O dia amanheceu cinzento. Uma neblina estranha encobria a cidade, como se ela mesma sentisse que algo ruim estava prestes a acontecer.Leonel acordou sozinho na cama.— Luna? — chamou, ainda com a voz rouca do sono.Nada.O banheiro estava vazio. O closet, intacto. Mas quando se aproximou da cômoda, notou algo estranho: o celular dela estava ali. Desligado. E o colar de prata que ela nunca tirava — presente de sua mãe — estava sobre a penteadeira.Um arrepio percorreu sua espinha.Ele pegou o telefone e ligou para o segurança do andar.— A senhorita Luna saiu?— Senhor Bragança, não, senhor. A última vez que a vimos foi às 23h, quando os dois entraram juntos.— Algum movimento incomum?— Houve uma queda de energia por sete minutos, por volta das três da manhã. Mas os geradores entraram em ação. Câmeras ficaram fora do ar nesse intervalo.Leonel sentiu o sangue sumir do rosto.— Quero todas as imagens. Agora.Ele desligou e correu até o escritório. Ligou para Felipe, o detetive.— Luna
A chuva caía fina quando Leonel, ao lado de Marcelo, parou diante de um galpão abandonado no distrito industrial da cidade. A estrutura enferrujada parecia prestes a desabar, mas era exatamente ali que Marcelo garantia estar o primeiro rastro deixado por Alícia.— Certeza que é aqui? — Leonel perguntou, cerrando os punhos dentro do casaco escuro.— Alícia sempre teve um gosto peculiar por lugares simbólicos. Esse galpão pertencia ao seu pai… ou melhor, ao homem que ela achava que era seu pai.Leonel o encarou, confuso.— Como assim?— Entra. É melhor você ver com seus próprios olhos.Marcelo destravou a porta lateral com uma chave antiga e os dois entraram. O lugar tinha cheiro de mofo e madeira apodrecida. As luzes não funcionavam, então Marcelo acendeu uma lanterna.Caminharam por corredores estreitos e escadas até chegar a uma sala escondida no fundo. No centro, uma mesa antiga coberta por um pano empoeirado. Marcelo retirou o tecido com cuidado, revelando dezenas de pastas, fotos
O frio cortava os ossos. O silêncio era denso como fumaça.Luna caminhava a passos trêmulos pelo corredor úmido e escuro, guiada apenas por uma pequena luz de emergência que piscava no teto baixo. A fuga havia sido por instinto — forçou as cordas até machucar os pulsos, que sangravam levemente. Achou a tranca solta da porta lateral. Escapou.Mas agora... ela estava presa num labirinto.Um internato abandonado. O lugar onde, segundo ouvira no rádio, Alícia havia sido criada. Um orfanato frio, financiado em segredo pelos Bragança para esconder escândalos e filhos indesejados.Luna encostou-se na parede. Precisava pensar.Foi então que ouviu passos. Não fortes. Não corridos. Passos calmos. Precisos.Ela se escondeu atrás de uma porta meio caída e segurou a respiração.A sombra se aproximava.Alguém vestia um sobretudo escuro, alto, elegante… e quando parou diante de um grande espelho trincado ao fim do corredor, Luna viu o rosto refletido.Não era Alícia.Era Rodrigo Bragança.O irmão de
A porta rangeu com o impacto. Leonel não pensou duas vezes. Entrou no internato com o coração batendo como um tambor.O ar era pesado, carregado de passado.A cada passo, ouvia ecos — lembranças que nem eram suas, mas que pareciam querer invadir sua mente.— Luna! — gritou, a voz reverberando pelas paredes.Nada.Avançou mais, os olhos atentos.Até que ouviu.— Leonel…Era fraco. Um sussurro vindo do fim do corredor. Ele correu, virou à direita, e então viu: Luna, ajoelhada ao lado de uma parede descascada, os pulsos marcados, o olhar úmido… mas viva.Ela se levantou rápido, correu até ele e se jogou em seus braços.O abraço foi urgente, desesperado, cheio de tudo que palavras não podiam dizer.— Eu achei que nunca mais ia te ver — ela disse, com a voz embargada.— Eu jurei que te encontraria. E aqui estou.Mas a emoção durou pouco.— Que cena linda. Quase chorei. — Alícia apareceu na porta, de braços cruzados, e com um leve sorriso debochado nos lábios.Leonel girou o corpo, colocand
