A manhã seguinte, véspera de Natal, nasceu com um céu de azul impecável e uma brisa morna que atravessava a ilha trazendo o cheiro do mar. Laura, porém, não carregava nada daquela serenidade. Mal havia pregado os olhos, e as olheiras denunciavam a noite de pensamentos inquietos.

Sentada na varanda, com a xícara de café entre as mãos, observava o mar calmo se estendendo até onde a vista alcançava. Mas dentro dela não havia calmaria. O que a deixara desperta não eram as tarefas do dia, mas o reencontro inevitável. Depois de anos, teria de encarar o ex-noivo — o homem que fora o grande amor da sua vida, com quem sonhara um futuro e a quem partira o coração. E, como se isso já não fosse suficientemente desconfortável, havia ainda o detalhe cruel: ele estava prestes a se casar... e era justamente o noivo do casamento que ela estava organizando.

Foi nesse turbilhão que Helena apareceu, trazendo a notícia de que não poderia acompanhá-la naquela manhã.

— A costureira antecipou a prova do meu vestido, e eu vou ter que ficar aqui. — disse Helena, mordendo o lábio inferior.

Laura percebeu a culpa pela desistência, mas também a fadiga. Helena parecia tão aflita por furar com ela, quanto entediada com a maratona interminável de provas e ajustes. 

— Então, o Miguel vai com você.

Diante da ideia, Laura engasgou com o café. 

— Não precisa, Helena. Consigo resolver tudo sozinha, é só uma questão de…

— Não seja boba. — Helena a interrompeu, rindo. — Ele também tem coisas para resolver no centro.

Laura tentou argumentar, mas Miguel surgiu à porta nesse exato momento, os ombros tensos e o olhar evitando o dela. Parecia igualmente desconfortável com a ideia.

— Helena, talvez não seja uma boa ideia. Eu vou acabar atrapalhando a a Laura.

— Vocês dois estão sendo ridículos. — Helena cruzou os braços, o tom ligeiramente autoritário. — Não tem por que complicar. É só uma carona até o centro, não é o fim do mundo.

Laura respirou fundo, sentindo o olhar insistente de Helena sobre eles. Ela sabia que não havia como escapar, finalmente cedendo.

Miguel hesitou por um segundo antes de assentir com a expressão ainda contida.

O trajeto até o centro da cidade, foi marcado por um silêncio forçado. As poucas palavras trocadas giraram em torno de banalidades — o clima, o movimento nas ruas, a beleza da ilha. Era evidente que ambos estavam evitando um novo confronto sobre o passado.

Na loja de roupas a rigor, Laura manteve-se no fundo, enquanto Miguel provava o fraque. Ele estava impecável, o tecido ajustado caindo perfeitamente sobre os ombros largos. Ela observava enquanto ele analisava o próprio reflexo no espelho, o alfaiate ao lado ajustando os últimos detalhes.

Era uma cena cheia de ironia. Laura, que anos atrás fantasiava sobre como seria ver Miguel de noivo, agora estava ali, só observando ele se arrumar para um casamento que não era com ela.

Miguel percebeu a expressão dela no espelho e desviou rapidamente, mantendo a sua expressão fechada.

— Está bom? — ele perguntou, dirigindo-se ao alfaiate, mas parecia falar mais para Laura.

Laura apenas assentiu quando ele olhou para ela através do reflexo, sem confiar na própria voz para responder.

Depois disso, seguiram para os outros lugares onde Laura precisava resolver pendências.

Na volta para o resort, o motor começou a engasgar. Miguel franziu o cenho, tentando manter o controle até o carro finalmente parar no acostamento.

— Ótimo! — Ele bufou, tentando dar partida no carro. Já impaciente, foi verificar o motor enquanto Laura permaneceu no banco do passageiro apreensiva.

Miguel voltou para o veículo com a expressão frustrada, passando a mão pelos cabelos antes de falar.

— Tenho uma boa e uma má notícia. A má é que o carro morreu e não tem como resolver aqui. A boa… falei com a Helena, e ela já vai chamar o guincho.

— Quanto tempo leva para chegarem aqui? — perguntou Laura, sentindo o desconforto aumentar.

— Uns trinta minutos.

Eles se encararam por um momento antes de Laura desviar o olhar, pegando o celular para se distrair.