Ecos do Passado

Quando Alina o notou na porta, sorriu.

— Está tudo bem? — perguntou ela.

Ele assentiu, afastando-se um pouco, surpreso com o quanto havia se deixado prender por aquela imagem.

— Eu… não queria interromper. Só vim dizer que vou trabalhar até tarde hoje. Se quiser, pode deixar Isabela dormindo no berço, eu cuido depois.

Ela se levantou com a menina no colo.

— Sem problema. Mas, se me permite, posso deixá-la dormir no meu colo por um tempo. Ela parece tranquila.

— Faça como achar melhor — disse ele, desviando o olhar. — Boa noite, Alina.

Ela hesitou.

— Boa noite, senhor Joaquim.

Ele virou de costas, mas seu nome dito naquela voz tão suave ainda ressoava quando entrou no escritório.

Às três da madrugada, ele ainda estava acordado, cercado por relatórios, gráficos e planilhas. Mas a mente vagava. A imagem de Alina sorrindo para sua filha, o modo como ela falava com ele — sem medo, sem bajulação —, aquilo o desconcertava. Ela o via. De verdade. Isso o enfraquecia… ou o libertava?

Ergueu-se da cadeira, cruzou o corredor silencioso e espiou o quarto da filha. A luz de um abajur estava acesa. Alina dormia sentada na poltrona, com Isabela aninhada em seus braços. Ambas pareciam parte de uma pintura. E pela primeira vez, Joaquim sentiu algo que não sentia há muito tempo: paz.

Se aproximou em silêncio, pegou um cobertor e cobriu Alina devagar. Ao se afastar, seus dedos roçaram de leve os dela. Ela não acordou, mas sorriu no sono.

Ele saiu dali com o coração disparado.

Talvez — apenas talvez — aquele não fosse mais um lar vazio.

Na manhã seguinte, Joaquim acordou com um pensamento estranho: queria ver Alina. Mais do que isso, queria ouvir a voz dela dizendo “bom dia”, ver o sorriso que ela reservava apenas para Isabela — e, às vezes, para ele. Quando entrou na cozinha, encontrou as duas já tomando café. Alina usava um vestido simples, azul-claro, e o cabelo solto caía em ondas suaves.

— Bom dia — disse ela, sem perceber o quanto aquela frase mexia com ele.

— Bom dia — respondeu, mais rouco do que pretendia.

Enquanto comiam, Joaquim percebeu como sua filha estava mais alegre nos últimos dias. Alina fazia diferença — e isso o assustava.

Mais tarde, ao vê-la saindo com Isabela para o parque, algo dentro dele relutava em deixá-las ir. Estava começando a se importar. E ele sabia onde isso poderia levá-lo.

Naquela tarde, Joaquim teve uma reunião cancelada e decidiu aparecer no parque onde sabia que Alina levaria Isabela. Chegou sem avisar. Ficou parado, observando de longe.

Alina corria atrás da pequena, sorrindo, os cabelos voando ao vento. Aquilo o atingiu como uma flecha. Ela não estava apenas cuidando de sua filha — estava devolvendo vida a ambas.

— Está nos seguindo agora? — ela brincou ao vê-lo.

— Coincidência — mentiu.

Sentaram-se no banco juntos. O silêncio que se seguiu não foi desconfortável. Era cheio de coisas não ditas.

— Isabela ama você — ele murmurou.

Alina sorriu. — Eu também a amo.

Joaquim desviou os olhos. Ele não esperava aquele sentimento crescendo… nem tão cedo, nem por ela.

Naquela noite, Joaquim teve um pesadelo com Clara. Acordou suando, tenso. Foi até o quarto da filha, como fazia às vezes. Alina estava lá, lendo em silêncio. Quando ela o viu ofegante, levantou-se depressa.

— Você está bem?

Ele não respondeu. Mas o olhar dele era um pedido mudo por conforto.

Alina aproximou-se, e ele, contra todo o orgulho, permitiu-se tocá-la. Sua mão tocou de leve a dela.

— Não precisa dizer nada — ela sussurrou. — Eu entendo.

Aquele toque foi breve, mas intenso. Uma promessa sutil de que havia mais por vir.

Nos dias que se seguiram, Joaquim ficou mais distante. Evitava contato. Precisava se controlar. Não podia se envolver com a babá da filha. Havia regras. Ele próprio as criara.

Mas o coração tem vontades que ignoram a razão. E o silêncio entre eles passou a doer mais do que qualquer palavra.

Alina sentia o afastamento. E doía. Não era só um emprego para ela. Começava a se apaixonar por aquele homem quebrado… e por cada pedacinho que ele mostrava dela mesma.

Na semana seguinte, uma ligação inesperada: Clara.

Ela queria ver Isabela.

Joaquim ficou paralisado. O ódio voltou com força. Como ela tinha coragem?

Alina o viu transtornado, e pela primeira vez, ele contou tudo. Falou da traição, do bilhete, da dor.

Alina o ouviu em silêncio, segurando sua mão.

— Você não está sozinho, Joaquim — ela disse, com firmeza.

E naquele instante, algo entre eles se consolidou. Não era apenas desejo. Era cuidado. Era cumplicidade.

Isabela adoeceu com uma febre repentina. Alina passou a noite em claro, junto com Joaquim, cuidando da menina. Trocaram compressas, remédios, carinhos.

Durante a madrugada, sentados no chão do quarto infantil, Alina encostou a cabeça no ombro dele. Joaquim não afastou.

— Você é forte — ela murmurou.

Ele sorriu pela primeira vez em muito tempo.

— Só porque você está aqui.

A febre de Isabela cedeu ao amanhecer, e quando Alina adormeceu com a criança no colo, Joaquim soube: estava irremediavelmente perdido por ela.

No domingo, Joaquim a convidou para almoçar com ele e Isabela fora da rotina — não como patrão e funcionária, mas como… algo mais.

No restaurante, Alina estava radiante. O olhar dele não conseguia desgrudar.

— Por que me convidou? — ela perguntou.

Ele a olhou nos olhos.

— Porque não quero mais fingir que não me importo.

Ela engoliu em seco.

— E o que vai fazer a respeito?

Ele sorriu, suave, mas firme.

— O que for preciso… pra que você não vá embora.

E ali, entre pratos ainda intocados e corações acelerados, começou o que nenhum dos dois mais podia negar: eles estavam se apaixonando.

Na manhã seguinte ao almoço, o clima entre eles havia mudado. Cada olhar carregava tensão. Joaquim a seguiu com os olhos pela casa, desejando se aproximar, mas lutando contra tudo que sua razão gritava.

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