Capítulo 2

Por alguns segundos, tudo ficou em silêncio. Um silêncio tão absoluto que até o som do meu coração pareceu desacelerar. A pergunta dele ainda pairava no ar, como fumaça de pólvora depois de um tiro: “Vem comigo, ou fica e espera eles virem de novo?”

Eu sou racional. Sempre fui. Treinada para pensar sob pressão, tomar decisões rápidas em meio ao caos. Mas aquilo… aquilo era diferente. Não era uma escolha clínica entre vida e morte. Era uma ruptura. Um abismo.

E eu pulei.

— Eu vou. — disse, sentindo a própria voz trêmula. — Só preciso de alguns minutos.

Luca assentiu, exausto, e voltou a recostar-se no sofá, enquanto Marco me lançou um olhar breve — de aprovação, talvez, ou de pena. Não sei dizer.

Corri para o meu quarto e puxei a mala que ficava guardada embaixo da cama. Ainda tinha poeira dos tempos em que eu imaginava que viajaria o mundo. Engraçado como a vida vira tudo do avesso num estalar de dedos. Agora, era fuga.

Joguei a mala aberta em cima do colchão e comecei a pegar roupas às pressas. Camisetas, calças, algumas peças íntimas. Um par de tênis. Lembrei do jaleco sujo de sangue e senti um aperto no estômago. Peguei outro, limpo, por instinto. Velhos hábitos.

No banheiro, escovei os dentes como se minha vida dependesse disso. Era um gesto automático, uma tentativa falha de manter alguma normalidade. Joguei uma escova de cabelo, remédios e alguns itens de higiene na nécessaire, que quase não fechava mais.

Minha mão tremeu quando peguei uma foto emoldurada da estante — eu e meu pai, no dia da minha formatura do ensino médio. O último aniversário que passamos juntos antes do aneurisma. Seu sorriso era sereno, mas seus olhos… escondiam tanto mais do que eu imaginava.

“Você é filha de Alejandro Vasquez. Médico do sangue.”

As palavras de Luca ecoavam dentro de mim.

Que diabos aquilo queria dizer?

Fechei a mala com força. Pronta ou não, eu estava indo.

Voltei para a sala carregando meu futuro em rodinhas barulhentas. Os homens de Luca já haviam tirado todos os rastros. O corpo sumiu. O sangue também. A porta, por milagre, parecia intacta — mas a sensação de segurança havia evaporado como fumaça de cigarro.

Luca foi colocado numa cadeira de rodas e empurrado até o carro por Marco. Eles agiam com precisão militar, e mesmo machucado, ele ainda passava a impressão de comando absoluto. Mesmo ferido, ele era o tipo de homem que fazia o mundo girar ao seu redor.

Quando me aproximei do carro, um SUV preto blindado, Marco abriu a porta traseira para mim. Hesitei por um segundo, respirando fundo.

— Alguma chance de eu voltar aqui viva? — perguntei, sem olhar para ele.

— Com o Chefe ao seu lado? — Marco respondeu, enigmático. — Tem mais chance do que se ficar sozinha

Entrei.

O interior do carro era luxuoso e cheirava a couro novo e pólvora. Luca estava ao meu lado, pálido, mas atento. Sua mão estava enfaixada, e uma linha de soro improvisada saía do braço, presa a um suporte amarrado ao banco.

— Você… parece melhor. — murmurei.

Ele riu fraco, um som rouco e surpreendentemente… humano.

— Você devia me ver nos meus piores dias.

— Acho que já vi.

Ele virou o rosto em minha direção, e nossos olhos se cruzaram por alguns instantes longos demais. Por um momento, esqueci onde estávamos. A cidade passava rápido do outro lado do vidro, as luzes da madrugada refletindo no metal preto como estrelas decadentes.

— Por que você confiou em mim? — perguntei, tentando escapar do peso do silêncio.

— Porque você podia ter me deixado morrer… e não deixou. — respondeu. — Isso diz mais sobre você do que qualquer diploma.

— E você podia ter me deixado fora disso. — rebati. — Mas me puxou direto por meio da guerra.

— Porque essa guerra já era sua. Só não sabia ainda.

Virei o rosto para a janela, tentando controlar a náusea. O mundo que eu conhecia tinha acabado. As provas, as aulas, os plantões… tudo parecia distante agora. Como se pertencesse a outra vida. A outra “eu”.

O carro saiu da zona central da cidade e começou a subir uma colina arborizada. Vi portões altos se abrirem à distância e câmeras girando para nos acompanhar. Quando cruzamos a entrada, percebi que não estávamos indo para um “esconderijo”. Era uma fortaleza.

Uma mansão de três andares, com janelas blindadas e cercas elétricas. Guardas armados caminhavam pelo terreno como sombras. Aquilo não era uma casa. Era uma base de guerra.

Fomos recebidos por mais homens. Um deles, um jovem de cabelos platinados e sorriso cínico, abriu a porta para mim.

— Então essa é a doutora que salvou o nosso rei. — disse com um sotaque carregado. — Bem-vinda à casa Moretti. Eu sou Matteo.

— Rei? — repeti, franzindo o cenho

— É só um apelido. — Luca murmurou atrás de mim.

— Que ele nunca corrige. — Matteo piscou.

Fui levada para um quarto no segundo andar. A cama era grande, com lençóis escuros e macios. Havia uma escrivaninha com computador, armário, banheiro privativo e… nenhuma janela visível. Tudo reforçado. Segredo absoluto.

Quando fiquei sozinha, sentei na cama e respirei fundo.

Eu tinha entrado num mundo onde cada passo poderia ser fatal. Um mundo em que homens armados me chamavam de “a doutora”. Em que Luca Moretti, o nome por trás de manchetes e crimes, estava sob o mesmo teto que eu — e confiava em mim.

A ficha ainda não tinha caído por completo.

Mas a queda… já tinha começado.

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