Âmbar
— Você está bem mesmo? — perguntou novamente. Sua voz grave e carregada de preocupação me envolveu como um cobertor quente.
— Machucou-se? Não queria que isso tivesse acontecido. — Ele me estendeu a mão e, sem hesitar, aceitei. Sua pele era quente contra a minha, firme, mas gentil, enquanto me ajudava a levantar.
— Sim, estou bem — respondi, tentando esconder o incômodo que o corte em meu joelho começava a causar.
No momento em que fiquei de pé, um gemido escapou de meus lábios. A dor era suportável, mas a calça grudada ao arranhão fazia tudo arder mais. Olhei para baixo e vi o pequeno rasgo na calça, com manchas vermelhas indicando que o machucado começava a sangrar levemente. Meu fone, que caiu junto comigo, agora estava em pedaços no chão.
— Ai!
— Você precisa limpar isso — Se inclinou um pouco para olhar o corte. Seus olhos estavam fixos no meu joelho, mas eu não conseguia tirar os meus dele.
Ele tinha um rosto que parecia esculpido à mão, com traços marcantes e um toque suave de seriedade. Suas sobrancelhas escuras eram ligeiramente arqueadas, e os lábios, grossos e perfeitamente delineados, moviam-se enquanto ele falava algo que eu mal conseguia ouvir, perdida em minha própria confusão.
— Não precisa, sério mesmo — falei, voltando a mim. — Foi só um arranhão; ardeu quando a calça encostou, mas não foi nada demais.
Ele levantou os olhos para mim e, naquele momento, algo dentro de mim se agitou. Havia uma gentileza e, ao mesmo tempo, uma intensidade neles que me deixaram inquieta.
— Mas pode infeccionar, eu... não queria machucá-la. Me desculpe.
Foi instintivo: segurei sua mão. Não sei por que fiz aquilo, mas senti que precisava acalmá-lo.
— Não se preocupe, está tudo bem. Eu que não olhei a rua antes de atravessar.
Por alguns segundos, ficamos ali, em silêncio. A brisa bagunçava meus cabelos, e ele parecia quase hipnotizado ao observar meus fios ruivos ao sol.
— Você é tão linda, daria uma bela pintura.
O impacto daquelas palavras fez meu coração disparar e senti meu rosto esquentar. Eu sabia que estava corando.
— Ficou ainda mais linda com esse tom de vermelho que tomou conta do seu rosto — acrescentou, e, antes que eu pudesse desviar o olhar, ele segurou meu queixo com delicadeza, como se quisesse que eu mantivesse os olhos nos dele.
Meu coração parecia querer pular para fora do peito. Havia algo no toque dele, na proximidade, que me fazia perder qualquer noção de lógica.
— Meu fone quebrou — disse, numa tentativa desesperada de desviar o foco da intensidade que tomava conta daquele momento.
— Eu te dou outro. Você mora aqui perto?
A pergunta me trouxe de volta à realidade. Respirei fundo e apontei para a direção da minha casa.
— Sim, minha casa fica para lá. Eu estava indo para a escola.
— Eu te levo até a escola e lá você limpa seu joelho, tudo bem?
Olhei para ele, hesitante. Sua proposta parecia genuína, mas ainda assim… eu mal o conhecia.
— Não precisa, eu vou andando mesmo. Minha escola não é tão longe daqui.
— Nada disso, eu te levo. Vou passar uns dias na casa do meu tio e, pela direção que apontou, sua casa não fica longe da dele.
— Ah! Então, você não é daqui?
— Não, eu moro em Chicago e vim passar alguns meses com meu tio. — Ele me ajudou a entrar no carro, que parecia novo e caro demais para alguém que dizia estar de passagem.
Eu sabia que poderia estar cometendo uma loucura ao aceitar carona de um estranho, mas havia algo nele que me passava confiança. Talvez fosse o olhar honesto ou o tom de sua voz. Ou talvez fosse apenas o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, eu queria confiar em alguém.
Ele colocou o cinto de segurança em mim, algo que ninguém nunca havia feito antes, e me entregou minha mochila, que havia caído no chão. Suas mãos roçaram as minhas por um breve segundo, e aquele toque, embora pequeno, parecia elétrico.
— Nem perguntei seu nome. Sou Christopher, prazer.
— Âmbar.
— Pedra de cor alaranjada e com um significado muito bonito — disse ele, sorrindo. — Significa “pedra preciosa de cor amarelo-alaranjada”, “amuleto da sorte”, “vestimenta” ou “céu”.
Enquanto ele explicava o significado do meu nome, eu apenas o observava, com uma fascinação brilhando nos meus olhos, como se cada palavra que ele dissesse fosse uma melodia destinada a mim. Sua voz grave preenchia meus ouvidos de forma quase hipnotizante, e uma sensação estranha, mas ao mesmo tempo deliciosa, borbulhava no meu estômago. Meu corpo parecia estar em um estado de alerta, como se reagisse instintivamente à sua presença.
