo. Era como se alguma força estivesse me guiando ao encontro de pessoas certas
Giovanni ManciniUm mês antesEu nunca pedi para estar aqui - respirando, vivendo, assumindo o papel de empresário atrás de uma mesa elegante, rodeado por funcionários que esperam ordens. A verdade é que, se eu pudesse escolher, estaria sete metros debaixo da terra, enterrado ao lado de Polina e do nosso filho. Mas meu padrinho me salvou. Infelizmente.Passei três meses em uma cama, desejando do fundo da alma que a morte me levasse. Cada batida do meu coração era um lembrete cruel de que ainda estava vivo. Mas algo maior me puxou de volta - uma força mais intensa do que a dor: a raiva.Demorei para aceitar que não morreria, mesmo que esse fosse o único desejo que restava em mim. E, como não tive coragem de tirar a própria vida, fui forçado a continuar com o que me restava: lembranças, cicatrizes... e ódio.Os últimos anos foram os maiores professores. Me ensinaram lições que eu gostaria de ter aprendido antes de perder tudo o que realmente importava. Quando o destino está traçado, nad
Alice GiordanoA ansiedade corroía cada parte de mim no meu primeiro dia de aula. Nunca imaginei que um dia estaria feliz por esse motivo - entrar em uma das faculdades mais renomadas de Londres era algo que sequer ousava sonhar anos atrás.Apesar de não vivermos mais no século dezenove ou vinte, meu pai sempre agiu como se ainda estivéssemos naquela época. Falava constantemente sobre arranjar um casamento para mim, como se fôssemos uma família antiquada, onde as mulheres eram obrigadas a aceitar maridos escolhidos pelo patriarca.Odiava quando ele tocava nesse assunto. Durante muito tempo, acreditei que, com os anos, ele mudaria de ideia. Que talvez me amasse o suficiente para me deixar escolher meu próprio caminho. Mas eu estava errada. Luca nunca foi o pai carinhoso que desejei. Ele só se importava com ele mesmo e com as vantagens que poderia extrair de mim. Por tudo o que já vivi, ainda carregava o medo - o medo de cair novamente numa armadilha dele.Antes de sair do quarto, parei