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Srta. Mendes e o Sr. Coração de Gelo
Srta. Mendes e o Sr. Coração de Gelo
Por: Luna Barreto
Capítulo 1 – A Cidade Nunca Dorme

O despertador tocou às seis e vinte, como fazia todas as manhãs nos últimos meses. A luz suave da manhã atravessava a cortina rendada do pequeno apartamento no centro de São Paulo. O som da cidade — buzinas, sirenes, vozes apressadas — já pulsava lá fora como um lembrete cruel de que a vida não esperava ninguém, muito menos ela.

Isadora Mendes abriu os olhos lentamente. Por um instante, quis permanecer no calor dos cobertores, onde nada a lembrava da realidade dura que enfrentava diariamente. Mas não havia tempo para devaneios. A vida real era impiedosa.

Levantou-se, prendeu os cabelos castanhos claros em um coque desalinhado e caminhou até a cozinha minúscula. Colocou água para ferver e encarou o reflexo no vidro do micro-ondas. Seus olhos cor de âmbar pareciam ainda mais intensos na penumbra da manhã. Lindos, sim — mas também cansados.

Há dois anos, tudo desmoronou. O carro dos pais derrapou na estrada molhada numa volta comum do litoral. O telefonema no meio da noite. A sensação de desmoronamento. O silêncio ensurdecedor depois do enterro.

Sua tia — a única parente viva — chegou atrasada à cerimônia. Era uma empresária importante que vivia fora do país e, mesmo abalada, não pôde ficar. Após um rápido abraço, pediu desculpas e partiu às pressas, alegando uma urgência inadiável. Isadora mal teve tempo de conversar com ela. Depois disso, ficou completamente sozinha.

A faculdade de Administração foi deixada de lado. As contas chegaram antes. Conseguiu um emprego numa empresa promissora de inteligência artificial, onde a promessa de crescimento foi apagada por um ambiente tóxico e um chefe que confundia hierarquia com poder. A gota d’água veio quando, após semanas de insinuações e humilhações veladas, ele soltou uma frase nojenta durante uma reunião. Ela não respondeu. Apenas se levantou, recolheu suas coisas e saiu.

Agora, com vinte e um anos, desempregada, sem diploma e com o aluguel vencendo em uma semana, Isadora ainda assim se recusava a se curvar. Era teimosa. Era fogo. Era bonita de um jeito que incomodava — e não fazia ideia do quanto.

Tomou o café preto amargo como sempre, abriu a janela e deixou o vento da manhã lhe bagunçar o coque. Vestiu uma calça jeans surrada, camiseta branca, tênis limpo e pegou a bolsa. Ia sair para entregar currículos, bater de porta em porta como fazia nos últimos dias. Sabia que a maioria nem olharia seu nome, mas ela ia tentar. Sempre tentava.

Antes de sair, parou diante do espelho da sala. Respirou fundo.

— Vai dar certo — sussurrou para si mesma.

Desceu as escadas do prédio — o elevador estava quebrado de novo — e caminhou até o ponto de ônibus. O celular vibrou. Era uma mensagem de Sofia.

> Sofia: "Amiga, preciso MUITO falar com você. Urgente. Me espera no café da esquina? Tô chegando!"

Isadora respondeu com um “Ok” simples. Conhecia aquele tom. Sofia não era do tipo que exagerava. Havia algo sério ali.

Vinte minutos depois, as duas estavam sentadas numa mesa encostada na janela, com canecas fumegantes nas mãos. Sofia, como sempre, estava impecável: rabo de cavalo bem puxado, batom nude e blazer azul-marinho.

— Tá me assustando — disse Isadora, soprando o café. — O que aconteceu?

Sofia apoiou as mãos sobre a mesa e soltou:

— Tem uma vaga aberta na empresa onde eu trabalho. E eu te indiquei.

Isadora piscou. — Vaga de quê?

— Secretária do presidente.

Ela soltou uma risada nervosa. — Tá brincando, né? Eu? Logo pra secretária de CEO?

— Tô falando sério, Isa. O presidente do Grupo Alcântara. Lorenzo Alcântara. Frio, exigente, insuportável... mas respeitado. A antiga secretária pediu demissão ontem. E adivinha quem ele mandou caçar uma substituta com urgência?

Isadora ficou em silêncio por um instante. O nome soava como algo saído de uma série de drama de escritório. Lorenzo Alcântara. Nem o nome era simpático.

— Você surtou. Eu nem terminei a faculdade, nem tenho experiência com executivos de verdade... — começou ela, mas foi interrompida.

— Você é inteligente, organizada, fluente em inglês, tem boa escrita e uma memória absurda. Você é perfeita pro cargo. E mais: você precisa dessa chance. Vai por mim. Se não der certo, tudo bem. Mas tenta.

Isadora mordeu o lábio inferior, pensativa. A ideia era tão absurda que quase fazia sentido.

— Tá. Eu tento — disse, pegando o celular. — Mas se esse Lorenzo for um babaca, eu vou jogar café quente nele.

Sofia sorriu. — Não duvido nem um pouco.

Naquela manhã, Isadora Mendes deu o primeiro passo rumo a uma vida que mudaria tudo. Ela só não sabia ainda.

Mas o destino... ah, esse já estava bem à frente, esfregando as mãos.

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