Eu não pude impedir Rafael de atender William, era o Co-Ceo da empresa matriz afinal. Eu não o culpo. Luísa transferiu a ligação e eu aguardei com ela na recepção enquanto os dois conversavam.
— Como você está, Helena? - Ela pergunta acariciando meu ombro.
Noto que ela é a primeira a me perguntar “como” eu estou e não se “estou bem”. Parece bobo, mas é uma mudança considerável, é como se ela reconhecesse que não havia como eu estar bem, então perguntar se eu estava era ilógico. Sorrio me sentindo acolhida e respondo:
— Vocês ouviram os gritos, não é?
— Sim, infelizmente. Senta aqui. - Ela me guia até a poltrona de espera que fica no hall e pega um copo de água. — Toma, se precisar, acho que tenho um calmante na bolsa.
— Obrigada. - Respondo sorrindo e levando o copo aos lábios. — Mas não precisa, eu já estou bem mais calma.
— Eu não sabia que aquele era O Henry, ok? Achei que fosse UM Henry, entende? - Ela me diz se sentando na poltrona ao lado com uma expressão preocupada. — Eu teria te avisado, se soubesse.
— Não precisa se preocupar, Luh, nem pensei nisso.
Luísa não tinha como saber. Eu não mostrava fotos dele para ninguém, nem tinha porquê fazer isso. Depois do divórcio, apaguei todas as fotos com ele das redes sociais, e eu e ela só nos conhecemos depois disso. Ela sabia que eu tinha um ex-marido chamado Henry, mas só isso. Não sabia da sua profissão, nada a respeito dele. Eu preferia viver como se ele nunca tivesse existido. Já era suficiente a constante lembrança que havia dentro de mim, toda vez que eu via um casal apaixonado ou uma mãe empurrando um carrinho de bebê, era uma tortura que perdurava e da qual eu tentava me distrair como podia.
— Mesmo assim… - Luísa segurou minha mão com empatia no olhar. — Você quer ir pra casa? Pode conversar com o Dr. Rafael depois, não tem problema. Eu dou uma desculpa.
— Não, eu preciso falar com ele o mais rápido possível. Eu tava na entrevista, mas-
Eu parei minha fala ao ouvir a porta se abrir e os passos de Rafael se aproximarem. Pode ser que minha carreira terminasse bem ali. Como eu ia explicar minha atitude? Como eu ia fazer um homem adulto de 45 anos entender que eu não estava agindo pela lógica, mas sim sendo movida pelos efeitos de um trauma antigo meu. E eu admito, é um trauma, mas eu aprendi a conviver com ele e não estou disposta a deixar um estranho com diploma em psicologia tentar me destrinchar como se me conhecesse mais do que eu mesma. Então o que me sobra é isso, me afastar das possibilidades que me engatilham e seguir em frente. Enquanto eu pensava em como colocar isso em palavras sem me expor demais, Rafael chegou no hall. Eu me levantei desesperada dizendo:
— Dr. Rafael, eu juro que tenho meus moti- Ele me interrompeu erguendo a mão e sinalizando para eu parar de falar.
— Está tudo bem, Helena, o Dr. William já me explicou tudo. - Ele parecia… compreensivo? Não havia nenhuma pista de irritação em seu rosto ou em sua voz. — Ele pediu pra avisar que semana que vem, mesmo dia, mesmo horário, sua entrevista já está reservada.
— Como é? - Eu perguntei franzindo o cenho.
— Ele me contou que você recebeu uma notícia de sua mãe e precisou sair de lá correndo, ele garantiu que está tudo bem e que te aguarda na próxima semana. E cá entre nós - Ele se aproximou tocando meu ombro com um sorriso animado — Ele parecia bem entusiasmado. Acho que a vaga é sua mesmo!
— Ah… - Eu disse rindo meio forçadamente — Que bom, fico aliviada.
Os três rimos e eu disse que ia para casa, peguei um táxi e fui direto para meu apartamento enquanto minha mente acelerava. Por um lado, aquilo era bom, minha carreira estava a salvo. Rafael não saberia sobre meu comportamento e eu teria tempo de me preparar. Por outro lado, por que? Por que ele tinha insistido em mim? Rejeitar uma oferta de um CEO sem motivo aparente era suicídio profissional, principalmente quando eu tinha desperdiçado o tempo dele marcando uma entrevista. Eu seria vista como instável e imprevisível, características que não são bem recebidas no meio empresarial. Eu não sei se meu currículo era realmente isso tudo, mas sei de uma coisa: fosse qual fosse o motivo, ele parecia decidido a me contratar.
Chegando em meu apartamento, tomei um longo banho e preparei panquecas com molho bolonhesa. Cozinhar era uma válvula de escape minha e eu precisava tirar tudo aquilo da cabeça. Não houve nada de notório durante o resto do dia e a semana seguiu com tranquilidade, o funcionamento do escritório foi padrão. Quando finalmente chegou a noite anterior a manhã da entrevista, uma onda de ansiedade me atingiu. Eu me revirava na cama procurando algum tipo de conforto ou resposta no meu teto, mas tudo que eu encontrava era apenas a certeza de que se eu não encarasse a situação de frente, nada se resolveria. Pensando bem, talvez não fosse uma situação tão ruim. Primeiro que eu nem sabia se ele era casado, talvez ele já fosse comprometido. E, se fosse, tudo seria mais fácil. E ainda tinha mais: ele poderia não se interessar por mim, talvez ele fosse até gay! Sim, tinham muitas boas possibilidades e trabalhar lá ia ser bom pra mim.
Após algumas horas, o sono finalmente me agraciou com sua presença e eu adormeci. O dia amanheceu e eu estava consideravelmente mais positiva em relação a tudo. Tomei um bom banho, coloquei uma maquiagem leve que servia mais para cobrir as olheiras do que qualquer outra coisa. Meu cabelo preso num rabo de cavalo alto e outro terinho, dessa vez um cinza escuro. Peguei minha bolsa e o último detalhe: meu broche dourado. O caminho de táxi foi tranquilo, cheguei a recepção e não precisei me apresentar, já me conheciam. Fui guiada ao último andar, caminhei até sua sala e lá estava ele. De pé diante de sua janela, olhando para a cidade e sendo banhado por um leve luz da manhã.
— Dr. William. - Eu falei para indicar minha presença
Ele se virou com as mãos no bolso e sorriu gentilmente para mim:
— Helena.