CAPÍTULO 2

O portão principal era uma obra de arte em ferro forjado com iniciais entrelaçadas: D.V. Acima, câmeras de segurança giravam suavemente, suas lentes pretas capturando cada movimento. Sofia não sorriu para elas. Apenas observou, estudando os ângulos, os pontos cegos potenciais, a distância entre o portão e a casa principal, quinze, talvez vinte metros de calçada de pedra portuguesa.

Seus dedos encontraram a pulseira de prata no pulso esquerdo g, um gesto automático e tranquilizador. A inscrição interna, desgastada pelo toque constante, ainda era legível: Sempre teu - M. Ela respirou fundo, o ar cheirava a terra molhada e flores de jasmim.

Antes que pudesse encontrar o interfone, um clique eletrônico soou e o portão deslizou aberto sem nenhum ruído. A mensagem era clara: ela já estava sendo observada há mais tempo do que imaginava.

A mansão, uma construção moderna de linhas limpas que paradoxalmente lembrava uma fortaleza. Jardins impecáveis, mas sem a desordem alegre que crianças normalmente criam. Nenhum brinquedo esquecido na grama, nenhuma bicicleta caída.

Quando alcançou a porta principal de madeira maciça, ela se abriu antes que pudesse bater. Uma mulher na casa dos quarenta, com traços nítidos e cabelo preso em um coque impecável, a observava com olhos cheios de julgamento.

— Sofia Ramos, presumo. — A voz era educada, mas sem emoção. — Eu sou Isadora Valente. Irmã de Dante. Por favor, entre.

O hall de entrada era de mármore branco. À esquerda, uma escada flutuante subia para o segundo andar. À direita, portas de vidro levavam a uma sala de estar que parecia mais uma galeria de arte do que um lugar para viver.

— Dante está em uma reunião por vídeo que se estendeu, — disse Isadora, guiando-a através do corredor. — Ele pediu que você conhecesse Léo primeiro. Acreditamos que a reação espontânea da criança é… mais reveladora do que qualquer entrevista formal.

Sofia assentiu, mas seus sentidos estavam em alerta máximo. Ela notou o sistema de segurança discreto, sensores de movimento no teto, câmeras nos cantos. Notou também os detalhes pessoais ausentes: nenhuma foto de família nas paredes, nenhum casaco jogado sobre uma cadeira, nenhum livro deixado aberto. Era uma casa que havia sido esvaziada de vida, ou de alguém que guardava a vida cuidadosamente trancada.

Isadora parou diante de uma porta fechada no final do corredor. Um pequeno quadro com letras infantis dizia “Quarto do Léo”. Antes de abrir, ela se virou para Sofia.

— Léo não fala. Não há dois anos, três meses e catorze dias, para ser exata. Ele se comunica através de gestos, às vezes desenhos. Não force. Não tente abraçá-lo. Não prometa que ele vai falar.

— E quantas babás já tentaram? — perguntou Sofia, sua primeira frase desde que entrara.

Isadora pausou, seus olhos estreitando-se levemente.

— Cinco esta semana. Dezoito nos últimos dois meses. Nenhuma durou mais que três dias.

— Por que eu seria diferente?

— Porque você escreveu na sua carta que crianças em silêncio gritam através de gestos, — Isadora respondeu, sua voz mais suave agora. — E Léo… ele tem muito para gritar.

A porta se abriu.

O quarto era grande, inundado de luz que entrava por janelas que iam do chão ao teto. Ao contrário do resto da casa, aqui havia evidências de vida – livros infantis em uma estante baixa, brinquedos organizados em caixas coloridas, desenhos colados na parede. Mas Sofia notou imediatamente: os brinquedos estavam organizados por cor e tamanho, não como uma criança brinca, mas como um adulto arruma. Os desenhos nas paredes eram todos do mesmo tema – carros, estradas, nuvens escuras.

E no centro do tapete, sentado com as pernas cruzadas, estava Léo.

O menino era pequeno para seus cinco anos, com cabelos castanhos escuros e olhos que pareciam grandes demais para o rosto pálido. Ele não olhou para a porta quando entraram. Seu foco estava inteiramente nas peças de quebra-cabeça espalhadas diante dele. Em suas mãos, uma única peça, mostrando parte de um rosto feminino.

— Léo, — Isadora disse, sua voz assumindo um tom artificialmente alegre. — Temos uma visita. Esta é a Sofia.

