Mundo ficciónIniciar sesiónCAPÍTULO 2 – “PERDIDO E ENCONTRADO”
Narrado por Théo Eu não gosto de shopping. Não gosto de muitos lugares, na verdade. Eles são sempre grandes demais, barulhentos demais, cheios demais. E meu pai… bem, meu pai está sempre ocupado demais. Quando eu disse “vou pegar água”, ele nem percebeu. Eu sei que não percebeu. Ele estava ao telefone, falando aquelas palavras difíceis que nunca sei repetir. Algo sobre ações, contratos, reuniões… sempre isso. Então eu fui. Só que, enquanto andava, vi um dragão. Sim! Um dragão de brinquedo gigante na vitrine. Eu tinha que ver de perto. Aí eu fui ver. E quando vi, já não sabia voltar. Parei no meio da praça de alimentação e senti aquela coisa horrível no peito—igual quando a gente cai da bicicleta. Muita gente andando rápido, crianças com mães, casais rindo, e eu… sozinho. Eu ia chorar um choro grande, daqueles que fazem barulho, mas aí ela apareceu. Ana. A moça de cabelo castanho que parecia triste e feliz ao mesmo tempo. Uma mistura que eu nunca vi antes. Quando ela agachou e perguntou “tá tudo bem?”, eu engoli o choro. Ela tinha uma voz boa, uma voz de abraço. E eu pedi pra ela ficar comigo. Não sei por quê. Só pedi. A gente foi pegar sorvete e eu contei que meu pai não olha pra mim. Mas isso não é bem verdade. Ele olha… mas olha como se estivesse vendo outra coisa. Como se estivesse pensando em números ao invés de mim. Ana me escutava. Escutava de verdade. Movia a cabeça, fazia perguntas, ria. Eu gostei dela na hora. Mas aí… tudo acabou quando os seguranças chegaram correndo. Eu reconheço eles pelo jeito que olham em volta—como se o mundo fosse perigoso e eu fosse feito de vidro. Eles sempre ficam me seguindo nas viagens. Às vezes é chato. Quando vi meu pai entre eles, meu coração fez tum-tum bem forte. Ele estava com aquela cara dele de “eu estou no controle de tudo”, mas eu sei quando ele está preocupado. Ele fica com a mandíbula apertada. Igual agora. — Pai! — eu gritei, porque eu sempre grito quando vejo ele. Eu gosto dele, sabe? Mesmo quando ele parece um robô. Ele me pegou no colo e eu abracei o pescoço dele. Ele ficou duro por um segundo, como se não entendesse o abraço. Mas depois… ele segurou firme. Quando ele olhou pra Ana, eu fiquei com medo. Meu pai tem dois olhares: O que manda. E o que decide. Esse era o que decide. Eu segurei a mão dela antes que ele falasse qualquer coisa ruim. — Pai, ela é legal. Ele respirou daquele jeito que parece um bufar de cavalo elegante. — Você estava com ela? — ele perguntou. — Sim! Ela ficou comigo e a gente tomou sorvete azul! Ele olhou pra Ana. Ela parecia nervosa, mas não recuou. Ela é corajosa. Eu vi isso. Eu senti isso. Quando meu pai perguntou se ela queria trabalhar pra gente, eu prendi a respiração. Eu tinha medo que ela dissesse não. Porque eu gostei dela. E eu sempre perco as pessoas que gosto. Sempre. Mas ela disse que podia tentar. “Tentar” é quase “sim”. E isso me deixou feliz. Meu pai me colocou no chão, deu umas ordens rápidas pros seguranças, e de repente estávamos andando atrás dela. Ou melhor, atrás da vida dela. Ela só tinha uma mochila pequena. Eu achei estranho. Onde estavam as outras coisas dela? Onde estava a casa dela? Eu puxei o braço dela. — Cadê suas coisas? Ela sorriu triste. — Aqui dentro. Só isso? Eu ia perguntar mais, mas meu pai chamou: — Ana Clara. Meu coração deu um mini salto. Ele tinha perguntado o nome dela e agora estava dizendo como se memorizasse. Ela parou na frente dele. — Sim? — Podemos conversar um pouco sobre o trabalho? Ela assentiu. Eu fiquei perto dos dois porque eu não queria que ela fosse embora. Meu pai falou daquele jeito dele, sério, direto: — Será por algumas semanas, enquanto estivermos no Rio. Meu filho gostou de você. E isso é algo… incomum. Eu rosnei baixinho. — Ei! Eu gosto de pessoas. — De pouquíssimas — ele corrigiu. Eu cruzei os braços. Ele continuou: — Horários flexíveis, salário justo. Alguém ficará responsável por levá-la e trazê-la. Ela pareceu impressionada. Mas também… assustada. — Eu nunca trabalhei como babá. — ela murmurou. Meu pai inclinou ligeiramente a cabeça. — Não estou procurando alguém experiente. Estou procurando alguém que meu filho confie. Eu sorri. Ela olhou pra mim e eu fiz a maior cara fofa que pude. Eu sou bom nisso. Meu pai suspirou como se estivesse pensando mil coisas por dentro. — Se aceitar, começamos amanhã. Mas antes… — Ele a avaliou de novo. — Quero que venha conhecer nosso hotel e o espaço onde ficará com Théo. Assim saberá onde está se metendo. Ela baixou os olhos. Acho que estava com medo. Mas aí… ela levantou de novo. — Eu aceito conhecer. Eu levantei os braços para que meu pai me pegasse no colo novamente. Ele fez aquela cara de “isso não era parte do contrato”, mas me pegou mesmo assim. Enquanto caminhávamos, eu olhava para Ana do lado. Sem perceber, ela sorria pra mim. E eu sorria pra ela. Eu não sabia explicar, mas algo no meu peito dizia que a minha vida—que sempre foi cheia de silêncio—estava prestes a ficar mais barulhenta. E eu não achava isso ruim. Quando chegamos perto da saída, Ana murmurou baixinho: — Obrigado por confiar em mim, Théo. Eu apertei a mão dela. — Eu acho que você salvou meu dia. E talvez… talvez ela tivesse salvo algo mais que isso. Sem saber, sem perceber, sem querer… Ana Clara estava entrando nas nossas vidas. Na vida do meu pai. Na minha. E eu já sabia que nada seria igual.






