Prisão em Plena Luz

 

O quarto estava mergulhado em penumbra quando Rafaella sentiu os lençóis se moverem. Ainda era madrugada. O silêncio da casa era interrompido apenas pelo som distante dos galhos das árvores roçando as janelas.

Bruno virou-se em sua direção com os olhos semicerrados. Ela já estava desperta, mas fingia dormir. Queria evitar qualquer contato, qualquer toque. Seu corpo ainda doía da noite anterior. Mas ele sabia. Sentiu.

Sem dizer uma palavra, ele a puxou para perto. Os olhos sem expressão, os gestos calculados. Rafaella estremeceu, mas já não lutava. Aprendera que a resistência só piorava as coisas. Havia um vazio em cada toque dele. Um controle impessoal. Ele a tomava como se fosse um direito adquirido — e talvez, para ele, fosse mesmo.

Quando terminou, saiu da cama com tranquilidade. Vestiu-se sem pressa. A luz tênue da manhã começava a espreitar pelas frestas da cortina.

— Vista-se. — ele disse, ajustando os botões da camisa. — O café já vai ser servido. Vou viajar. Fico fora por uma semana.

Ela não respondeu. Apenas ficou deitada, encarando o teto, até ouvir o som da porta se fechando atrás dele.

Na mesa do café, a mesa era grande demais para uma pessoa só. Tudo estava perfeitamente disposto: frutas frescas, pães variados, sucos, geleias artesanais. Mas o ar era denso, e Rafaella se sentia fora de lugar, como uma boneca largada em uma casa de vidro.

A governanta, uma mulher de cabelos presos em um coque firme e postura impecável, entrou na sala com um leve aceno.

— Senhora Rafaella, bom dia. O senhor Bruno pediu que eu a atualizasse sobre a rotina.

Rafaella ergueu os olhos, surpresa com a formalidade. Senhora? Era estranho ouvir aquilo. Soava como ironia.

— Seu pai, doutor Mário Souza, deixou registrado no contrato que deseja que a senhora conclua seus estudos. Então, a matrícula na faculdade de Direito local já foi providenciada. Fica a vinte minutos daqui.

— Que faculdade? — Rafaella murmurou, atônita.

— Universidade de São Lourenço. É pequena, mas bem conceituada. O motorista irá levá-la e buscá-la todos os dias. A senhora não precisa se preocupar com nada. Há horários fixos, e tudo já está programado.

Ela soltou um riso seco, irônico.

— Programado. Claro. Por que eu teria liberdade de escolha, não é?

A governanta manteve a postura, mas não respondeu.

— E se eu não quiser ir?

— O senhor Bruno deixou claro que isso não seria uma opção. A senhora representa os interesses da família agora. A sua formação jurídica é parte disso.

— Eu não sou propriedade deles. — Rafaella sussurrou, mais para si mesma do que para a mulher à sua frente.

Mas era. E sabia disso.

A governanta, então, continuou:

— A casa conta com cinco empregados fixos: eu, duas cozinheiras, um jardineiro, um guarda que faz a segurança da entrada e o motorista. Todos são discretos e estão à disposição. O senhor Bruno orientou que, qualquer necessidade, seja comunicada a mim diretamente.

Rafaella sentiu um frio na espinha. Ela não estava apenas isolada — estava sendo vigiada.

Tomou um gole do suco, tentando manter a compostura. Mas por dentro, tudo gritava. Queria fugir, desaparecer, se reinventar. Mas como? A mansão era cercada. Os muros altos. As câmeras discretas. Tudo controlado. Tudo planejado.

Naquela tarde, Rafaella viu pela janela o carro preto estacionar na entrada. O motorista, um homem silencioso de meia-idade, desceu e aguardou, como se já soubesse o horário exato em que ela deveria sair.

Ela pegou a mochila com os livros, ainda com o brasão da antiga faculdade, e caminhou devagar. O mundo fora daqueles portões parecia outro planeta. O contraste entre o luxo opressor da casa e o cotidiano da cidade pequena era brutal.

No caminho, observou o interior de São Paulo se revelar em ruas simples, com lojas de bairro, padarias, estudantes caminhando com mochilas nas costas… Era uma vida que ela não conhecia. Uma vida livre.

Mas ela não era livre.

Ao chegar à faculdade, sentiu os olhares curiosos. Era a nova aluna. A esposa de Bruno Santos. A mulher por trás do sobrenome que causava tanto temor. Ninguém se aproximava. Todos cochichavam. E Rafaella entendeu que, mesmo ali, seria prisioneira de uma imagem construída por outros.

Ela apenas queria voltar no tempo. Voltar a ser Rafaella Souza, a filha caçula, a que sonhava em ser delegada. A que acreditava que o amor podia vencer o mundo. Mas ali, entre muros e contratos, ela era apenas a esposa de Bruno Santos.

E tudo nela começava a morrer, um pouco mais a cada dia.

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