Sofia ajoelhou-se no chão, mantendo uma distância respeitosa. Não tentou falar com ele imediatamente. Em vez disso, observou. A tensão em seus ombros minúsculos. A forma como seus dedos apertavam a peça do quebra-cabeça até que as pontas ficassem brancas. A maneira como seus olhos, embora fixos no chão, captavam cada movimento periférico.

— Que quebra-cabeça lindo, — disse ela finalmente, sua voz calma, sem o tom agudo que adultos frequentemente usam com crianças. “Muitas peças. Você começou pelo céu?”

Léo não reagiu. Isadora, que permanecera na porta, cruzou os braços.

— Como eu disse, ele não...

— Às vezes, — Sofia continuou, como se Isadora não tivesse falado, — quando um quebra-cabeça é muito grande, eu gosto de começar pelas bordas. Cria uma estrutura. Mas você não gosta de bordas, não é?

Seus olhos haviam captado: todas as peças de borda estavam empilhadas em um canto, intocadas. Léo trabalhava no centro, no rosto.

Por um instante, quase imperceptível, a respiração de Léo mudou. Uma leve pausa, depois um pouco mais profunda.

Sofia não se moveu mais perto. Em vez disso, ela se sentou completamente no chão, afastando-se ainda mais um pouco, dando espaço. Abriu sua bolsa e tirou um caderno de esboços e uma caixa de lápis de cor. Não olhou para Léo enquanto os organizava ao seu lado.

— Eu também trouxe algo para fazer, — comentou, como para si mesma. — Às vezes minhas mãos precisam se ocupar enquanto eu penso.

Ela começou a desenhar. Linhas suaves, curvas. Não olhava para o menino, mas sua postura estava aberta, relaxada. Os minutos passaram. Isadora, na porta, começou a parecer impaciente.

Então, aconteceu.

Léo largou a peça do quebra-cabeça. Virou a cabeça, apenas alguns graus, na direção de Sofia. Seus olhos pousaram no caderno.

Sofia estava desenhando um jardim. Não os jardins perfeitos lá fora, mas um jardim selvagem, com flores de formas estranhas e uma árvore com galhos que se entrelaçavam como dedos. No galho mais baixo, sentado de costas para o observador, um menino pequeno.

Ela sentiu o olhar dele antes de vê-lo. Continuou desenhando, adicionando detalhes, um pássaro no galho acima, uma borboleta perto de uma flor.

— Este menino, — disse ela, ainda sem olhar para Léo, — gosta de sentar aqui e observar. Ele não fala com os pássaros, mas eles vêm até ele mesmo assim. Acho que eles gostam da quietude dele.

Ele se moveu. Não em direção a ela, mas para o lado, alcançando uma caixa de lápis que estava perto da estante. Ele escolheu um vermelho-carmesim e segurou-o, olhando para o lápis, depois para o desenho de Sofia.

Ela finalmente olhou para ele. Lentamente, virou seu caderno e o colocou no chão entre eles, junto com alguns lápis.

— Se você quiser adicionar algo, — disse ela. — Ou fazer seu próprio. Fica à vontade.

Isadora permaneceu na porta, imóvel. 

Não disse nada, mas a tensão em seu rosto era impossível de esconder um sorriso rígido demais, um olhar que observava cada movimento de Léo como quem vigia um território prestes a ser invadido. 

Não era ciúme… era algo mais... sombrio.

Léo olhou para o lápis vermelho em sua mão. Olhou para o desenho. Para Sofia. Seus olhos escuros eram poços de algo muito antigo para uma criança, hesitação, sim, mas também uma avaliação surpreendentemente aguçada.

Ele se arrastou pelo chão. Não perto o suficiente para tocar em Sofia, mas perto o suficiente para alcançar o caderno. Sua mão pequena pairou sobre o papel, o lápis vermelho tremendo levemente.

Então, ele desenhou.

Não no jardim, não na árvore. No canto inferior esquerdo da página, onde Sofia havia deixado espaço em branco. Uma linha vermelha. Depois outra, cruzando a primeira. Formando um ângulo. Mais linhas, feitas com pressão firme, quase furiosa.

Quando terminou, ele recuou rapidamente, como se tivesse tocado em algo quente.

Sofia olhou para o que ele desenhara. Seus próprios dedos formigaram.

Não era um desenho infantil de uma casa ou sol. Era um diagrama. Linhas que se encontravam em ângulos agudos. No ponto onde as linhas se cruzavam, ele pressionara o lápis com tanta força que o papel quase rasgara, criando um buraco vermelho escuro.

Era uma intersecção de estradas.

E no centro, uma mancha vermelha como sangue.

— Léo, — Isadora disse, sua voz mais afiada agora. — O que você desenhou?

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