Mas o silêncio no carro era opressor, e a tensão que pairava entre eles tornou-se insustentável.
Foi Laura que decidiu romper o silêncio. — Como você e Helena se conheceram? Miguel virou-se para ela, surpreso pela pergunta inesperada. Ele passou a mão pelos cabelos, ajeitando uma mecha que insistia em cair sobre a testa. O movimento foi rápido, despretensioso, mas Laura não conseguiu desviar o olhar, apertando os lábios. Havia algo naquela simplicidade — o jeito como ele franzia a testa levemente, os dedos deslizando pelos fios com naturalidade. — que a fez prender a respiração por um segundo. — O pai da Helena é meu mentor e meu chefe. Nos conhecemos em uma festa de aniversário dele, há dois anos. Laura arqueou uma sobrancelha, mas manteve o tom casual. — E aí vocês se interessaram um pelo outro? Miguel evitou o olhar de Laura enquanto respondia. — Foi isso. Conversamos um pouco na festa, começamos a sair, e com o tempo, as coisas foram acontecendo. — E quando decidiram se casar? — ela tinha os ouvidos atentos às nuances em sua voz. Miguel riu de nervoso sem saber onde ela queria chegar. — O pai dela deu uma força nesse sentido. Ele sempre gostou de mim e incentivou bastante a ideia. — Então, foi mais pelo incentivo do pai do que uma decisão de vocês? Miguel franziu a testa por um momento, antes de cruzar os braços e desviar o olhar para a janela. Do lado de fora, a paisagem verde dominava o horizonte, a mata se misturando com as pastagens extensas que permeavam a estrada. — Não foi assim. Eu pedi a Helena em casamento e ela aceitou. Laura manteve o olhar fixo nele antes de continuar, escolhendo as palavras cuidado. — Foi porque vocês queriam e não porque parecia o certo a fazer? Miguel fechou os olhos, seus lábios se apertaram em uma linha fina. Ele sabia exatamente o que Laura insinuava, mas não parecia disposto a dar a resposta que ela buscava. Quando finalmente voltou a olhar para ela, havia uma mistura de cansaço e algo mais nos olhos dele — um aviso sutil para que ela não ultrapassasse uma linha invisível. — Olha, Laura, o fato é que Helena e eu estamos juntos porque nos damos bem. Nós nos entendemos, temos carinho um pelo outro, e somos… amigos. Laura deixou a frase pairar no ar por um momento antes de perguntar, sua voz transbordando uma curiosidade genuína, porém incisiva: — Mas você a ama? Miguel hesitou, o desconforto crescia visivelmente em sua expressão. — Amor pode ter muitas formas. Com Helena é… um tipo diferente. É tranquilo. Sem grandes expectativas ou tempestades. Gostamos de estar juntos, e isso funciona. Laura sentiu uma indireta. Endireitou a postura, os olhos estreitos em direção a ele. — Continuo tentando entender como você acabou aqui, trabalhando para o pai dela, preso a tudo isso. Não parece você, Miguel. O que aconteceu com os seus planos? Seus sonhos? — O homem que você conheceu ficou no passado, Laura. — Eu nunca quis que fosse assim. — ela disse entre dentes, baixando o olhar para as mãos. — Isso não muda o que você fez. — A voz dele saiu mais ácida, escancarando uma ferida que parecia ter sido abafada por muito tempo. — Você foi embora. Sem explicar, sem nem me dar a chance de entender o que estava acontecendo. Ela abriu a boca, mas ele não deixou espaço para a resposta. — A gente estava bem. Planejamos um futuro juntos. E todos os planos incluíam você. Então, você terminou comigo e eu fiquei perdido. — Ele fez uma pausa e se inclinou. Foi um movimento lento e deliberado. O rosto dele parou a poucos centímetros dela. — Aquele homem… ele não sabia como continuar sem você.