Mundo de ficçãoIniciar sessãoO menino não respondeu. Seus olhos estavam fixos em Sofia, estudando sua reação com intensidade perturbadora.
Sofia não mostrou surpresa. Não mostrou alarme. Inclinou-se para frente, examinando o desenho como se fosse uma obra de arte em uma galeria.
— Esta estrada, — disse ela, apontando para uma das linhas. — É movimentada? Passam muitos carros?
Léo olhou para ela. Seus lábios se moveram – um tremor quase imperceptível. Nenhum som saiu, mas a forma que seus lábios fizeram foi clara:
— Não.
— É uma estrada quieta, — ela interpretou. — Onde coisas importantes acontecem.
Ele abaixou a cabeça em um movimento minúsculo, quase um aceno.
Na porta, Isadora estava completamente imóvel. Seu rosto havia perdido um pouco de sua compostura, revelando algo por baixo, não preocupação, mas… vigilância intensificada.
— Obrigada por me mostrar, — disse Sofia ao menino. — É um lugar importante para você.
Léo estendeu a mão novamente. Mas não pelo desenho. Pelo lápis vermelho que ela havia trazido. Ele o segurou, olhando para a ponta desgastada.
— Pode ficar com ele, — disse Sofia. — Eu tenho outros.
Ele fechou a mão ao redor do lápis, segurando-o contra o peito. Então, para surpresa de todos, ele pegou uma das peças do quebra-cabeça, a peça com o rosto feminino e a estendeu na direção de Sofia. Não perto o suficiente para tocar, mas oferecendo.
Sofia estendeu sua mão aberta. Léo colocou a peça nela. A porcelana era fria.
— Obrigada, — ela sussurrou.
Nesse momento, uma voz masculina ecoou pelo corredor.
— Parece que fizemos progresso.
Sofia se virou. Na porta, ao lado de Isadora, agora estava um homem. Alto, com traços marcantes que deveriam ser bonitos se não fossem tão imóveis. Cabelo escuro com alguns fios de prata nos templos. Olhos cor de âmbar que já a observavam com uma atenção tão completa que parecia física.
Dante Valente.
Seus olhos foram de Sofia para Léo, para o desenho no chão, para a peça do quebra-cabeça em sua mão. Algo mudou em seu rosto, uma fissura na compostura, tão rápida que Sofia quase duvidou de tê-la visto.
— Sofia Ramos, — ele disse, e seu nome em sua boca soou como uma conclusão, não uma apresentação. — Parece que você conseguiu em dez minutos o que outras não conseguiram em dias.
Ele entrou no quarto, e o espaço pareceu encolher. Sua presença preenchia o ar, tornando-o mais pesado. Ele se ajoelhou ao lado de Léo – não tocando nele, mas perto.
— Ele te deu uma peça do quebra-cqueça de sua mãe, — Dante observou, sua voz agora mais suave. — Isso é… significativo.
Sofia olhou para a peça em sua mão. O fragmento de rosto feminino, um olho, parte de um sorriso.
— É sua esposa?
— Era, — ele corrigiu, rispido.
Seus olhos encontraram os dela. E naquele momento, Sofia sentiu algo que não esperava – não atração, mas reconhecimento. Como se ele a estivesse vendo não como uma estranha, mas como alguém que ele esperava há muito tempo.
— Venha, — disse Dante, levantando-se. — Vamos conversar. Isadora, fique com Léo.
Sofia se levantou, colocando a peça do quebra-cabeça cuidadosamente no bolso. Quando ela passou por Dante, seu perfume suave com um toque amadeirado e metalico a envolveu por um instante.
Na porta, ela olhou para trás. Léo a observava, o lápis vermelho ainda pressionado contra o peito. Seus olhos diziam algo que sua voz não podia: "Não vá"
Mas ela foi. Seguindo Dante pelo corredor de mármore, sentindo o peso do olhar de Isadora em suas costas, a peça do quebra-cabeça fria em seu bolso como uma chave para algo que ela ainda não compreendia.
E à medida que se distanciavam do quarto, ela podia jurar que ouviu uma única palavra:
— Fica.
Mas quando ela parou, voltando-se, o corredor estava vazio. Apenas o eco de seus próprios passos e o silêncio opressivo da casa, que agora parecia menos vazio e mais… expectante.
Como se a mansão Valente, como seu dono e sua criança silenciosa, finalmente tivesse encontrado o que procurava.
E Sofia, com o lápis vermelho de Léo e a peça do quebra-cabeça de Clara, começou a entender que entrar naquela casa seria mais fácil do que jamais sair dela.
Sofia sentou, colocando sua bolsa no chão ao lado. Suas mãos tremiam ligeiramente – não de nervosismo, mas de alerta. Ela as colocou sobre os joelhos, firme.
— O que você achou de Léo? — A pergunta foi direta, sem preliminares.
— Ele está preso, — respondeu Sofia, igualmente direta. — Não em silêncio, mas em um momento específico. O que ele desenhou – aquela intersecção – é onde algo aconteceu.
Dante não mostrou surpresa. Seus olhos âmbar estudavam-na como um espécime raro.
— O acidente aconteceu em uma curva da estrada para Campos do Jordão. Não exatamente uma intersecção.
— Para uma criança de cinco anos, uma curva pode parecer uma intersecção. Onde um caminho encontra… outro destino.
Ele inclinou a cabeça, um movimento quase felino.
— Você não fala como uma pedagoga comum.