O segundo tiro estilhaçou outra janela, fazendo cacos voarem pelo chão empoeirado. O som ecoava entre os corredores vazios como trovões engaiolados.Luna sentia o coração acelerar a ponto de doer. Leonel a segurava com força, protegendo cada centímetro de seu corpo.— Precisamos sair daqui — ele murmurou, a adrenalina tomando conta.Rodrigo puxou Alícia para trás de uma estante caída, os dois abaixados, trocando olhares rápidos.— Isso não é obra da polícia. — disse Rodrigo, olhando para o buraco na janela. — Estão usando armamento de precisão. Quem quer que esteja lá fora… sabe o que está fazendo.Leonel se levantou parcialmente, espiando por entre os cacos.— Estão tentando matar Luna.— E por quê? — Luna perguntou, a voz embargada de pânico. — Por causa do testamento?Alícia olhou para o irmão. Ele assentiu com um movimento de cabeça.— O testamento é apenas a ponta do iceberg — disse Rodrigo. — Alguém poderoso... muito mais do que nós imaginávamos, quer manter isso enterrado.Leon
Luna encarava o diário como se segurasse uma bomba prestes a explodir.O couro envelhecido, o cheiro de coisa antiga e guardada por décadas… tudo ali tinha um peso que ela ainda não sabia dimensionar.Leonel a observava com os olhos atentos. Não dizia nada. Só esperava.Ela virou a primeira página.A caligrafia elegante de César Bragança saltava diante dela como uma presença fantasmagórica."Hoje sonhei com ela novamente. A mulher dos olhos tristes e do sorriso que prometia a paz que nunca encontrei."Luna sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.— Ele está falando da minha mãe… — murmurou.Leonel assentiu devagar.Ela continuou lendo, as páginas tremendo entre os dedos."Disse a mim mesmo que jamais me apaixonaria. Que o império era meu único amor. Mas quando a vi na chuva, descalça e com um livro de poesia nas mãos, soube que estava perdido. O nome dela era... Vitória."Luna paralisou.— Vitória? — sussurrou.Leonel franziu o cenho.— Luna... esse nome não te diz nada?Ela negou c
A estrada de terra até o antigo casarão Bragança estava tomada por folhas secas e o ar carregado de expectativa. Luna não tirava os olhos da fachada da mansão que, mesmo com a decadência do tempo, ainda exalava poder.Era ali que tudo começara. E onde, talvez, tudo terminaria.— Tem certeza que quer fazer isso? — Leonel perguntou, a mão firme sobre o volante, os olhos alternando entre ela e a entrada imponente.— Preciso. Se minha mãe passou por aqui, eu vou sentir.Desceram do carro. O portão estava entreaberto, como se alguém os esperasse.O casarão parecia suspirar lembranças, cada parede sussurrando histórias há muito enterradas. Luna caminhava com passos hesitantes, mas determinada.Ao entrarem, a escuridão do saguão foi quebrada apenas pela luz da lanterna de Leonel. O cheiro de madeira antiga e segredo pairava no ar.— O advogado disse que havia algo escondido no salão principal — ele sussurrou.Chegaram ao local. Era uma sala enorme, com pé-direito alto, lustres empoeirados e
O som metálico da porta se fechando atrás deles soou como uma sentença. Luna estremeceu. O frio que correu por sua espinha não vinha apenas da brisa que escapava pelas frestas das janelas velhas, mas da sensação de que estavam sendo observados. Leonel girou rapidamente, o corpo em alerta, os olhos percorrendo cada canto do quarto em busca de algo fora do lugar.Dona Isaura encostou-se à parede, o rosto pálido, os olhos arregalados.— Como ele… como ele sabia que estávamos aqui? — Luna sussurrou, a voz embargada pelo medo.Leonel não respondeu de imediato. Seus olhos percorriam as paredes à procura de câmeras, microfones — qualquer sinal de que estivessem sendo vigiados. Mas tudo parecia em silêncio. Até que, mais uma vez, a voz ecoou. Agora mais baixa, mais íntima, como um sussurro vindo das próprias paredes.— Leonel… meu filho. Finalmente encontrou o que tanto buscava?Luna arregalou os olhos. O coração disparou em seu peito como um tambor em guerra. Aquele timbre… carregado de auto