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Angélica Montenegro abriu os olhos lentamente. A claridade suave da manhã entrava pelas cortinas brancas do quarto desconhecido. Ela piscou algumas vezes, tentando se localizar, mas nada parecia familiar. Nem o quarto. Nem o cheiro. Nem ela mesma. — Está acordada... — disse uma voz masculina, calma e firme. Ela virou o rosto em direção à voz. Um homem loiro, de olhos verdes tão profundos quanto o mar, se aproximava da cama com um leve sorriso. Vestia um jaleco branco, mas sua presença era mais quente do que qualquer coisa ao redor. — Quem... quem é você? — ela perguntou, com a voz fraca e o olhar confuso. Ele hesitou por um momento, como se aquela pergunta doesse mais do que deveria. Mas logo respondeu: — Sou o Dr. Willian Santander. Sou seu médico, Angélica. Ela franziu o cenho. O nome soava estranho, como se fosse de outra pessoa. Nada vinha à mente. Nenhuma imagem. Nenhum som. Só um vazio. — Não lembro de nada... nem de mim, nem de você — murmurou, com os olhos marejados. Willian sentou-se ao lado da cama, segurando sua mão com delicadeza. — Está tudo bem. Você sofreu um acidente, mas está viva. Vai se recuperar. Eu estou aqui com você. Angélica olhou para ele, tentando encontrar alguma lembrança naquele rosto tão sereno. Não encontrou nada... mas sentiu algo. Algo inexplicável. Um calor no peito. Uma segurança que ela não sabia de onde vinha. E, naquele instante, sem saber quem era, onde estava, ou o que o futuro reservava... ela começou a se apaixonar. ....... O silêncio do quarto era quebrado apenas pelo som do monitor cardíaco que marcava o compasso da vida de Angélica. Ela permanecia deitada, os olhos fixos no teto branco, onde a luz difusa refletia as dúvidas que agora habitavam sua mente. A presença do Dr. Willian Santander, tão firme e gentil, era a única âncora naquele mar de incertezas. Willian entrou novamente no quarto com uma prancheta na mão e um olhar cuidadoso. Os cabelos loiros um pouco bagunçados denunciavam as horas sem descanso, e seus olhos verdes, mesmo cansados, brilhavam ao olhar para ela. — Dormiu bem? — perguntou suavemente. Angélica assentiu com um leve movimento de cabeça. — Melhor do que esperava… apesar de tudo. Ele puxou a cadeira e se sentou ao lado da cama, apoiando os cotovelos nos joelhos, como quem procurava as palavras certas. — Preciso te contar algumas coisas — começou ele, com um tom mais sério. — Você sofreu um acidente de carro. Foi algo grave, Angélica. Quando chegou aqui, estava inconsciente, com múltiplas fraturas e um traumatismo craniano. Foram dias incertos… Ela arregalou os olhos, tentando absorver a informação. Levou a mão à cabeça, como se pudesse encontrar ali a memória perdida. — E... por que não lembro de nada? — sussurrou. — O trauma afetou sua memória recente e parte das memórias de longo prazo. É uma amnésia temporária, pelo menos é o que esperamos. Com o tempo, com estímulos... talvez elas voltem — respondeu, olhando-a com ternura. — E nós dois... nos conhecíamos antes disso? Willian respirou fundo. Aquela pergunta carregava um peso que ele ainda não sabia como lidar. — Sim. Você era… amiga da minha irmã, Camila. — Ele sorriu com a lembrança. — Costumava ir lá em casa quando éramos adolescentes. Sempre fui o irmão mais velho chato, lembra? Você me chamava de “doutor certinho”, antes mesmo de eu entrar na faculdade de medicina. Angélica sorriu sem saber exatamente por quê. Era como ouvir uma história de alguém que não era ela, mas que, de alguma forma, mexia com o coração. — E depois disso? Willian desviou o olhar por um instante, mexendo na aliança de prata em seu dedo. — Depois disso... você foi estudar fora por um tempo. Perdemos contato. E… bem… não posso deixar de ser honesto contigo, Angélica. Eu estou… estou comprometido. Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa com a mudança de tom na voz dele. — Comprometido? — Vou me casar com Diana, em dois meses. A notícia caiu como um balde de água fria. Angélica não entendeu o motivo do incômodo. Afinal, ela mal sabia quem era. Mas o sentimento estava lá, claro como o dia. Um aperto no peito, como se algo tivesse se partido — mesmo sem nunca ter existido de verdade. — Ah... entendo — respondeu, tentando disfarçar a decepção. Willian notou. Por mais que tentasse manter a distância profissional, não podia ignorar o que sentia. Ela era a mesma Angélica de antes, mas ao mesmo tempo… não era. Havia algo novo nela, uma doçura frágil, uma vulnerabilidade que despertava nele um desejo de proteger, de cuidar, de estar perto. — Eu vou cuidar de você, Angélica. Com toda a dedicação. Mas… também preciso ser justo com Diana. — Ele fez uma pausa. — Estou dividido, e isso não é certo com nenhuma das duas. Ela o observou em silêncio. Sentia-se estranhamente ligada a ele, como se o conhecesse há anos. Mas ao mesmo tempo, sabia que estava presa em uma realidade que não compreendia. — Talvez eu recupere a memória… e tudo isso faça sentido um dia — murmurou. — Talvez — disse ele, ficando de pé. — Mas até lá, o que você precisar, estarei aqui. Willian se afastou lentamente, e ao sair do quarto, encostou-se na parede do corredor. Suspirou fundo. O coração batia rápido, como se ele estivesse voltando no tempo — para aquela adolescência onde Angélica, com seus olhos verdes e risada espontânea, já mexia com ele de uma forma que nunca admitira. Dentro do quarto, Angélica fechou os olhos. Não lembrava do passado, mas alguma coisa lhe dizia que aquele homem… tinha sido muito mais do que o irmão da amiga.