Meus olhos estavam fixos nos movimentos dos seus lábios grossos, que se curvavam em um leve sorriso enquanto ele falava. Cada palavra parecia carregar uma energia magnética e, por um instante, me vi tomada por uma vontade imensa, inexplicável e absurda de beijá-lo.
Por que eu estava sentindo isso? Era irracional, loucura até. Eu sequer o conhecia e, além disso, nunca tinha beijado ninguém. Era um território desconhecido para mim, algo que eu só conhecia dos livros ou filmes que devorava nas noites solitárias. Mas ali estava eu, desejando algo tão íntimo com um completo estranho.
Tentei afastar aquele pensamento, mas não consegui ignorar a força com que ele me atraía. Era como se ele fosse um ímã, e eu, uma peça de metal incapaz de resistir. Havia algo nele — algo em seus gestos, em sua voz e na intensidade de seu olhar — que mexia com partes de mim que eu nem sabia que existiam. E, de repente, o mundo ao nosso redor parecia ter desaparecido, como se existíssemos apenas nós dois naquela manhã iluminada.
Eu sabia que aquilo era insano. Eu sabia que não fazia sentido. Mas, naquele momento, enquanto ele continuava a falar, não conseguia evitar.
— Lindo, não é? — Sua pergunta interrompeu o fluxo confuso dos meus pensamentos, me puxando de volta à realidade.
— Lindo mesmo! — comentei, sem saber o que mais dizer.
— Seu nome combina com você, Âmbar. É lindo, assim como quem o carrega.
Fiquei sem graça, virei o rosto para a janela e observei a rua até chegarmos à escola. Esse poderia ser o significado do meu nome, mas estava longe de ser minha realidade. Eu não era amuleto da sorte para ninguém e muito menos afastava energias negativas, já que parecia que tudo de ruim sempre acontecia comigo.
— Chegamos.
— Muito obrigada!
— De nada. E não se preocupe, vou te comprar um fone novo.
— Não precisa se preocupar.
— Nada disso, eu vou comprar, e amanhã mesmo trago para você.
— Tudo bem — dei-me por vencida. — Até amanhã, então.
— Até amanhã, Âmbar. E cuide do joelho, por favor.
Assenti, sem conseguir responder, e saí do carro, sentindo o peso de muitos olhares curiosos sobre mim. Alunos e funcionários da escola pararam o que estavam fazendo para observar o carro luxuoso e o estranho que me deixava na porta. Suas expressões variavam entre surpresa e especulação, mas eu ignorei todos eles. Mantive minha cabeça baixa e segui em direção à entrada, abraçando minha mochila contra o peito como se fosse um escudo.
No momento em que pisei no corredor da Lincoln High School, uma sensação diferente tomou conta de mim. Era como se algo pesado tivesse sido tirado de meus ombros, e, pela primeira vez em muito tempo, um calor leve e reconfortante invadiu meu peito. Aquele corredor, com suas paredes decoradas por cartazes da próxima feira de ciências e o eco dos passos apressados dos alunos, parecia mais acolhedor do que nunca.
Era difícil explicar, mas senti como se algo bom estivesse prestes a acontecer na minha vida. Meu coração, que ainda batia acelerado por causa de Christopher, começou a desacelerar, mas agora parecia preenchido por uma esperança desconhecida.
Será que minha sorte finalmente mudaria? Pensei, enquanto meus dedos roçavam a alça da mochila. Será que esse sentimento era a prova de que nada estava perdido, de que o universo, tão cruel até agora, finalmente havia resolvido ser bom comigo?
Passei pelos armários alinhados, respirando fundo. Algo dentro de mim parecia sussurrar que eu estava no início de algo grande, algo diferente, algo que poderia finalmente trazer a felicidade que eu tanto sonhava encontrar. Será que eu estava prestes a descobrir o que era realmente viver?
Meu peito se encheu de uma espécie de certeza ansiosa, quase palpável. Sim, é isso, pensei, sentindo uma ponta de euforia brotar de dentro de mim. Algo finalmente estava mudando. O encontro inesperado com Christopher, o calor de sua voz, o toque breve de suas mãos... tudo aquilo parecia um sinal de que minha vida estava prestes a tomar um rumo diferente.
Mas, ao mesmo tempo em que essa sensação me preenchia, algo ainda mais profundo, uma voz quieta e quase sufocada dentro de mim, sussurrou algo inquietante.
Essa felicidade… será que ela vai durar?
Minha mente tentou afastar o pensamento, mas ele permaneceu ali, como uma sombra teimosa. E, no fundo, uma parte de mim sabia que aquele momento de paz e esperança era efêmero, como areia escorrendo entre os dedos.
Eu só não sabia que essa felicidade estava prestes a escorrer por entre meus dedos como areia.